Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crítica do JB revela descaso à vida humana

O editorial do Jornal do Brasil de segunda-feira (14/08), condenando a Globo por ter cedido às exigências do PCC no caso do seqüestro do repórter Guilherme Portanova, pode ser considerado uma das peças jornalísticas mais fora de propósito que se tem notícia nos últimos tempos na imprensa brasileira. Desta vez, ao contrário do que fez no caso Tim Lopes, a direção da emissora agiu com espírito de equipe, ouvindo inclusive a opinião de entidades no exterior. Teve como norte a preservação da vida de um profissional. Não queria correr riscos, no que merece aplausos.


O JB mostrou descaso e isto serve inclusive de alerta aos seus funcionários. Amanhã, se acontecer uma ação dos delinqüentes contra algum jornalista do JB, o atingido correrá risco de vida porque a direção do jornal não ‘negocia com bandidos’. E não se trata de negociar ou não com bandidos. O principal nesses casos é preservar a vida de um ser humano – no caso, o repórter.


Pode-se, grosso modo, fazer uma comparação em termos de procedimentos de governos de países que enfrentam resistências. Não ceder, seja a delinqüentes ou resistentes a tropas de ocupação, é, geralmente, a decisão de governos linha-dura, que preferem mais a morte que a vida de seres humanos ameaçados. George W. Bush e a elite israelense preferem não ceder, colocando em risco vidas de inocentes, até mesmo crianças, como vem ocorrendo nas últimas semanas em Gaza e no Líbano. Os responsáveis pelos ataques agiram como criminosos de guerra ao bombardearem áreas civis.


A atitude do Jornal do Brasil que está sob a tutela de Nelson Tanure merece o repúdio de todos os jornalistas brasileiros. Quando do caso Tim Lopes, a TV Globo falhou. Se tivesse agido de outra forma, ou seja, não expondo o seu profissional a uma pauta de alto risco, o repórter assassinado na favela Cruzeiro estaria vivo fazendo matérias que gostaria de fazer. Na ocasião, tanto o JB como os órgãos de imprensa de um modo geral preferiram
apenas acompanhar uma única versão, a da Globo, sobre o caso Tim Lopes. Omitiram as vozes críticas.


A direção da TV Globo desta vez agiu bem, pois não queria correr qualquer risco. Podem imaginar o que aconteceria se a voz insensata do jornal de Tanure prevalecesse?


Questão principal


O episódio serve de reflexão para os dirigentes sindicais dos jornalistas. Nas negociações com o patronato, não se pode deixar de exigir que as empresas ofereçam o mínimo de segurança aos seus repórteres, sobretudo aos que cobrem a área de segurança pública, como no caso de Guilherme Portanova. Se deixarem de lado esta questão, quem pode garantir que o patronato não siga a nefasta sugestão do JB?


Outra reflexão remete ao acirramento da violência urbana. Está na hora de os órgãos de imprensa deixarem de lado o preconceito e a criminalização das áreas pobres das cidades. É preciso um exercício permanente, por exemplo, na hora de se divulgar prisões. Por que um jovem de classe média quando é preso com alguma droga é anunciado pelos jornalões como ‘dependente químico’, mas o jovem pobre é automaticamente colocado como ‘traficante’?


Exemplos do gênero acontecem diariamente. Basta ler as ocorrências policiais dos principais jornais brasileiros. Se os editores e repórteres não refletirem sobre estas questões, corre-se o risco de ampliar a clara divisão existente no país entre os cidadãos de alto poder aquisitivo e os ‘outros’. A mídia não pode aceitar esse jogo prejudicial à democracia.


Geraldo Alckmin, candidato à Presidência da República, perdeu a oportunidade de enfrentar uma questão em que ele próprio tem responsabilidade. Considerar a ação do PCC como ‘terrorismo político-eleitoral’ é realmente fugir da principal questão neste momento na área de segurança pública em São Paulo. Pergunta-se: o que fizeram os últimos governos paulistas em matéria de segurança dos cidadãos senão acirrar os preconceitos e a própria violência?


Com a palavra os isentos especialistas na matéria.

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Jornalista