Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Sobre a necessidade de ser claro



Matéria assinada pelo jornalista e professor Laurindo Lalo Leal Filho (‘De Bonner para Homer’), publicada na edição com data de 5/12 da revista CartaCapital (leia aqui), provocou uma resposta de William Bonner, editor-chefe do Jornal Nacional.


Instado pelo jornalista Claudio Tognolli (de quem foi colega de turma na ECA-USP) a comentar o texto de Lalo, Bonner redigiu a manifestação reproduzida abaixo. Ao responder o pedido deste Observatório para que autorizasse a publicação do texto, Bonner comentou: ‘Sinto-me numa situação kafkiana. Meu discurso e minha atitude em defesa de nossa responsabilidade social viraram armas contra mim. Ou contra o que represento. Ou contra a empresa que dispõe de minha força de trabalho. Sei lá a que atribuir isso’. (L.E.)


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No dia 23 de novembro, recebemos, no JN, a visita de professores universitários. Eles assistiram a uma reunião matinal, em que se esboça uma previsão da edição daquele dia. E me ouviram fazer algumas considerações sobre nosso trabalho.


Em palestras que ministro a estudantes que nos visitam todas as semanas, faço o mesmo.


Nestas ocasiões, sempre abordo, por exemplo, a necessidade de sermos rigorosamente claros no que escrevemos para o público. Brasileiros de todos os níveis sociais, dos mais diferentes graus de escolaridade. E o didatismo que buscamos para o público de menor escolaridade não deve aborrecer os que estudaram mais. Neste desafio, como exemplo do que seria o público médio nessa gama imensa, às vezes cito o personagem Lineu, de A Grande Família. Às vezes, Homer, de Os Simpsons. Nos dois casos, refiro-me a pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho. No fim do dia, cansados, querem se informar sobre os fatos mais relevantes do dia de maneira clara e objetiva. Este é o Homer de que falo.


Mas o professor Laurindo tem uma visão diferente de Homer. Em vez do trabalhador (numa usina nuclear), o acadêmico o vê como um preguiçoso. Em vez do chefe de família, o professor Laurindo o vê como um comedor de biscoitos. Esta imagem não é a que tenho – não é a disponível, num texto bem-humorado, no site oficial da série Os Simpsons, que faz graça do personagem, mas registra que Homer é ‘um marido devotado e que, apesar de poucas fraquezas, ama a sua família e é capaz de tudo para provar isso, mesmo que isso signifique se fazer passar por tolo’.


Não sei para quantos professores e estudantes citei Homer, ou Lineu, como exemplo. Mas jamais tive informação de que alguém guardasse imagem tão preconceituosa, tão negativa do personagem do desenho.


Como profissional, como defensor da nossa imensa responsabilidade social, sinto-me profundamente envergonhado de me ver na obrigação de explicar isso. Como trabalhador, pai de família protetor, meio Lineu, meio Homer, reconheço humildemente meu fracasso no desafio de ser claro e objetivo para todos os meus interlocutores daquela manhã.

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Jornalista, editor-chefe do Jornal Nacional