Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Parem de chorar, velhos jornalistas

Sei que muitos colegas jornalistas reagem contra o fim inexorável dos jornais e das revistas, como os conhecemos e, em especial, contra as demissões crescentes, chamadas em nossa gíria profissional de passaralhos – palavra cuja etimologia dispensa explicações mais detalhadas.

Tenho uma visão bem diferente da maioria dos colegas sobre o que podemos ou devemos fazer diante desse quadro. Acho que, antes de tudo, é preciso entender o que está realmente acontecendo em todo o mundo nessa área.

Por mais que eu ame o jornalismo impresso e me entristeça em fazer esta previsão, afirmo-lhes com todas as letras: o jornal de papel está morto. O que fazer? A meu ver: dar-lhe um enterro de luxo. E algo muito mais importante, que é saber claramente como será o futuro do novo jornalismo.

Não tenho nenhuma bola de cristal, mas acompanho a evolução da imprensa no mundo com bastante interesse e atenção, há mais de 45 anos. Lembro-me que, nos anos 1960, ficava admirado e feliz com uma estatística mundial que mostrava o Japão, a Suécia e o Reino Unido como os três países com maior índice de circulação de jornais no planeta: com mais de 500 exemplares por 1.000 habitantes. Naquela época, o Brasil não chegava a 55 por 1.000. Mas eu sonhava que, um dia, chegaríamos próximo dos povos que mais leriam jornais. Quebrei a cara.

Em 1969, recém-chegado ao Estadão, tive a oportunidade de visitar pela primeira vez o New York Times, ainda empolgado pelo depoimento de Saul Galvão, meu querido e saudoso colega, que acabava de retornar de um estágio naquele jornal americano, então um dos mais influentes e bem feitos do mundo. Voltei outras vezes ao Times, a última delas em 2001, poucos dias após o ataque terrorista contra as torres gêmeas do World Trade Center.

Testemunhei, então, da forma mais convincente e dramática, a diferença abissal entre a cobertura daquele evento dramático feita pela televisão, ao vivo, com audiência global de mais de dois bilhões de espectadores, em comparação com a cobertura feita pelo restante da mídia e, em especial, a dos jornais e revistas.

Nunca esquecerei, também, minha experiência pessoal, naquele 11 de setembro, em que permaneci quase 12 horas seguidas, hipnotizado, diante da tela de minha televisão e de meu computador. Ao final do dia, me convenci, definitivamente, de que o velho jornal de papel – que amamos tanto – começava a agonizar.

E é preciso lembrar também que, em 2001, a internet ainda não era o fenômeno avassalador de nossos dias. E que a comunicação móvel não cobria mais do que 15% da população mundial, contra os 90% de hoje. E que o mundo não dispunha de smartphones, nem de tablets, nem de banda larga.

Sonho próximo

Na minha última visita ao New York Times, lembro-me de ter visto redação do jornal, afixado num quadro de avisos, um gráfico que mostrava a queda contínua da circulação dos jornais em todo o mundo nos 20 anos anteriores. No alto do gráfico, o título sem rodeios, era quase um epitáfio: “O jornal impresso está morrendo”. No dia seguinte, alguém, mais otimista, adicionava ao gráfico outra frase, verdadeira, mas otimista, ainda válida em nossos dias: “O jornalismo, entretanto, está mais vivo do que nunca”.

Durante uma semana, em Nova York, naquele distante 2001, participei de dois debates sobre a morte do jornal impresso. De lá para cá, sem me considerar dono da verdade, tenho escrito e refletido muito sobre o fim do jornal impresso. Acho que ele, em pouco mais de cinco anos, estará reduzido a apenas um nicho, na melhor das hipóteses. Terá o mesmo destino das revistas especializadas.

As novas gerações – inclusive meus filhos e netos – não leem jornal. Ignoram-no como meio de informação. Por quê? Entre outras razões, porque têm outros meios ou veículos que lhes parecem muito mais atraentes.

Do ponto de vista estritamente prático, sabemos que o jornal não tem como competir com a velocidade de circulação das notícias nos novos meios eletrônicos, nem com o modelo industrial baseado na internet de alta velocidade, nos motores de busca que organizam milhões de gigabytes de dados e informações por segundo e os tornam disponíveis online, “anywhere, anytime” em qualquer dispositivo.

E lembrem-se: segundo a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), as vendas de tablets no país cresceram 164% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2012, totalizando 1,3 milhão de unidades comercializadas.

A colaboração é outro fator revolucionário que vale a pena destacar aqui, para reflexão de todos os meus colegas. Todos vocês conhecem a Wikipedia, enciclopédia digital colaborativa, escrita em mais de 200 idiomas. Nascida há pouco mais de 12 anos, ela acumula hoje, domingo, 9 de junho de 2013, mais de 4.240.000 artigos em sua versão em inglês; 1.590.000 em alemão; 1.390.000 em francês; 1.030.000 em italiano; 780.000 em português, além de outros idiomas.

A Wikipedia parece um milagre. Ouvi seu fundador, Jimmy Wales, em fevereiro passado, no evento mundial de segurança cibernética denominado RSA Conference, em São Francisco. Wales relembrou que a proposta inicial da Wikipedia era considerada quase utópica. Ele assim a resumiu, na palestra que fez naquele evento:

“Imagine a world in which every single person on the planet is given free access to the sum of all human knowledge.” (Imagine um mundo em que cada pessoa na face da Terra tenha acesso gratuito à totalidade do conhecimento humano.)

