Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo de ciência ajuda a despertar interesse científico na sociedade

(Foto: Divulgação RedeComCiência)

Agentes da divulgação científica, jornalistas têm papel importante para ampliar o conhecimento público sobre temas complexos.

Em tempos de pandemia, a ciência tem ganhado espaço nos noticiários como poucas vezes se viu. Nada mais acertado. Afinal, seja em um momento de emergência ou de calmaria, a expansão do conhecimento é um dos principais instrumentos para melhorar as condições de vida na sociedade contemporânea.

A própria cidadania, aliás, está alicerçada no conhecimento, e é com base nesse bem coletivo que podemos estruturar tanto ações no presente quanto o planejamento futuro. Para isso, ao longo do tempo, as sociedades decidiram investir no conhecimento baseado em pesquisas científicas, sobretudo com financiamento público, e na aplicação de seus resultados.

Contudo, quais ações podem nos ajudar a entender os mecanismos dessa produção, já que, apesar de sua importância, ao menos aparentemente a ciência ainda é algo distante para a maioria das pessoas?

Aqui, vale um parênteses para observar que os diferentes momentos da ciência — da produção de conhecimento, com metodologias, evidências e possibilidade de reprodução, à sua divulgação na sociedade —, têm nomes próprios dentro do arcabouço da comunicação, onde figura o jornalismo.

Durante o processo de desenvolvimento científico, quando um cientista informa outros cientistas sobre suas pesquisas, por meio de participação em congressos ou publicação de papers, acontece a chamada comunicação científica, ou seja, a difusão da ciência entre pares da mesma área, ainda de forma codificada. É uma etapa importante para a avaliação e a atualização de técnicas específicas de determinada área de pesquisa.

A partir daí, quando esse conhecimento já debatido e sistematizado é levado para a sala de aula, em escolas ou outros ambientes dedicados aos processos de ensino e aprendizagem, do nível fundamental à pós-graduação, ganha espaço a educação científica, criando condições para um processo de mobilização para uma “aceitação” social da ciência.

Já quando esse conhecimento é compartilhado a um público mais amplo, a sociedade de modo geral, ocorre o que é conhecido como divulgação científica, quando jornalistas e cientistas se dirigem ao público por meio de revistas segmentadas em temas de ciência, jornais, rádios e demais mídias eletrônicas e televisivas, também contribuindo para a educação científica.

A divulgação científica, aliás, é um campo vasto. Engloba de exposições, feiras e museus de ciência às mais variadas ações, incluindo textos, vídeos e podcasts, com recursos que vão além do jornalismo, chegando à arte e ao entretenimento. Esse processo reúne uma série de diferentes atuações voltadas a atingir o mesmo objetivo, que é o de popularização de temas científicos e o engajamento de público com esses temas.

O processo de engajamento de público nas chamadas ciências duras (hard sciences ou STEM) vem sendo desenvolvido por países como o Reino Unido e a Holanda, que promovem incentivos a estudantes no início da faculdade para atuarem na produção de material para públicos específicos, como crianças e idosos. Parece algo novo, mas o engajamento de público é algo feito desde o século 18 em palestras realizadas pelas sociedades de ciências da Inglaterra.

Com o decorrer dos séculos, a proximidade de cientistas com jornais e TVs se tornou interessante e nomes como David Attenborough e Brian Cox possuem séries documentais memoráveis na TV e na internet. Isso porque foram treinados para falar com o público amplo sobre conceitos científicos e conversar com jornalistas de forma simples e objetiva.

Ciência em pauta

Entre as formas de tornar menos cifradas as questões de ciência e tecnologia está o jornalismo de ciência, um dos principais recursos utilizados para a divulgação científica, embora alguns jornalistas que realizam a cobertura de temas de C&T ainda não percebam seu trabalho como parte constituinte da divulgação científica.

O jornalismo, com toda sua técnica, que inclui investigar, checar fatos e fontes, e no caso da cobertura de ciência também analisar e avaliar os métodos utilizados na pesquisa científica, os interesses políticos e sociais envolvidos, questões de caráter estratégico, econômico e ideológico, além do contexto em que o fato científico a ser relatado está inserido, incluindo suas possíveis controvérsias, ao resultar na publicação de uma reportagem, configura-se também ele em uma ação de divulgação científica.

Isso ocorre porque toda a forma de retratar a ciência, incluindo a jornalística e tudo o que ela implica, age para que a ciência, seus percalços, avanços e resultados sejam mais conhecidos na sociedade, por meio da informação, algo que, não por coincidência, é também objeto da divulgação científica.

Vale lembrar que o jornalismo de ciência também é jornalismo, e deve se basear no conjunto de técnicas de comunicação que lhe dá sustentação para contar histórias da ciência de maneira interessante, informativa e compreensível ao público.

