Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

>>Uma luz na catástrofe
>>A unanimidade reacionária

Uma luz na catástrofe


Foi uma declaração do primeiro-ministro, Jean-Max Bellerive, de que poderia haver mais de cem mil mortos no Haiti, que fez a imprensa mundial acordar para a extensão da catástrofe. Momentos depois do primeiro terremoto, que devastou o país, centenas de blogs e correntes sociais na internet já davam sinais da gravidade dos acontecimentos.


Mas mesmo o noticiário da televisão brasileira pareceu vacilar nas primeiras horas após o evento. Talvez por exaustão, depois de duas semanas reportando as tragédias nacionais da passagem do ano, o sistema informativo do Brasil demorou a reagir.


Nesta quinta-feira, finalmente, os leitores de jornais começam a tomar conhecimento da extensão dos sofrimentos afligidos à população haitiana, já submersa no caos há mais de meio século.


Os cadernos especiais se esmeram em depoimentos, números e fotografias dramáticas.


Mas, diante das situações que extrapolam o que o senso comum considera suportável, fica a dúvida sobre a capacidade da narrativa de descrever a dor escatológica e as situações extremas que remetem à idéia de fim dos tempos.


A saída, para os jornalistas, é selecionar personagens que representem o sofrimento coletivo.


Mas no meio das imagens desoladoras e dos depoimentos sem esperança, a Folha de S.Paulo resgata o discurso que a médica sanitarista e pediatra Zilda Arns teria feito a seus colegas de ação social em Porto Príncipe.


Ela pretendia relatar a história de sucesso da Pastoral da Criança, que ela criou e transformou em uma das maiores e mais eficientes organizações humanitárias do mundo.


Zilda Arns comandava 260 mil voluntários que acompanham quase 2 milhões de gestantes e crianças, além de dar assistência e educação sanitária a 1,4 milhão de famílias pobres em milhares de municípios.


Se tivesse tido tempo para fazer sua palestra, ela teria dito, entre outras coisas: “a solução da maioria dos problemas sociais está relacionada com a redução urgente das desigualdades sociais, com a eliminação da corrupção, a promoção da justiça social, o acesso á saúde e à educação de qualidade, ajuda mútua financeira e técnica entre as nações, para a preservação e a restauração do meio ambiente”.


A mensagem era para o Haiti, mas serve para todo o planeta. 


A unanimidade reacionária


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– Chama a atenção a resistência das empresas de mídia contra o decreto que institui o Programa Nacional de Direitos Humanos, anunciado em dezembro passado mas que só agora, passadas as festas de fim de ano, avaliado em detalhes pelos veículos jornalísticos. Nos detalhes que interessam aos seus pressupostos ideológicos, é claro.


Se o sábio jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues pregava que toda unanimidade é burra, no discurso praticamente unânime contra o decreto destaca-se a posição do Grupo Bandeirantes de rádio e televisão, que abriu suas baterias editoriais num autêntico fogo de barragem contra a iniciativa governamental, sem qualquer espaço para o contraditório.


De que tanto reclamam os veículos? Na sexta-feira passada, nota conjunta das três maiores entidades patronais da comunicação – Abert, Aner e ANJ – protestou contra a suposta “criação de uma comissão governamental que fará o acompanhamento da produção editorial das empresas de comunicação e estabelecerá um ranking dessas empresas, no que se refere ao tema dos direitos humanos”.


O diabo não é tão feio quanto parece. O que propõe o decreto? Propõe o seguinte: “Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações”. E, mais adiante: “Recomenda-se (…) fomentar a criação (…) de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em Direitos Humanos”. É o que fazem, em última análise, os monitoramentos que alimentam pesquisas realizadas por entidades como a Andi, o Intervozes e mesmo este Observatório, ou a campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”.


De mais a mais, o texto do decreto coloca em relevo as obrigações constitucionais dos veículos de radiodifusão – que não são, por óbvio, propriedade exclusiva de seus controladores, mas concessões públicas cujo usufruto exige contrapartidas previstas em lei. Ocorre que o patronato da mídia não gosta de ser fiscalizado e muito menos regulado. Vêm daí as razões do esperneio.