Esse sonho está quase sendo alcançado. Incluo-me, com alegria entre os milhares de colaboradores voluntários que dão sua contribuição à Wikipedia, em sua versão em português.

Sem volta

É provável que a maioria dos jornalistas deste grupo no Facebook saibam que a Wikipedia tem, em sua primeira página (home page), em cada idioma, uma pequena amostra do que pode ser um jornal eletrônico universal – com as principais notícias do planeta nos últimos sete dias. Não duvido que, em 5 ou 10 anos, teremos nesse espaço uma espécie de jornal mundial online, que poderá chamar-se Wikinews, em mais de 200 idiomas.

O sistema operacional Linux é outro exemplo maravilhoso de colaboração vitoriosa em todo o mundo. Tudo começou em 1991, quando Linus Torvald, jovem finlandês de apenas 19 anos, fez um apelo mundial pela internet, pedindo a colaboração gratuita de todos os desenvolvedores de software, com o propósito de criarem o Linux, um novo sistema operacional para computadores, aberto, livre e gratuito. Para surpresa dos céticos, Torvald obteve a colaboração de milhões de desenvolvedores em todo o mundo e o Linux foi adotado até pela gigante IBM. Em minha casa, meus computadores domésticos estão interligados em rede por um software Linux. Quer mais exemplos de colaboração vitoriosa? Ei-los: o YouTube, o GPS, diversas redes sociais, a começar deste Facebook.

Algumas pessoas, inclusive neste Facebook, teimam em achar que as empresas jornalísticas tradicionais atuam de forma perversa ao dispensar a maioria de seus jornalistas. É uma visão infantil do capitalismo e dos passaralhos que se multiplicam.

Grandes veículos impressos do passado desapareceram no mundo e no Brasil. Façamos um pequeno balanço do tem ocorrido nessa área. O Times britânico virou um tabloide sem nenhuma importância. O France Soir, que tinha a maior tiragem nos anos 1960 e 70, não existe mais. O Christian Science Monitor, nos EUA, sobrevive apenas com sua edição digital, sem grande expressão. A Newsweek, que, nos anos 1970 chegou a tirar 7 milhões de exemplares por semana e superar a revista Time americana, desapareceu em novembro de 2012.

Quem quiser ver um quadro da morte dos jornais e da ascensão da nova mídia eletrônica pode usar o link http://newspaperdeathwatch.com/e comprovar que a maior empresa de mídia no mundo hoje é o Google, com uma receita de US$ 37,9 bilhões.

O melhor exemplo do fim de um bom jornal impresso entre nós talvez seja o do Jornal do Brasil, que revolucionou o jornalismo brasileiro, há mais de 50 anos, num projeto de modernização gráfica e estilística comandado por Alberto Dines. Em São Paulo, perdemos na década passada um jornal de negócios de boa qualidade como a Gazeta Mercantil e, em novembro de 2012, o nosso saudoso Jornal da Tarde, outro exemplo de inovação entre os vespertinos brasileiros.

Que fazer diante desse cenário? Minha sugestão é de que o Brasil e o mundo devam buscar, acima de tudo, o novo modelo econômico que deverá viabilizar o jornalismo multimídia das próximas décadas. Como será esse novo jornalismo? Tudo indica que será a fusão crescente de todas as formas possíveis de jornalismo eletrônico e de multimídia, com conteúdo de voz, dados, textos, vídeo, imagens em SHD (super high definition), englobando e renovando novos e velhos formatos, como rádio, televisão, redes sociais, bancos de dados, coisas exóticas como o mundo da realidade virtual, de Second Life, da holografia e de assistentes virtuais inteligentes.

Insisto neste ponto: nosso maior desafio é buscar os novos modelos econômicos, mas sem esquecer a formação dos novos profissionais da comunicação do século 21, sua criatividade, bem como o empreendedorismo desses novos comunicadores. É surpreendente que a Universidade, a meu ver, ignore totalmente esse desafio. E, pior ainda, que a maioria dos jornalistas pareça querer voltar ao passado, como dos meus saudosos tempos em que o Estadão, nos anos 1970, transformado em trincheira de resistência à ditadura, tinha tiragens com mais de 300 páginas de anúncios classificados, pagava salários dignos e me mandava para o Exterior não apenas para fazer coberturas especiais na área de tecnologia, como para me “esconder” e me proteger da repressão.

Aqueles tempos nunca mais voltarão. Pensemos no futuro, colegas. E, por favor, não me xinguem. Sempre repito que minha pessoa não está em causa nem em discussão. Muito mais interessante é o debate sobre nos temas aqui levantados, que são, aliás, numerosos e intrigantes.

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Ethevaldo Siqueira é jornalista especializado em tecnologias digitais, editor do portal www.telequest.com.br e comentarista da Rádio CBN (seção Mundo Digital). Escreveu durante 45 anos para o jornal O Estado de S. Paulo, passando sucessivamente pelas posições de repórter, editor, repórter especial e colunista. Fundou em 1979 a RNT – Revista Nacional de Telecomunicações, publicação que dirigiu até 2001