Chama imediatamente a atenção a oportunidade do seu lançamento, grudado na reunião da ANJ. Pelo conteúdo e pela forma, é uma evidente demarcação do que pensa a indústria ou o sistema. Forma de singularizar-se num processo cartelizado (do ponto de vista conceitual) que se movimenta coletivamente no campo empresarial.
. Convém reparar que na reunião da ANJ, quando se tratou dos Painéis dos Leitores, a Folhafez-se representar por uma executiva da área técnica (DataFolha) e não por um executivo do alto escalão jornalÃstico, como as demais empresas. Fica sinalizado um distanciamento do processo decisório nas redações das operações mercadológicas. No texto do documento diz-se que as sondagens de opinião ‘possibilitam conhecer um pouco melhor as necessidades do público (….) mas não substituem o discernimento necessário para detectar a ocasião jornalÃstica (….)’. Em seguida, menciona-se a dimensão humana que deve nortear todo o trabalho. Será este um passo em direção ao jornalismo humanista do qual os jornalões se afastaram de forma tão agressiva?
. O avanço mais significativo que confronta os modelos da ANJ e os documentos anteriores da própria Folha(citados em anexo) está na admissão de uma “recepção crÃtica” aos meios de comunicação: “(….) O mal-estar que cerca a imprensa passou a se traduzir em três acusações predominantes: ela seria superficial, invasiva e pessimista. Em vez de se voltar para o esclarecimento de processos complexos e contraditórios, a imprensa opta por pinçar seus fragmentos mais estridentes praticando simplificações. (….) No afã de obter revelações chocantes, a imprensa atropela quaisquer limites. (….) Tangida pela competição em busca do ‘furo pelo furo’ permeada por uma atmosfera reinante nas redações a imprensa adota uma linha destrutiva. (….) Não se trata de acusações descabidas (….). Uma resposta para os problemas do jornalismo contemporâneo terá de corresponder à sensibilidade de parcelas crescentes do público, que reclamam um emprego mais criterioso do poder de informar. (….)”
. Esta é a autocrÃtica mais explÃcita que um grande veÃculo jornalÃstico brasileiro jamais publicou e a mais inequÃvoca manifestação contra os métodos e ideologias imperantes na corporação jornalÃstica. Este OBSERVATÓRIO sente-se amplamente recompensado e honrado porque tais colocações coincidem, no espÃrito e na formulação, com as que ao longo deste ano aqui reiteramos (inclusive o recente debate “Furo Furado”).
. As mesmas preocupações presentes em nossa insistente pregação em favor da contextualização, referenciação e requalificação do noticiário e do oficio jornalÃstico aparecem assim no documento: “(….) Em meio à balbúrdia informativa, a utilidade dos jornais crescerá se conseguirem não apenas organizar a informação inespecÃfica (….) como também torná-la mais compreensÃvel em seus nexos e articulações. (….) O jornalismo atravessa um perÃodo de qualificação que ultrapassa a ênfase normativa do perÃodo anterior. (….) O pluralismo apequenado muitas vezes na auscultação meramente formal do ‘outro lado’, deveria renovar-se na busca de uma compreensão mais autêntica…”
. No âmbito polÃtico, o projeto estabelece novas linhas de atitudes e comportamento quando chama a atenção para uma inclinação de “hostilizar por hostilizar”, álibi de uma falsa isenção. A imprensa (e a Folha) seguem a linha liberalizante mas não acompanham propostas alternativas. Na área das carências sociais, a imprensa (e a Folha), “(….) não conseguiram articular enfoques que coloquem esses temas na ordem do dia, acoplando-os à agenda imediata dos eventos (….).”
Conclusões
A Folhatem um lado escoteiro ou, se quisermos avançar pela literatura, uma porção Jean Cristophe (personagem-tÃtulo da esquecida obra do idealista Romain Rolland). Arrogante e cândida, audaciosa e frágil (porque se expõe), leva-se a sério. A despeito dos tiques pós-modernistas, irremediavelmente romântica.
Avocou a si a responsabilidade da criação e divulgação de um modelo jornalÃstico que se esgotou rapidamente. Agora, assume publicamente o compromisso de fazer o percurso de volta. Oxalá tenha convicção para consagrá-lo como novo paradigma. Atribuir aos velhos tempos a culpa pelo que foi feito e justificar as mudanças porque os tempos mudaram é uma forma de ignorar o livre-arbÃtrio. A autocrÃtica não apaga o que foi feito, é apenas um contrato para o futuro.
O manifesto não tratou da cobertura cultural e literária, não examinou o opinionismo exacerbado do qual a Folhatambém é precursora, não cuidou da perigosa “cadernização” que se espalhou por este paÃs afora fragmentando jornalões & jornaizinhos em cadernos esquálidos.
Nem esta primeira leitura esgotou todas as polêmicas questões contidas e suscitadas pelo corajoso manifesto.
Voltaremos – sobretudo para cobrar.
“Projeto Editorial 1997. Caos da informação exige jornalismo mais seletivo, qualificado e didático“.