Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Notas sobre comentários que fazem pensar

A leitura dos comentários ao meu artigo sobre a Transparência Brasil e Emerson Kapaz foi educativa (ver ‘O que faltou perguntar à Transparência Brasil‘). Valem algumas observações.

1. Os comentaristas deixaram de fazer o mínimo que se exige, e que era objeto da parte final do meu artiguete: ao menos tentar verificar se o que dizem faz algum sentido à luz do quê, concretamente, a entidade faz e de quais são as suas posições publicamente expressas.

Grande parte dos comentários atribui à Transparência Brasil ânimo antipetista e atucanado. Apenas observo que, embora não representados entre os que comentaram minhas maltraçadas na presente ocasião, não faltam também aqueles que consideram que a Transparência Brasil é uma entidade com compromissos lulo-petistas. Refiro o eventual leitor a uma busca na internet.

É verdade que a patrulha simpática ao petismo é muito mais numerosa do que a turma ultradireitista, mas esta última existe, e usa os mesmos pseudo-argumentos da primeira, só que com sinal trocado.

De forma que acho que estamos fazendo a coisa certa.

2. A respeito de imputações de tucano-alckmismo assacadas contra a Transparência Brasil, sugiro, por exemplo, consultar matérias publicadas na imprensa e as diversas notas inseridas em meu blog sobre a tucanidade (como Eduardo Azeredo, por exemplo) e em particular sobre o candidato Alckmin (já que não posso referir entrevistas a rádios e TVs, que não sei por onde andam). O link para os arquivos do mês de março (por exemplo) é http://crwa.zip.net/arch2006-03-01_2006-03-31.html. Naquele mesmo mês, publiquei artigo no Diário do Comércio de São Paulo (reproduzido no blog) em que se lê:

‘O sr. Alckmin vai ter um trabalho danado para comparar-se a Lula no território do combate à corrupção. […] diferentemente do que parece imaginar a maioria, um diagnóstico do desempenho do governo Lula no combate à corrupção não resultará na nota vermelhíssima do mensalão. Há também o que incluir na coluna dos ganhos. O sr. Alckmin chega à disputa sem muitas notas negativas. Não vieram a público, durante seu governo, escândalos com o grau de cabeludice do mensalão. Contudo, faltam-lhe também notas positivas, dado que se desconhecem iniciativas de seu governo no sentido de se realizar um combate estratégico à corrupção.’

3. Sobre o fato de a entidade ter mantido ‘polpudo’ convênio com a prefeitura de São Paulo, para desenvolver um programa de combate à corrupção nas subprefeituras, levantado por um dos comentaristas, esclareço que se tratou de convênio para o desenvolvimento de um programa de anticorrupção nas subprefeituras da capital paulista, no montante de 120 mil reais. Quando da sucessão no município, no começo do ano, o trabalho foi engavetado. Observo que o dinheiro do convênio não foi integralmente gasto. Devolvemos pouco mais de 30 mil reais à Prefeitura. Deve ter sido a primeira vez na história do Brasil que uma entidade devolve dinheiro de convênio ao poder público.

Esse assunto fornece o seguinte gancho: como outros, o leitor em questão imagina que, porque a Transparência Brasil trabalha com uma determinada administração, seguir-se-ia que haveria comprometimento político com o partido responsável por essa administração. Pois então saibam que a Transparência Brasil mantém uma parceria com a Controladoria-Geral da União para desenvolvimento de mapas de riscos de corrupção em órgãos públicos (montante: aproximadamente 190 mil reais – aliás, tudo isso é explicitado em nosso sítio da internet). O fato de existir essa parceria (houve outro convênio com a CGU, no ano passado, para organizar o IV Fórum Global de Combate à Corrupção) estimula a patrulha da direita histérica a nos acusar de lulo-petismo.

Talvez se conclua disso que seríamos exploradores alckmistas-udenistas nos dias pares e mensalo-petistas nos ímpares.

Uma falha

4. Quanto às menções à campanha ‘Não vote em mensaleiro’ (e curupiras etc. etc.), fica claro que para esse pessoal o bacana mesmo é reconduzir mensaleiros ao Congresso. Muito bem, parabéns.

De toda forma, para quem acredita que se trata de campanha antipetista, gostaria de sugerir visita ao projeto Excelências, que acabamos de lançar. Trata-se de um cadastro de todos os candidatos à reeleição à Câmara dos Deputados, além de ex-prefeitos de capitais, ex-ministros etc., com seus históricos. Há uma porção de informações sobre cada candidato, entre elas os processos a que respondem. É claro que mensaleiros, sanguessugas, gafanhotos e outros bichos estão lá, uma vez que foram indiciados criminalmente pelo Ministério Público. Mas não faltam tucanos e pefelistas carregando processos nas costas. Quem quiser votar neles que se arrisque.

5. Chego, por fim, ao único dos temas abordados pelos comentaristas que me fez pensar. Trata-se de como agir quando um integrante de seu Conselho passa a trabalhar como arrecadador de campanha eleitoral. Embora seja vedada a participação de políticos ativos (deputados, senadores, membros do Executivo) em seu Conselho, não há proibição quanto à permanência de pessoas envolvidas executivamente em campanhas eleitorais.

Pessoalmente, acredito que isso seja uma falha. Ignorava que Emerson Kapaz era arrecadador de recursos para o candidato tucano. Talvez integrantes do Conselho soubessem disso, talvez não. De toda forma, é evidente que o fato de não haver vedação não estimulou quem soubesse (a começar do próprio Kapaz) a levantar o assunto.

Como não havia regra, não aconteceu. Deveria ter acontecido, e a regra deveria existir.

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Diretor executivo da Transparência Brasil