Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalistas chineses serão obrigados a passar por avaliação ideológica

Jornalistas chineses serão obrigados a passar por uma prova, no início de 2014, para manter seu registro profissional. O exame será baseado em um manual de 700 páginas repleto de diretivas determinando, entre outras coisas, que é proibida a veiculação de reportagens com “quaisquer comentários contra a linha do Partido [Comunista]” e que a relação entre o Partido e os meios de comunicação “é de líder e liderado".

Antes de passar pela avaliação, os jornalistas terão de enfrentar um mínimo de 18 horas de treinamento sobre temas como “Valores Marxistas em notícias” e “Socialismo com características chinesas”, bem como “Ética jornalística”. Os reprovados terão de repetir o exame e se submeter novamente ao treinamento. Não está claro o que acontecerá aos profissionais que se recusarem a realizar a prova.

Esta é a primeira vez que jornalistas chineses serão obrigados a passar por uma avaliação em massa. A Administração Geral da Imprensa e Publicações, órgão regulamentador-chave da imprensa local, declarou que o objetivo do teste e do programa de treinamento que o acompanha é “aumentar a qualidade geral dos jornalistas da China e incentivá-los a estabelecer o Socialismo como seu sistema básico de valores”. A agência de notícias Reuters chegou a questionar o órgão sobre o teste e a liberdade de imprensa no país, mas não recebeu qualquer resposta.

Teoricamente, todos os jornalistas chineses precisam de registro para trabalhar, embora muitos atuem na área sem o credenciamento. Segundo Zhan Jiang, professor de jornalismo na Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim, escândalos recentes na imprensa chinesa levantaram dúvidas sobre o profissionalismo do setor. “É difícil dizer se este teste serve realmente para melhorar as atitudes de jornalistas ou se é feito para controlá-los. Você não sabe o que [as autoridades] estão pensando”, disse.

Já os jornalistas têm poucas dúvidas sobre o objetivo do exame; para eles, trata-se de “mais um exemplo do controle cada vez maior do Partido Comunista sobre a mídia no regime do presidente Xi Jinping”. “Esse tipo de controle se propõe apenas a desgastar o profissional, está aí para fazer você sentir a inevitabilidade do controle político”, resumiu um repórter de um jornal da cidade de Cantão.

Controle enfraquecido

Tradicionalmente, a imprensa estatal chinesa tem sido uma ferramenta fundamental para a propaganda do Partido Comunista. No entanto, de acordo com acadêmicos, o controle governamental foi enfraquecido por reformas realizadas ao longo da última década, as quais têm permitido maior comercialização da mídia e o aumento – ainda que limitado – da independência editorial, tudo isto combinado à ascensão da internet e das mídias sociais.

Alguns repórteres e acadêmicos relacionam o início desta atitude mais dura do governo sobre a imprensa a uma greve de jornalistas realizada em janeiro e que durou vários dias. A paralisação, organizada pelos profissionais de um jornal avesso à censura, o Semanário do Sul, desencadeou-se depois que os censores impediram a publicação de um editorial de Ano Novo que implorava à China que respeitasse os direitos constitucionais. Xi havia assumido a liderança do Partido Comunista algumas semanas antes.

“O episódio foi um choque para a [esfera de] liderança de Xi Jinping”, ressalta Xiao Qiang, especialista em mídia chinesa da Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Eles são os donos destes jornais. Isso cria uma rebelião interna, pública, o que prejudicou bastante a imagem dos censores e do mecanismo de controle de mídia.”

A greve teve fim depois que autoridades locais da propaganda política prometeram abrandar a censura. De acordo com duas fontes, alguns repórteres sêniores abandonaram o jornal desde então. O Semanário do Sul não comenta o assunto.

Correspondentes na berlinda

A China também tem intensificado os esforços para controlar o trabalho das empresas de notícias estrangeiras. Depois de muito suspense, na quinta-feira (19/12) o Ministério das Relações Exteriores concedeu credenciamento a jornalistas da agência de notícias financeiras Bloomberg News e a alguns do New York Times, permitindo-lhes dar prosseguimento aos pedidos de visto.

“Nossa expectativa é que os jornalistas do New York Times que ainda estão à espera de suas credenciais as recebam em breve, e que todos os profissionais com documentação a ser liberada garantam seus vistos de residência na China em 2014”, declarou Peter Ford, presidente do Clube dos Correspondentes Estrangeiros da China.

As duas organizações estão há mais de um ano sem conseguir vistos para novos correspondentes depois da publicação de reportagens sobre a riqueza de parentes do ex-premiê Wen Jiabao e de Xi. No mês passado, o Times acusou a Bloomberg de praticar autocensura para evitar complicações com as autoridades chinesas, o que a agência nega.

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