Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Boicote sim, censura não

Rush Limbaugh é um radialista americano muito famoso e prestigiado entre as pessoas e os políticos mais conservadores dos EUA há pelo menos 20 anos com seu programa diário de três horas de duração (das 12h às 15h).

Extremamente radical no conteúdo e no estilo, xinga e ofende com um linguajar muito próximo dos que fazem da internet uma arma para espalhar injúrias, sem nenhum compromisso com os fatos.

Em seu programa, engaja-se em bate-bocas ao vivo com ouvintes incautos que se prezam a tentar argumentar com ele.

Na semana passada, Limbaugh chamou Sandra Fluke, uma estudante de Direito da Universidade Georgetown em Washington, de “vagabunda” e “prostituta” após discussão sobre a cobertura de seguro-saúde para uso de contraceptivos. Por dias ele se referiu a ela em termos chulos.

Amigos de Sandra Fluke e organizações de crítica de mídia iniciaram uma campanha junto a anunciantes do programa de Limbaugh para incitá-los a deixar de patrociná-lo. Essas pessoas e entidades prometem boicotar os produtos de quem não as atender e conclamar outras a aderirem ao boicote.

Sete empresas aceitaram o pedido e anunciaram que não veiculam mais publicidade no programa de Limbaugh. Entre eles, o gigante de internet America On Line, as lojas Sears, a grande seguradora Allstate, a consultora fiscal Tax Resolution, a distribuidora de flores ProFlowers.

Sem competência

Certamente por causa dessa reação de seus patrocinadores, Limbaugh tomou uma decisão sem precedentes em sua biografia: postou um pedido de desculpas a Sandra Fluke em seu website e repetiu as desculpas no ar no início de um dos seus programas na semana passada.

Ele sabe que esse tipo de movimento pode ter resultados. Em 2007, seu colega radialista de extrema-direita Don Imus perdeu o seu show radiofônico em consequência de campanha similar depois de ter ofendido jogadoras de basquete de uma universidade.

Na década de 1950, a discriminação racial no transporte público dos EUA foi eliminada na prática porque milhões de pessoas passaram a boicotar as empresas de ônibus que obrigavam negros a se sentar no fundo do veículo, assim como centenas de restaurantes e bares que não admitiam a presença de negros entre seus clientes mudaram a prática de apartheid para não perder o negócio.

Na edição da Folha de S. Paulo de segunda-feira (5/3), o deputado José Mentor publicou um artigo em que dizia ter apresentado um projeto de lei para proibir a cobertura de lutas marciais mistas na TV. Diz ele: “Nosso objetivo é proibir o televisionamento de lutas agressivas e brutais que banalizam e propagandeiam a violência pela violência, sem qualquer outra mensagem, pela TV, que é uma concessão estatal” (ver “Proibir o MMA na televisão“). Diversos leitores da Folha manifestaram seu apoio à ideia de censura do deputado Mentor.

O deputado Mentor e seus apoiadores seguramente acreditam que os brasileiros em geral são competentes e ajuizados para escolher o presidente da República e todos os demais ocupantes de cargos públicos. Mas, se querem proibir que brasileiros assistam na TV a um tipo de programação que lhes desagrada, devem achar que seus compatriotas não tem competência para escolher o tipo de entretenimento ou informação que preferem.

Caminho fácil

O rádio também é concessão estatal nos EUA. Mas não há notícia de deputado que tenha apresentado projeto de lei para censurar programas como o de Limbaugh, que sem dúvida banalizam e propagandeiam a violência. Se algum o fizesse, seria muito provavelmente barrado na primeira comissão por flagrante inconstitucionalidade.

Organizar boicotes para tentar tirar do ar programas que lhes pareçam nocivos dá muito trabalho às pessoas que fazem esse esforço. Pedir censura ao Estado quando seus aparelhos estão nas mãos de aliados políticos é muito mais fácil. Talvez seja por isso que tantos preferem clamar por censura em vez de se organizar para convencer os outros de suas posições.

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[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]