Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Paulo Machado

‘A imparcialidade é muito mais do que uma virtude no jornalismo. Ela é condição fundamental para que o leitor acredite ou não em uma informação. Se aplicada com o devido rigor, ela evita que se cometa enganos apresentando afirmações que não correspondem à realidade dos fatos ou, pelo menos, não à totalidade da opinião sobre os fatos.

A parcialidade da informação inspirou um sentimento de indignação e desconfiança da leitora Maria Lúcia de Andrade Pinto ao ler a matéria Brasileiros que vivem em Honduras defendem novas eleições para pôr fim à crise política, publicada dia 10 de outubro. Ela escreveu: ‘Acho absurdo publicar uma matéria na qual se informa que os 350 brasileiros que vivem em Honduras se manifestam a favor de eleições naquele país. Alguém sabe se existem mesmo 350 brasileiros em Honduras que assinaram essa declaração? Isso é pura propaganda da hedionda ditadura que domina Honduras nesse momento’.

A matéria aparentemente generaliza uma informação a partir da opinião de uma única fonte ouvida pela reportagem atribuindo-a a todos os brasileiros residentes naquele país como se eles tivessem realmente sido ouvidos. Para afirmar que ‘a expectativa de todos’ é essa ou aquela, todos precisariam ter a oportunidade de manifestar sua expectativa em relação à crise politica e o feito de maneira unívoca, no entanto, apenas uma brasileira, presidente de uma ‘associação organizada [sic]’ falou por eles, sem constar que os tenha ouvido em qualquer pesquisa ou enquete em que pelo menos uma maioria se manifestasse dessa ou daquela forma. Mesmo assim, se a suposta pesquisa existisse, no máximo a ABr poderia informar que a maioria dos brasileiros defendem determinada saída para a crise política e não sua totalidade, por uma questão de precisão – outra virtude do jornalismo.

Se a Agência Brasil tivesse feito a devida apuração provavelmente disponibilizaria os resultados da pesquisa para a leitora em sua resposta, justificando o que afirmou na matéria. A resposta foi apenas: ‘Agradecemos a leitora pelo comentário’. De onde veio a informação de que 350 brasileiros que vivem em Honduras declararam sua opinião? Esta é a pergunta da leitora para a qual a ABr não apresentou a origem da informação.

Continuando, a notícia traz outras constatações e inferências que carecem de embasamento para que possam se sustentar. Para dizer que a comunidade de brasileiros ‘virou alvo das atenções’ seria necessário que a maioria do povo hondurenho fosse ouvida e declarasse que tinha voltado suas atenções para tal comunidade – o que sabemos que tampouco aconteceu.

Ao tentar qualificar sua fonte, a ABr fornece informações discriminatórias que só têm relevância pelo conteúdo preconceituoso que carregam. Dizer que ela é uma veterinária casada a qualifica de alguma maneira para emitir opinião sobre a situação politica do país que a acolheu? Ou dizer que ela trabalha, pertence à classe média alta e que é ‘culta’? Qual é o indicador de cultura para se medir esse tipo de atributo? Tampouco o fato dela ter participado de reuniões promovidas pela comitiva parlamentar que visitou Tegucigualpa ou manter contato com diplomatas pode ser uma credencial se essas informações não forem devidamente qualificadas. Participou como? Oficialmente? Na qualidade de que? Que tipo de relações ela matem com diplomatas? Profissionais? Amadoras? De parentesco ou amizade?

A mesma fonte é utilizada pela Agência Brasil para emitir opinião sobre a confiabilidade do Tribunal Eleitoral de Honduras e a origem de seus magistrados, como se eles precisassem desse tipo de aval. No campo da geopolitica internacional há normas, hierarquia e protocolos que precisam ser respeitados pela imprensa de um país em relação a outro. Se a ABr queria informar aos leitores sobre as atividades e a confiabilidade da Suprema Corte eleitoral daquele país por que não solicitou uma entrevista diretamente a seus integrantes?

Concluindo, a referida fonte faz menção ainda à ‘interferência’ de nosso governo naquele país e a suposta perseguição a cidadãos brasileiros hostilizados por ‘algumas pessoas estressadas com toda essa crise’. Será que o simples fato de ‘acompanhar o processo politico no país onde vive’ a qualifica para emitir opinião sobre nossa política externa e a Agência Brasil a publicá-las? Será que o simples fato de ‘acompanhar o processo politico no país onde vive’ a autoriza a comentar publicamente a politica interna daquele país e a Agência Brasil a publicar seus comentários? Sequer embaixadores fazem isso quando não estão devidamente autorizados pelo Itamaraty por uma questão de respeito à soberania das nações.

Somando as imprecisões cometidas na matéria há que se perguntar a quem serviram tais informações? No jornalismo, quando se encadeia uma sucessão de argumentos e de opiniões de uma única fonte sobre um assunto corre-se o risco da parcialidade- uma tentativa de induzir o leitor a uma determinada conclusão. O maior ou menor sucesso dessa deplorável atitude dependerá justamente da legitimidade da fonte para falar sobre o assunto. No caso, para a leitora, parece que ficou evidente que ‘isso é pura propaganda da hedionda ditadura que domina Honduras nesse momento’.

Para não ter suas notícias interpretadas dessa forma, a Agência Brasil precisa de rigorosa apuração dos fatos e de critérios para selecionar suas fontes. A maneira de abordar certos assuntos regidos por regras estabelecidas em tratados internacionais devem respeitar preceitos éticos e diplomáticos. Se as eleições são ou não a saída para a crise politica isso poderia ser discutido à luz do contexto em que se deu o golpe de estado e de suas causas internas e externas, conforme analisamos em nossa coluna Honduras: o contexto do golpe , publicada dia 7 de agosto. Fora do contexto a informação pode ser considerada proselitismo e, portanto, incompatível com os objetivos e princípios do jornalismo que a agência pública tem a missão de praticar.

Até a próxima semana.’