Da mesma forma que o esporte ou a economia são assuntos presentes no cotidiano das pessoas, fatos para os quais o jornalismo contribuiu imensamente, a ciência, a tecnologia e a inovação também encontram no jornalismo uma porta de entrada para o contato do público com temas que, à primeira vista, não são necessariamente fáceis de entender.

Um grande guarda-chuvas

Mais ampla do que o jornalismo de ciência, a divulgação científica é uma ação prática, feita por jornalistas e não jornalistas, que tenta cumprir o preceito de tornar a ciência e seus processos mais conhecidos, explicitando-os no cotidiano das pessoas, de forma que possam tomar decisões com base em informação e dados científicos acessíveis em vez de usar ideologias ou dogmas não comprovados.

Vale observar que a atual visibilidade de movimentos antivacinas e terraplanistas, por exemplo, é consequência direta do afastamento da importância da ciência no cotidiano, por mais que alguns desses grupos tentem utilizar argumentos “científicos” para embasar suas ideias (que, na verdade, não possuem embasamento).

Ao contrário disso, a divulgação científica está na direção para onde apontam também a comunicação e a educação científicas. É a direção da popularização da ciência, que no francês ganha a expressão que melhor a define — vulgarization scientifique —, torná-la vulgar no sentido de comum a todos, logo, parte da cultura. Daí a área de estudos Cultura Científica.

Assim, o termo divulgação científica não é nem um equívoco nem um preciosismo, mas uma definição, que compreende diferentes ações, concomitantes ou não, e assim compreendida tenderia a levar a uma legitimação da ciência por seu conhecimento e apropriação pela sociedade. Não haveria, portanto, carga negativa, depreciativa ou pejorativa no termo divulgar.

Pelo contrário, divulgar a ciência significa torná-la mais popular e identificada na sociedade, e se os sistemas de avaliação da ciência brasileira ainda valorizam pouco a divulgação científica, o trabalho atualmente feito por jornalistas e cientistas deve ser incentivado, com treinamentos e capacitações.

Assim, a importância da divulgação científica realizada pelo jornalismo está em sua contribuição para que as pessoas se apropriem de algo que está intrinsecamente ligado ao cotidiano, ao dia a dia, à notícia, já que temas de ciência e tecnologia permeiam a todo momento nossas vidas, seja por questões tecnológicas, ambientais ou de saúde — este o tema científico que mais diretamente interessa às pessoas, conforme revelam todas as pesquisas de percepção pública da ciência, no Brasil e no exterior.

Cultura científica

Esse conjunto de diferentes ações, realizadas em circunstâncias distintas, constitui a chamada cultura científica, um processo no qual relações inerentes e necessárias entre ciência e cultura levam a uma transformação social.

Numa palavra, a ciência, inserida nos temas cotidianos, é parte constituinte da cultura, para o que o jornalismo cumpre papel fundamental. Afinal, nenhum leitor precisa ser cientista para se interessar por temas científicos.

Se por meio do noticiário as pessoas puderem entender o significado da ciência em suas vidas, poderão se posicionar com mais segurança, por exemplo, quando um bem coletivo estiver sendo ameaçado na esfera pública por algum fator político ou econômico, seja universidade, instituto de pesquisa, parque, reserva biológica, aquífero ou museu. Ou seja, divulgação científica promove engajamento de público e impacta em políticas públicas.

Por exemplo, a pandemia provocada pelo novo coronavírus, que levou a ciência para o centro dos noticiários, fez com que sua importância e reconhecimento social ficassem mais tangíveis, ao menos momentaneamente, seja pela expectativa por uma vacina ou pela percepção da necessidade de uma política científica que garanta investimentos contínuos em pesquisas.

Em um momento em que a ciência, a tecnologia e a inovação passam por uma crise de financiamento, a divulgação científica em meios digitais, incluindo os mais interativos, como os blogs de ciência, têm ganhado espaço. Mas o jornalismo de ciência nos meios de comunicação tradicionais, como os jornais, precisa ainda compreender a força e potencial da ciência e sua divulgação no contexto editorial, para que a relevância desses veículos seja mantida também após a pandemia.

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Samuel Antenor é jornalista, especializado em jornalismo científico e mestre em divulgação científica pelo Labjor/Unicamp. Ex-assessor de comunicação da Fapesp, é editor do site do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea e membro da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (Rede ComCiência).

Sylvia Maria Affonso é bióloga ambientalista. Ex-coordenadora de comunicação do Pint of Science Brasil, é responsável pela comunicação científica da Agência de Inovação Tecnológica e Social da Unifesp e tesoureira da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (Rede ComCiência).