Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O silêncio de jornalistas da ONU

Uma visita ao site da agência de notícias Irin, das Nações Unidas, leva a um rápido tour pelas misérias esquecidas do mundo: notícias sobre trabalho infantil no Zimbábue, perfis dos desempregados no Sri Lanka, histórias terríveis de assassinatos com motivação étnica no Sudão do Sul e na República Centro-Africana. Mas estão ausentes dessa cronologia de sofrimento global as notícias sobre a Síria, a crise humanitária mais sangrenta do mundo.

Em novembro, o escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês), que financia os trabalhos da Irin, silenciosamente colocou uma mordaça na agência de notícias. Sua rede de jornalistas recebeu ordem para suspender qualquer relatório sobre a crise na Síria, que desalojou milhões de pessoas e causou a morte de mais de 100 mil, de acordo com fontes das Nações Unidas.

Nunca foi feito um anúncio público explicando por que a crise síria, a maior calamidade humanitária em duas décadas, é agora zona proibida para os jornalistas. Indagada sobre esse blecaute de notícias, a porta-voz do Ocha, Amanda Pitt, indicou em e-mail que a própria agência decidiu parar de cobrir a guerra da Síria. “Espero que, como a crise síria é tão vigorosamente coberta pela mídia tradicional, a Irin possa concentrar-se novamente no seu trabalho fundamental que é informar sobre crises mundiais negligenciadas ou mal cobertas.”

Outros funcionários da ONU contestaram essa explicação, afirmando que o Ocha bloqueou a Irin em razão de preocupações de que seus relatórios possam complicar negociações diplomáticas delicadas sobre o acesso a sírios em necessidade e também porque sua cobertura com frequência ressalta as deficiências nos esforços de ajuda humanitária das Nações Unidas na Síria, onde mais de 2,5 milhões de pessoas têm recebido pouco ou nenhuma assistência. Nos meses anteriores à decisão de parar com a cobertura, a agência de ajuda humanitária da ONU bloqueou a publicação de diversos artigos, incluindo um intitulado: “Operação de ajuda na Síria: Problemática, sim. Mas fracasso? Nem tanto”.

“À medida que entramos num novo ano, achamos que deveríamos reportar mais ocorrências que nunca foram divulgadas em 2012 (mesmo antes da mordaça no caso da Síria)”, afirmou um funcionário da ONU num e-mail com uma lista de títulos de artigos censurados.

Funcionários públicos ou jornalistas independentes?

As Nações Unidas há meses estão envolvidas numa série de negociações diplomáticas delicadas destinadas a solucionar o conflito e garantir mais acesso de funcionários estrangeiros. Segundo alguns diplomatas, os informes da Irin foram restringidos para evitar a possibilidade de algum artigo “inoportuno” ofender uma das partes.

Os interesses da livre reportagem podem entrar em choque com os esforços das Nações Unidas para seguir no caminho diplomático. Amanhã, por exemplo, a ONU patrocinará, junto com EUA e Rússia, uma importante reunião diplomática na Suíça cujo objetivo é incitar as partes em conflito na Síria a discutir uma transição diplomática.

Mas os desafios à independência editorial da agência vão além da Síria. Autoridades do alto escalão das Nações Unidas têm censurado notícias envolvendo assuntos “delicados” sobre Sri Lanka, Turquia e Iraque. Uma matéria sobre o legado do atentado a bomba em 2003 contra instalações das Nações Unidas em Bagdá, que matou 22 pessoas, foi simplesmente proibida.

Desde o fim da Guerra Fria, as Nações Unidas têm promovido o jornalismo em todo o mundo, financiando o trabalho de jornalistas e estabelecendo agências de rádio e TV noticiosas em zonas de conflito. As medidas reprimindo a atividade da Irin trazem à luz um dilema mais amplo quanto ao papel dos jornalistas financiados pela ONU: são basicamente funcionários públicos, cuja atribuição é promover as Nações Unidas ou são jornalistas independentes com liberdade para contrariar as prioridades das Nações Unidas e aquelas do governo apoiado pela organização?

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Colum Lynch é colunista da Foreing Policy