Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalistas revelam filtro da Casa Branca às reportagens enviadas pelo ‘pool’

É comum a Casa Branca realizar pools de imprensa. O pool se difere de uma coletiva de imprensa por não necessariamente acomodar todos os jornalistas interessados na cobertura em questão, afinal a vida do presidente americano é alvo de grande interesse local e seria impossível oferecer credenciais a tanta gente. Assim, os poucos profissionais participantes escrevem suas reportagens ou gravam o evento e depois disponibilizam o material aos colegas, para que este então seja incorporado ao noticiário diário sobre o presidente americano.

A escolha dos repórteres participantes do pool é feita com base na alternância entre correspondentes da Casa Branca (os quais têm acesso preferencial aos eventos que envolvem o presidente Barack Obama) e outros jornalistas que fazem parte de uma espécie de delegação.

Embora o pool de imprensa da Casa Branca exista há décadas, revelou-se agora que o pool do governo Obama tem sido mais vigilante do que seus antecessores e que a Casa Branca tem desempenhado um papel invisível nos releases e reportagens liberados.

Alguns jornalistas que cobrem a Casa Branca divulgaram que os assessores de imprensa de Obama pedem – e geralmente conseguem – alterações nos textos produzidos pelo pool de imprensa antes que as reportagens sejam distribuídas a outros jornalistas.

Antes que uma reportagem do pool de imprensa seja despachada, os repórteres devem enviar seus arquivos para o departamento de imprensa da Casa Branca – e só então o material segue por e-mail a milhares de destinatários, como organizações jornalísticas, agências do governo federal e gabinetes de parlamentares.

Casos relatados

Quando Anita Kumar, da rede de jornais McClatchy, fez a cobertura para o pool de imprensa da participação de Obama no Tonight Show, no ano passado, ela escreveu um relato pormenorizado enquanto o programa era gravado. A Casa Branca opôs-se ao tamanho de seu arquivo, dizendo que violava um acordo feito com os produtores do programa, que limitava o tamanho do texto devido a questões de publicidade. Pediram então a Anita que cortasse a matéria. Ela cedeu a contragosto, mas mostrou-se preocupada com a exigência, a qual considerou uma forma de censura.

Todd Gillman, do Dallas Morning News, relatou outro episódio: em 2012, ao cobrir uma viagem presidencial à Califórnia, ele escreveu sobre o momento em que Obama surgiu no setor de imprensa do avião presidencial levando uma sobremesa com uma vela acesa para homenagear uma repórter veterana que estava fazendo sua última viagem com a equipe. Ao pedir à homenageada que apagasse a vela e fizesse um pedido, Obama brincou, dizendo a ela para pedir “algo que tivesse a ver com o número 270”. Este era o mínimo número de votos de que o presidente necessitava do colégio eleitoral para ser reeleito. Gillman foi proibido por um assessor de publicar aquela parte no relato; no entanto, apelou para o secretário de Imprensa, Jay Carney, e a matéria finalmente foi liberada (com atraso, no entanto: um dia após o deadline dos repórteres).

Em outra ocasião, em 2011, o próprio Carney se opôs a uma reportagem do pool de imprensa, a qual mencionava os exercícios físicos realizados pela primeira-dama Michelle Obama na academia do hotel em que ela estava hospedada durante uma viagem presidencial à Ásia. Carney justificou que a ginástica fazia parte do tempo pessoal da primeira-dama e, portanto, estava fora do limite dos repórteres. O autor do texto original, David Nakamura, do Washington Post, não concordou, mas cedeu a fim de garantir o envio de sua reportagem aos colegas.

Nessa mesma viagem, o então subsecretário de imprensa Josh Earnest vetou outra reportagem de Nakamura, a qual continha um comentário contrapondo um discurso de Obama elogioso à liberdade de imprensa à decisão do governo de limitar o acesso a fotos do presidente durante a viagem.

“Cobertura ampla e oportuna”

Embora os episódios de “censura” tenham envolvido questões aparentemente triviais, a Associação de Correspondentes da Casa Branca já começou a discutir maneiras de cessar a interferência. O problema é que a Associação não possui acesso direito ao mailing list que recebe o material – tudo é supervisionado diretamente pela equipe da Casa Branca. Além disso, vários membros da Associação de Correspondentes alegam que seria difícil para um grupo de repórteres do pool de imprensa – que sofre variações de tempos em tempos – escrever os despachos em prazos apertados e, ao mesmo tempo, distribuir seu trabalho a uma lista tão extensa.

Ao ser questionado sobre a posição da Casa Branca, Josh Earnest não quis comentar o assunto. No entanto, Eric Schultz, seu subsecretário, deu a seguinte declaração: “Nós valorizamos o papel do pool de imprensa independente, que fornece uma cobertura oportuna, ampla e importante do presidente e de suas atividades na Casa Branca e em todo o mundo. É por isso que, por solicitação da Associação dos Correspondentes, a Casa Branca distribuiu 20 mil reportagens do pool de imprensa durante os últimos seis anos e continuaremos a oferecer essa assistência aos jornalistas que trabalham cobrindo o cotidiano do presidente.”