Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Relações afetivas futuristas

“Vejo um futuro em que vamos gostar das pessoas independentemente do que elas sejam: robôs ou humanos.” (Paula Aguiar, Presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico)

As antevisões futurísticas acenadas pela robótica no tocante aos relacionamentos afetivos são de bagunçar por inteiro a capacidade de raciocínio de pessoas tidas como fleumáticas, que não se deixem perturbar por qualquer motivo. Equivalem a um tsunami psicológico. Reviram pelo avesso até padrões de comportamento rotulados (muitas vezes depreciativamente) como vanguardeiros. O cenário desenhado roça as franjas do inimaginável.

O que a jornalista Litza Mattos revela nas páginas de O Tempo, numa instigante reportagem sobre o sexo do futuro, reportando-se a novidades anunciadas por especialistas em sexualidade e em feiras tecnológicas realizadas recentemente no país e no exterior, é de queimar a mufa de qualquer vivente. Não são apenas novidades fantásticas que se possa com algum esforço imaginar. São novidades muito mais fantásticas do que qualquer um jamais conseguirá imaginar. Orgasmo produzido por controle remoto, transas de seres humanos com robôs, aparelhos para detectar “amor verdadeiro”. Por aí vai…

Guardiões dos costumes

Um autor citado, especialista em inteligência artificial, o inglês David Levy, prevê, por exemplo, que em cinco anos seres humanos farão sexo com robôs. E desse tipo de “relacionamento” derivará, em poucas décadas, a possibilidade de criação de laços amorosos densos entre os “parceiros”. Uma comédia cinematográfica intitulada Her, apresentada como um estudo sobre as complexas relações humanas em nosso mundo, elaboradas com base nesse surreal bombardeio tecnológico, é apontada como “amostra sugestiva” do que poderá acabar rolando no espantoso cenário futurista traçado. Os protagonistas da trama emaranham-se em inusitadas experiências. Ele, um cara de carne e osso. Ela, dotada de feição e silhueta femininas, não passa na verdade de um sistema operacional avançadíssimo de computador.

Assestando nossos olhares de perplexidade nessas extravagantes previsões da cibernética, cibernética essa cada dia mais presente no complicado jogo da vida, matutemos como poderiam vir a ser alguns lances do cotidiano dentro de tão psicodélico contexto. A situação dá vaza a que nos arrisquemos a formular a hipótese de um causo singular. Em seu frequentado espaço de fofocas, colunista bem informado anuncia, lamentando pacas, a separação definitiva de casal bastante festejado nas altas rodas mundanas. Divulga a causa da repentina ruptura, diga-se de passagem, recebida com manifestações de surpresa pelos amigos chegados, que se habituaram a ver no galante par solido exemplo de união estável. A adorável esposa foi flagrada em adultério numa cruel armadilha do destino. O pivô do affaire, o robô de nome Ernestino, era o encarregado dos serviços de copa e cozinha da suntuosa mansão do casal localizada em Macacos. O marido, desconfiado da presença de “mouros na costa” em seus cobiçados domínios conjugais, mandara espalhar, sigilosamente, câmeras pelos aposentos da casa. As indiscretas câmeras – daquela mesma linha sofisticada dos modelos empregados pelas agências de espionagem estadunidenses nas arapongagens eletrônicas executadas em “países amigos”, naturalmente com o nobre objetivo de “resguardar” os sagrados “valores democráticos” – captaram imagens da maior incandescência, para dizer o mínimo, envolvendo o ditoso par amoroso. Elas, as câmeras, surpreenderam até mesmo o “camareiro”, no afã de acelerar o processo de assédio à patroa rendida aos seus encantos, a preparar com utilização de elevadas doses de produtos afrodisíacos as refeições consumidas nas ausências do chefe da casa, um respeitado homem de negócios intensamente absorvido em atividades da Bovespa. O eficiente serviçal vangloriava-se de que a receita culinária, por ele classificada de “supimpa”, trancada a sete chaves, representava herança de seus “ancestrais eletrônicos”. Da composição da dita receita fazia parte uma erva medicinal rara do Cazaquistão mesclada com extrato de ovo de pata da Patagônia.

Por conta do ocorrido, de acordo ainda com o bem informado colunista, o marido bigodeado contratou os bons ofícios profissionais de renomada causídica na área de contendas familiares, a doutora Patrícia Rios. A ação objetivando à dissolução dos laços matrimoniais estaria correndo em rigoroso segredo de justiça.

O panorama descortinado nessas desconcertantes previsões futurísticas sobre sexo cria ensancha oportunosa ainda para se levantar uma indagação curiosa, noutro alucinante voo de imaginação. Qual poderia ser mesmo a reação dos zelosos guardiões dos costumes fundamentalistas do, Irã, Afeganistão, Arábia Saudita e doutros lugares diante dessa escalafobética história do “casal” pilhado no flagra? Será que condenariam o robô transgressor a apedrejamento público?

Mundo mais doido…

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Cesar Vanucci é jornalista