Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma tragédia anunciada

Há quem diga que as novelas são apenas o retrato da vida real, obras ficcionais, sem nenhuma importância. Acho que depois de Viver A Vida, de Manoel Carlos, mudei de idéia. A história drástica da modelo Luciana, que se envolveu em um acidente de carro e acabou atropelando uma carreira de sucesso, me fez refletir sobre o quanto é fácil a esperança ser destruída. Tantas reflexões me fizeram temer muita coisa, tanto que tive vários pesadelos (para vocês pode ser uma bobagem isso que eu vou dizer, mas não é). De tanto pensar na trama, as imagens fortes e marcantes das cenas me fizeram perder várias noites de sono. Isso mesmo. Foi impressionante como Viver a Vida conseguiu me deixar angustiada, a ponto de me fazer perder a minha estabilidade psicológica.

Uma semana pensando no drama de Luciana, e me colocando no lugar dela, foi o suficiente para, de repente, o que era sonho quase se tornar um grande pesadelo. Voltando de Salinas da Margarida no feriado de 15 de novembro, em direção a São Sebastião do Passé-Ba, eis que ‘no meio do caminho tinha uma pedra’, como diria nosso Carlos Drummond de Andrade. Mas essa pedra não era inanimada, e sim, a personificação de um rapaz, entre 20 e 24 anos, estirado na pista, ensanguentado. Tinha acabado de cair de sua moto e não usava capacete. O carro em que eu estava freou quase em cima do garoto. E pior… por pouco ele não foi atropelado. Na verdade, fui a cobaia.

Com a lembrança na cabeça

Mas essa freada brusca, para não acabar com a vida daquele ser humano que nem usava capacete, nos custou muito caro. Logo atrás de nós, um carro em alta velocidade e enfurecido não conseguiu frear… Para se livrar do pobre menino, o Gol G5 vermelho lançou-se para a pista esquerda e bateu frontalmente com um Palio cinza. No momento, só o back, o susto, a lembrança do acidente de Luciana. Os carros rodopiaram, rolaram e caíram bruscamente no chão. O desespero assolou. Era difícil encarar e acreditar que o acidente aconteceu do meu lado e que as mãos divinas de Deus nos livraram do pior. Não deu para lembrar do meu papel social de jornalista, mas de alguém que poderia estar à beira da morte. Fiquei atormentada e não sabia o que fazer.

A minha primeira reação foi tentar ajudar o moleque que havia caído na estrada e provocado todo aquele furdunço. Liguei para o 192 (Samu) – queria até deixar aqui registrado a rapidez no atendimento e agilidade do pessoal – e pedi que socorressem o menino, que a todo momento perguntava como estava a sua cabeça. Pedi que todos se afastassem dele e o deixassem respirar. A dor parece ter sido aliviada. Dever cumprido, fui verificar como estavam as vítimas da batida. Ambos muito bem. Mas o jovem que dirigia o Gol vermelho parecia ter bebido um pouco e deixou o local antes que a Polícia Rodoviária Federal chegasse. O alívio, após um intenso nervosismo foi tomando conta de mim. Até que uma moto acelerada – seu velocímetro devia bater 110 km/h – passou levando a todos que participaram do acidente. Uma tragédia estava por ser anunciada. Mas Deus não deixou que o pior acontecesse. Fui para casa e aquela lembrança jamais sairia da minha cabeça. Só tive a certeza de que o melhor a fazer seria agradecer a Deus por não ter nos deixado sequelas e perceber o quanto é importante Viver a vida, assim como ela é.

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Jornalista, Salvador, BA