Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Patrocínio coletivo turbina projetos sociais na internet

Há quatro anos, o crowdfunding – ou financiamento coletivo – chegou ao Brasil e se tornou uma forma ágil e eficiente de dar vida a projetos culturais. Diferentemente do que muitos céticos previam, o modelo continua em plena expansão, mas agora em novo viés: projetos sociais. Hoje, é possível apoiar desde uma ação da ONG Expedicionários da Saúde, que arrecadou R$ 34 mil para levar atendimento médico à população indígena do Parque do Xingu, até o escritório Teto, que já construiu 41 casas em comunidades cariocas.

– O crowdfunding está ultrapassando aquele momento inicial, de financiamento de projetos de artistas viabilizado por fãs, para ganhar um sentido mais comunitário, com pessoas se reunindo para alavancar projetos de impacto social – descreve o coordenador do Núcleo de Economia Criativa da ESPM Rio, Rodrigo Carvalho. – O modelo não está nem perto de se esgotar. Pelo contrário, a tendência é que ele atinja cada vez mais gente, com projetos mais ambiciosos.

Um indicativo desse potencial são os números grandiosos do mercado mundial da economia colaborativa. Apenas o Kickstarter, maior portal do gênero no globo, ultrapassou, em março, a marca de US$ 1 bilhão arrecadados de 5,7 milhões de pessoas que ajudaram 135 mil projetos. Enquanto isso, no Brasil, os sites Catarse, Benfeitoria e Juntos, que formam a maior parte do mercado, somam quase R$ 21 milhões para 1.388 ações.

– Os números mostram que estamos apenas no começo. Nos Estados Unidos, onde US$ 87 milhões já foram arrecadados para 48 mil projetos, algumas arrecadações são concluídas em poucas horas – diz o professor Fabio Gallo, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-EAESP).

No financiamento coletivo, os colaboradores sempre ganham uma recompensa, seja uma camiseta, um adesivo, uma bolsa ou apenas a satisfação de ver a ação concretizada. Firme nesse propósito, o maior portal do Brasil, o Catarse – que, sozinho, arrecadou R$ 18 milhões em quatro anos de atuação – não aceita projetos lançados por alguém em benefício próprio.

– Não aceitamos campanhas que buscam, por exemplo, financiar seu casamento, um iPhone novo ou a cirurgia da mãe – diz o fundador Felipe Caruso, em tom bem-humorado. – Apesar de acharmos essas causas válidas, temos essa regra: o projeto precisa promover um bem comum ou partir de uma ONG ou instituição de caridade que queira beneficiar indivíduos.

A ONG Soluções Urbanas, que há quatro anos reforma habitações degradadas no Morro Vital Brazil, em Niterói (RJ), usou pela primeira vez o financiamento coletivo para conseguir verba para a casa de Maria Alves da Conceição. A aposentada mobilizara fiéis da sua igreja a fim de juntar mil caixas de bebidas longa vida para a reforma, já que a ONG usa as embalagens como moeda de troca numa feira de materiais de construção. Mas, como os itens conseguidos não seriam suficientes, Mariana Esteves, presidente da Soluções Urbanas, teve a ideia de pedir R$ 40 mil no Catarse. Conseguiu R$ 42.498.

– Por conta da história pessoal, a capacidade de mobilização da Dona Maria era tão grande que pensei que um financiamento coletivo seria o método ideal – comenta Mariana, que, satisfeita, vai aplicar o modelo em outras ações da ONG. – Essa é uma estratégia interessante para atender famílias sem acesso a microcrédito ou obras de mutirão.

Casas, carroças, atendimento médico…

Presente em 19 países da América Latina, a ONG Teto, que também constrói casas em comunidades, chegou ao Rio no ano passado para atuar em Jardim Gramacho, Parque das Missões e Vila Beira-Mar. Já colocou de pé 41 casas para as famílias que perderam a fonte de sustento depois do fechamento do lixão de Duque de Caxias, sendo que as primeiras cinco delas só saíram da planta graças ao financiamento coletivo. Já o “Pimp My Carroça”, que promove reformas das carroças de catadores de materiais recicláveis, já teve quatro edições: duas em São Paulo, uma no Rio e outra em Curitiba. Para suprir a demanda de outras cidades, está sendo lançado, hoje, dentro do site Catarse, um canal que permite a pessoas em todo o país replicar a ação. Cada entusiasta que quiser fazer seu próprio “Pimp My Carroça” com um catador pode abrir um projeto de financiamento coletivo no canal e, assim, cobrir o custo de R$ 500 de um kit – com capa de chuva, camiseta com tecido refletivo, luvas e outros itens de segurança.

– Agora, poderemos democratizar o acesso dos catadores a condições básicas de trabalho, fora a melhoria na autoestima do profissional, que sai da posição de trabalhador marginalizado para se tornar alguém que recebe o apoio de dezenas de pessoas – analisa o idealizador do projeto, o grafiteiro Thiago Mundano, que discursará sobre seu trabalho na próxima edição do TED Global no Rio, em outubro.

As incursões dos grupos Expedicionários da Saúde e S.A.S. Brasil também são casos de sucesso no Catarse. Em abril, graças aos R$ 34 mil coletados, a equipe de voluntários levou atendimento cirúrgico à população indígena do Parque do Xingu, no Norte do Mato Grosso. Já o projeto organizado pelos participantes do Rally dos Sertões, que carrega médicos, dentistas, atividades culturais e oficinas por onde a competição passa, parte para sua segunda campanha, no ar durante o mês de agosto. Desta vez, os produtores pedem R$ 34 mil para a compra de um contêiner que servirá de consultório médico e odontológico e também como uma tela de cinema 3D.

Para Murilo Farah, fundador do site Benfeitoria, que já obteve mais de R$ 1,6 milhão para 161 ações de impacto social em três anos de plataforma, o modelo de negócios ainda esbarra em limitações.

– A maior barreira é o pouco acesso à web nas comunidades de baixa renda. Mesmo quando há internet, não há costume de compra on-line ou acesso a cartão de crédito. Isso impede que os próprios moradores financiem seus projetos e dependam das contribuições dadas pela classes média e alta. Enquanto esse tipo de financiamento não sair da bolha formada pelos jovens abastados, não vai alcançar todo o seu potencial.

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Marina Cohen, do Globo