Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Censura e ameaças na rotina dos jornalistas paquistaneses

O Paquistão ocupa o 158º lugar, entre 180 países, do Índice de Liberdade de Imprensa Mundial de 2014 da organização Repórteres Sem Fronteiras. Os grupos jornalísticos do país pertencem a famílias e todas as decisões são tomadas de forma unilateral – pouco importando se dizem respeito a marketing e finanças ou ao conteúdo editorial. A maioria dos diretores ou proprietários das organizações de mídia é de empresários, sem qualquer antecedente (ou interesse) em ética jornalística. Os proprietários e diretores de redação fazem questão de deixar claro para suas redações e equipes que qualquer proibição que venha deles não é negociável. Consequentemente, persistem sérias preocupações em relação à violência e intimidação contra membros da mídia.

Desde 1992, pelo menos 30 jornalistas foram assassinados no país e, na maioria dos casos, os assassinos continuam impunes. Diante de tais antecedentes, um grupo de especialistas em Paquistão e na imprensa paquistanesa reuniu-se em 2014, por iniciativa da Associação de Jornalistas da Comunidade Britânica e do Instituto de Estudos da Comunidade Britânica da Universidade de Londres, para discutir as ameaças enfrentadas pelos jornalistas locais. O grupo – formado pelo apresentador da BBC Owen Bennett Jones; a ex-alta comissária do Paquistão Wajid Shamsul Hasan; Kiran Hassan, do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais; o editor do serviço da BBC em idioma urdu, Aamer Ahmed Khan; Declan Walsh, chefe da sucursal do New York Times no Paquistão; e pelo renomado jornalista e escritor Babar Ayaz – tentava encontrar resposta para a questão: “Até que ponto é seguro ser jornalista no Paquistão?”

Segundo Aamer Ahmed Khan, a censura costumava ser simples no país. Alguns temas eram simplesmente proibidos. Atualmente, a situação é mais complicada e mais confusa. As ameaças aos jornalistas e à liberdade de imprensa tomam diferentes formas e partem de fontes distintas – desde o governo a extremistas como o Talibã, aos serviços secretos e aos poderosos donos da mídia. Babar Ayaz levantou uma questão semelhante ao arguir que os extremistas são a maior ameaça à mídia: o governo pode mandar prender uma pessoa, mas esses grupos extremistas matam em nome de suas crenças, disse ele. Segundo Declan Walsh, embora a Geo TV [principal emissora de televisão do país] e o ISI [principal serviço secreto] tenham lutado, durante muito tempo, a portas fechadas, o caso do jornalista Hamid Mir criou um “campo de batalha aberto” – o jornalista foi banido da emissora em que era âncora, foi vítima de um atentado em que foram disparados vários tiros contra ele e, posteriormente, expulso do país, em maio de 2013. A emissora vinculou o atentado aos serviços de segurança.

Wajid Shamsul Hasan, entretanto, argumentou que já houve algum progresso. Os jornalistas, assim como as ameaças que enfrentam, atualmente estão mais visíveis e conseguem mais atenção. Ela também destacou que, apesar de alguns fechamentos, as emissoras de TV do Paquistão ainda estão funcionando. Sobre o papel da regulação da mídia para melhorar a situação, Wajid Hasan deposita esperanças na Autoridade de Regulação da Mídia Eletrônica do Paquistão [Pembra]. Em artigo publicado no Financial Times, a Anistia Internacional diz que a mídia do Paquistão está “na linha de fogo”.

Na redação, a censura

Porém, diz a jornalista Neha Ansari em artigo para a Foreign Policy, há um problema ainda mais difícil de compreender no panorama da imprensa paquistanesa: a cumplicidade dos poderosos militares do Paquistão com os veículos da imprensa nacional. “Vivenciei isso em primeira mão, quando fazia a cobertura para o Express Tribune dos protestos liderados por Imran Khan e Tahrir ul Qadri. Na ocasião, os proprietários das empresas de mídia do país – como Ary News, o grupo Express Media e o Dunya News – receberam instruções da parte dos militares para apoiar os líderes ‘dissidentes’ e seus protestos e ocupações. Os militares utilizavam a mídia para dar mais força e poder ao movimento antigo verno, numa tentativa de diminuir o espaço do primeiro-ministro Nawaz Sharif”.

E a mídia obedeceu. No grupo Express Media, qualquer coisa que tivesse relação com Khan e Qadri ia, inevitavelmente, para manchete de primeira página e para o noticiário de 24 horas. “Vi pesquisas de apoio a Sharif sendo censuradas enquanto matérias sobre mau comportamento dos manifestantes, assim como qualquer indício de que o apoio a Khan e Qadri entre os manifestantes estivesse diminuindo, eram cortadas. Enquanto a BBC divulgava matérias dizendo que os manifestantes que apoiavam Qadri seriam supostamente pagos, e Dawn, o principal jornal paquistanês em língua inglesa – e principal concorrente do Express Tribune – publicava editoriais fortes sobre o papel dos militares na crise política, nós tínhamos que garantir que não fosse impresso nada que os desabonasse”, lembra Neha Ansari, que trabalhou como subeditora do Express Tribune em Karachi entre 2013 e 2014.

Diariamente, o editor de política nacional recebia telefonemas, tarde de noite, sobre como deveria ser a principal matéria do dia seguinte e qual o ângulo que o artigo deveria abordar. O editor e os subeditores ainda tentaram travar uma luta profissional: permitiram que escapassem algumas colunas contra os protestos; não levaram as restrições para publicar qualquer coisa contra Khan e Qadri para a versão online do jornal; e incentivaram os repórteres a centrarem a atenção nas coisas fortes do jornal, as reportagens investigativas e bem pesquisadas. “Porém, era difícil manter o alento da equipe com a interferência do diretor-presidente e sua pronta disposição de obedecer às instruções”, conta.