Saturday, 05 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Como eu votaria no referendo grego

O crescimento de tom das brigas e rancores dentro da Europa pode fazer observadores externos pensarem que é o resultado inevitável da amarga fase final de um confronto que opõe a Grécia e seus credores. Na realidade, os líderes europeus estão finalmente começando a revelar a verdadeira natureza da atual disputa da dívida e a resposta não é agradável: é muito mais sobre poder e democracia do que sobre dinheiro e economia.

É claro que o papel da economia por trás do programa que a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) impôs à Grécia há cinco anos tem sido horrível, resultando numa queda de 25% do Produto Nacional Bruto. Antes desta, não me ocorre depressão alguma que tenha sido tão deliberada e tenha tido consequências tão catastróficas: o índice de desemprego entre os jovens gregos, por exemplo, atualmente supera 60%.

É surpreendente que a troika se tenha recusado a aceitar qualquer tipo de responsabilidade por isto assim como reconhecer como foram equivocadassuas previsões e seus modelos. O mais surpreendente, no entanto, é que os líderes europeus nem sequer aprenderam. A troika continua exigindo que a Grécia consiga um superávit do orçamento primário (excluindo os juros de pagamentos) de 3,5% do Produto Nacional Bruto até 2018.

Economistas do mundo todo condenaram esse objetivo como uma punição, pois tentar obtê-lo resultará, inevitavelmente, numa recessão mais profunda. Na verdade, mesmo se a dívida da Grécia fosse reestruturada para além do que se possa imaginar, o país continuaria em depressão se os eleitores confiassem no objetivo da troika no inesperado referendo que se realizou no final de semana.

O fim da austeridade

Em termos de transformar um grande déficit primário num superávit, poucos países conseguiram chegar onde chegaram os gregos nos últimos cinco anos. E, embora o custo tenha sido extremamente alto em termos de sofrimento humano, as recentes propostas do governo grego foram bem longe no sentido de chegar às exigências dos credores.

Uma coisa deveria ser deixada clara: quase nada da imensa quantia de dinheiro emprestada à Grécia chegou realmente lá. Foi desviado para pagamento de credores do setor privado – inclusive bancos alemães e franceses. A Grécia recebeu apenas uma miséria, mas pagou um preço alto para preservar os sistemas bancários desses países. O FMI e os outros credores “oficiais” não precisam do dinheiro que está sendo exigido. De acordo com o roteiro de sempre, o dinheiro recebido seria muito provavelmente emprestado outra vez à Grécia.

Porém, volto a dizer, não se trata de dinheiro. Trata-se do uso de “prazos” para obrigar a Grécia a ajoelhar-se e aceitar o inaceitável – não só medidas de austeridade, como outras políticas recessivas e punitivas.

Mas por que a Europa faria isso? Por que estão os líderes da União Europeia resistindo ao referendo e recusando-se a aceitar por alguns dias o adiamento do próximo pagamento pela Grécia ao FMI, previsto para 30 de junho? A Europa não fala sempre em democracia?

Em janeiro, os cidadãos gregos votaram para eleger um governo comprometido a acabar com a austeridade. Se o governo se limitasse a preencher simplesmente suas promessas de campanha, já teria recusado a proposta. Mas queria dar aos gregos a oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, tão crítica para o futuro bem-estar do país.

A possibilidade de tomar o destino nas mãos

Essa preocupação com a legitimidade popular é incompatível com a política da Zona do Euro, que nunca foi um projeto democrático. A maioria dos governos que são seus membros não procurou a aprovação de seus povos para repassar sua soberania monetária para o Banco Central Europeu. Quando a Suécia o fez, os suecos recusaram. Eles compreenderam que o desemprego iria crescer se a política monetária do país fosse decidida por um banco central que tinha por único propósito a inflação (e também que a atenção dada à estabilidade financeira seria insuficiente). A economia iria sofrer, uma vez que o modelo econômico em que se apoia a Zona do Euro se baseou nas relações de poder que prejudicavam os trabalhadores.

E, efetivamente, o que estamos vendo agora, 16 anos depois que a Zone do Euro institucionalizou essa relações, é a antítese da democracia: muitos líderes europeus querem o fim do governo de esquerda de Alexis Tsipras. Afinal, é extremamente inconveniente ter na Grécia um governo que se opõe aos tipos de políticas que tanto fizeram para aumentar a desigualdade em tantos países avançados e que está tão comprometido em restringir o desenfreado poder da riqueza. Eles parecem acreditar que podem acabar derrubando o governo grego, intimidando-o a aceitar um acordo que viola seu mandato.

É difícil aconselhar os gregos sobre como votar em 5 de julho. Nenhuma das alternativas – aprovação ou rejeição dos termos da troika – será fácil e ambas implicam altos riscos. Votar “sim” significaria uma depressão sem fim. Talvez um país esgotado – que tivesse vendido todos os seus ativos e cujos brilhantes jovens tivessem emigrado – pudesse, finalmente, conseguir o esquecimento da dívida; talvez, conseguindo murchar para uma economia de renda média, a Grécia pudesse, enfim, ter condições de contar com a assistência do Banco Mundial. Tudo isto pode acontecer na próxima década, ou talvez na década seguinte.

Um voto “não”, pelo contrário, pelo menos deixaria aberta a possibilidade de que a Grécia, com sua sólida tradição democrática, conseguisse tomar o destino em suas mãos. Os gregos poderiam ter a oportunidade de modelar um futuro que, embora talvez não tão próspero quanto no passado, seja mais otimista que a indefensável tortura do presente.

Eu sei como votaria.

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Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel em Economia, é professor na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente, escrito com Bruce Greenwald, é Creating a Learning Society: A New Approach to Growth, Development, and Social Progress .