Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A representação na mídia e a germinação de estereótipos

É comum, no dia alusivo à mulher, a programação televisiva ser liderada por mulheres e exaltar-se a relevância desse dia para o sexo feminino. Contudo, nos outros dias do ano, diuturnamente vemos que a representação social e simbólica da mídia no tocante à mulher não é tão benevolente assim.

Os periódicos ditos femininos, a publicidade e, especificamente, as revistas femininas, são reflexos de um cenário sociocultural arraigado no patriarcalismo, estrutura baseada na hierarquização do homem sobre a mulher. Ao homem designa-se a dominação, o mundo externo do trabalho, a racionalidade, e à mulher, reserva-se a domesticidade, a sentimentalidade, a maternidade e o mundo privado. Assim, os periódicos destinados ao público feminino usam textos e imagens que reproduzem a delimitação de espaço entre feminino e masculino e cristaliza um perfil de mulher cuidadora.

Apesar de todos os direitos angariados pelas mulheres no decorrer do tempo, o movimento principal continua a ser para dentro. Paradoxalmente, incentiva-se a profissionalização da mulher, abordam-se, por vezes, matérias sobre o ingresso dela no mercado de trabalho; mas, não se deixou em momento algum, de se acentuar o papel social da mulher como cuidadora do lar e da família.

Interessante notar que Bourdieu, em O poder Simbólico,descreve a representação social como a crença de que a sociedade se exprime simbolicamente em seus costumes e instituições através da linguagem, da arte, da religião, assim como por meio de regras familiares e relações políticas e econômicas. O que se percebe em relação à grande mídia, desta feita, é que ela trabalha com representações e em se tratando da mulher, seria a imagem simbólica da mulher atrelada ao estereótipo feminino tradicional, a mulher Amélia.

Evolução das revistas femininas

As temáticas predominantes nos veículos femininos são em torno do relacionamento homem-mulher, o que nos conduz a cristalizar o modelo de mulher ideal, como sendo aquele voltado para o sentimentalismo, para os assuntos do coração. É a constatação de que a relação com o sexo oposto é considerada pelas publicações femininas como o assunto mais relevante para as leitoras. Outros assuntos abordados e que ocupam espaço assíduo nas páginas das revistas são beleza – há o imperativo de que a mulher deve estar sempre bela para sentir-se feliz e aí elas precisam ser jovens e ter as medidas perfeitas, moda e casa. Não se percebe um enfoque com relação a temas que direcionem a uma reflexão mais profunda e presentes no nosso cotidiano: política, economia, ciência, cultura, entre outros. É como se no mundo cor de rosa, pensado pela mídia só habitassem preocupações como: Como estar bonita para o verão e com agarrar o seu homem; como fazer o prato preferido dele. Imperativos que tentam moldar nosso comportamento em função da coisa mais importante de nossas vidas- o homem.

O primeiro periódico feminino de que se tem notícia foi o Lady’s Mercury, surgido na Inglaterra, em 1693. O veículo trazia, em suas páginas, assuntos convencionais vinculados ao mundo doméstico como casa, moda, culinária e o recente consultório sentimental. No Brasil, somente no século 19, surgiu o primeiro periódico feminino, intitulado Espelho Diamantino, abordando temáticas como literatura, moda e culinária.

Nos anos 60, época marcada pelo rompimento de valores tradicionais vigentes na sociedade, pela revolução sexual e queda de tabus femininos, foi lançada revista Claudia, em 1961, da Editora Abril. A revista adicionou à fórmula convencional, a seção “A arte de ser mulher”, escrita pela jornalista e psicóloga Carmem da Silva. Esta desafiou o conservadorismo de seu tempo, propondo discussões tachadas de ousadas demais para a época. Carmem da Silva abordou assuntos como tédio no casamento, infidelidade masculina, intimidade com o namorado e nos anos 90, passou a tratar reportagens acerca de denúncias de exploração de trabalho infantil, mulheres vítimas de agressão e abuso sexual na infância.

A representação da mulher nas revistas femininas serve para reproduzir estereótipos associados à imagem feminina, evidenciando-se que a consolidação do padrão de uma nova mulher ainda não foi plenamente alcançado.

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Ana Karla Farias é jornalista