Friday, 13 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Por que a renúncia é ruim

Renunciar ou não renunciar é a questão que desde 1º de setembro vem tirando o sono se não de todos, decerto da grande maioria dos 13 deputados citados no relatório conjunto das CPIs dos Correios e da Compra de Votos, divulgado naquele dia.

[A rigor foram citados 19, mas no caso de três deles – o petista José Dirceu, o petebista Romeu Queiroz e o pelista Sandro Mabel – a questão não se colocou então porque os respectivos processos por quebra de decoro parlamentar já haviam sido abertos no Conselho de Ética da Câmara a pedido de terceiros. Além deles, dois renunciaram (Costa Neto e ‘Bispo’ Rodrigues) e um (Roberto Jefferson) foi cassado.]

A partir do final da manhã de hoje, quando a Mesa da Câmara, por 5 votos a 1, decidiu encaminhar ao conselho os 13 nomes, sem exceção, a areia da ampulheta começou a escorrer mais depressa, embora a decisão da Mesa só deva produzir efeitos, oficialmente, no começo da semana que vem.

Ao comentar o assunto, especialmente no caso dos 6 do PT sob pressão do presidente Lula para renunciar, em troca de garantia de legenda para voltarem a se candidatar no ano que vem, a mídia insiste no óbvio (para quem considera a turma toda culpada).

Bate na tecla de que a renúncia será uma imoralidade a mais, por permitir a impunidade e assim preservar os direitos políticos dos que se abasteceram nas contas das empresas de Marcos Valério, em operações assumidamente “não contabilizadas”, eufemismo para o crime eleitoral do caixa 2.

Mas isso não me parece o essencial. A cassação ou não dos acusados interessa menos ao país do que o processo em si contra cada um deles: o julgamento conta mais do que a sentença.

Isso porque, se o que se quer é chegar o mais perto possível da verdade sobre esse lameiro que está na ordem do dia desde a primeira entrevista do ainda deputado Roberto Jefferson à Folha, em 6 de junho – sua resposta à cena de corrupção documentada nos Correios e divulgada em 14 de maio –, quanto mais numerosos os processos abertos no Conselho de Ética, maiores as chances de emergirem fatos novos (ou de serem checadas versões velhas).

Do inquérito “policial” ao processo “judicial”

A renuncia, portanto, é ruim principalmente por matar no berço essa possibilidade em um número de casos, que será expressivo ou pela quantidade, ou pela importância política dos renunciantes, ou pelas duas coisas juntas.

Com a definição precisa da acusação em cada caso, tomada de depoimentos de testemunhas, exercício do direito de defesa dos réus, votação e, afinal, encaminhamento da decisão ao plenário da Câmara, que será o juiz de última instância, em escrutínio secreto, o rito do processo é uma sequência de oportunidades para se ir além do que as CPIs apuraram.

Mal (ou bem) comparando, uma coisa é o inquérito policial, outra o processo judicial. Aí é que – eventualmente por razões não muito diversas daquelas, vingativas, que fizeram Jefferson entoar a ária do mensalão – alguém pode pôr a boca no mundo e ajudar a encaixar as peças ainda soltas do quebra-cabeça do comércio de votos no Congresso.

Pois se há uma história terrivelmente mal contada é a do dinheiro que entrou nas contas de um publicitário-lobista e nos cofres do PT, graças a supostos empréstimos bancários avalizados por ele, para suprir companheiros e aliados políticos de meios para pagar o que ficaram devendo aos que lhes prestaram serviços em campanhas passadas (e, quem sabe, para pagar os fornecedores futuros).

“Recursos não declarados”, sim. Mas, se perguntar não ofende, para quem exatamente e a troco de quê exatamente? E se não vieram da banca, vieram de onde? Se os 13 da lista resolvessem aguentar o tranco e ir para as cabeças, seria muito improvável não se avançar no caminho das respostas.

Digo mais: no limite, à falta de melhor alternativa, a impunidade de todos eles seria um preço razoável a pagar pela verdade, se uma coisa levasse à outra. De novo mal (ou bem) comparando, antes Maluf solto, se em troca disso não ficasse pedra sobre pedra na história dos atos de corrupção de que é suspeito e se fosse resgatada a montanha de reais da prefeitura de São Paulo que deles teriam se originado e tomaram o rumo do exterior, sob a forma de dólares, barras de ouro, o escambau.

Mas isso evidentemente é sonho de um fim de tarde de primavera. Renúncias virão – como vieram as de Valdemar Boy da Costa Neto e Severino Mensalinho Cavalcanti. Resta torcer, sem lá grandes esperanças, de que nunca mais nasça grama na terra onde pisarem aqueles cujas renúncias serão uma confissão cabal de culpa.

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