Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Premiado jornalista Rafael Marques enfrenta julgamento em Angola

Homenageado com um prêmio internacional de liberdade de expressão, o jornalista angolano Rafael Marques de Morais enfrenta julgamento por acusar seu governo de corrupção e denunciar abusos de direitos humanos nas minas de diamantes do país.

Marques foi um dos vencedores da edição de 2015 do Prêmio de Liberdade de Expressão da organização Index on Censorship, que homenageia pessoas que se destacam na luta pela liberdade de expressão no jornalismo, nas artes, no ativismo e no ativismo digital. Na cerimônia em Londres, em 18/3, ele afirmou que é sua função denunciar tais abusos.

Em 2011, o jornalista abriu uma queixa-crime contra nove militares do alto escalão das Forças Armadas de Angola. Considerava que eles tinham responsabilidade moral em crimes contra a humanidade. Os militares e executivos de mineradoras locais tentaram processar Marques em Portugal, mas o Ministério Público português arquivou o caso, em 2013, alegando falta de evidências.

Agora, o jornalista investigativo enfrenta a justiça angolana, onde é acusado de difamação por sete generais do Exército e diretores de companhias de mineração por alegar que eles têm responsabilidade sobre assassinatos e práticas de tortura que ocorrem nas zonas de garimpo. Segundo Marques, os executivos e os militares eram coniventes com a violência e não faziam nada para acabar com o banho de sangue porque lucravam com o comércio de diamantes. Ele pode ser condenado a nove anos de prisão e receber uma multa equivalente a quase quatro milhões de reais.

100 assassinatos, 500 casos de tortura

O julgamento teve início em 24/3, mas foi adiado depois que a promotoria anunciou que ampliaria o número de acusações – o juiz dará um mês para que os advogados de defesa se preparem novamente. Além das nove acusações iniciais por difamação, agora Marques enfrenta outras 15 por conta de informações contidas no livro Diamantes de Sangue – Corrupção e Tortura em Angola, publicado em 2011. O livro detalha mais de cem assassinatos e centenas de episódios de tortura cometidos por guardas de empresas de segurança privadas e membros das Forças Armadas contra pequenos garimpeiros e moradores do município de Cuango, principal região de garimpo do país.

Na véspera do início do julgamento, a editora portuguesa Tinta da China disponibilizou gratuitamente a versão digital do livro. A editora Bárbara Bulhosa conta que, ao publicar Diamantes de Sangue, em 2011, queria “dar voz a quem ousa dizer a verdade em circunstâncias absolutamente adversas”. Tinha esperança de que a obra de Marques ajudasse a diminuir um pouco a violência enfrentada nas zonas de exploração de diamantes, mas surpreendeu-se ao ver que ela serviu, na verdade, para dar início a uma perseguição ao jornalista. “Enquanto responsável pela editora, a melhor forma que encontro para apoiar Rafael Marques na sua luta é disponibilizar o livro em formato digital, para que todos possam lê-lo e perceber o que está na base de um processo que pode vir a colocar o autor atrás das grades”, escreveu Bárbara.

Alvo das autoridades

Marques, de 43 anos, fundou e opera o site de jornalismo investigativo Maka Angola desde 2008. Ele trabalha da cozinha de sua casa, onde também escreveu Diamantes de Sangue. Em 1999, o jornalista passou 43 dias na prisão após chamar, em um artigo, o presidente angolano José Eduardo dos Santos de ditador.

Santos, de 73 anos, está no poder desde 1979. Após três décadas, a guerra civil no país chegou ao fim em 2002. Apesar da valiosa indústria de diamantes – Angola é o quarto maior produtor de diamantes do mundo em termos de valor –, a reputação do governo de ser conivente com casos de corrupção e violações dos direitos humanos atrapalha os investimentos estrangeiros.

A Federação Internacional pelos Direitos Humanos e a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) de Angola afirmaram, em declaração conjunta, que é pouco provável que Marques tenha um julgamento justo: “Rafael Marques é alvo das autoridades há anos. Seu julgamento é mais um exemplo da disposição do governo em impedir sua liberdade de expressão e prejudicar seu trabalho sobre os abusos dos direitos humanos cometidos na indústria extrativa”.