Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

E a Sociedade Civil?

O novo Conselho de Comunicação Social montado pelo senador José Sarney tem representantes de todos os interesses e corporações. Menos dos destinatários da mídia.

Oito anos depois de promulgada a Constituição de 88, a Presidência do Senado finalmente definiu a lista de nomes para compor o Conselho de Comunicação Social. Previsto no artigo 224 do Capítulo V, o Conselho dev e funcionar como um órgão auxiliar do Congresso. A demora, no entanto,deveu-se ao receio do empresariado da comunicação de que o Conselho viesse a ultrapassar a sua função consultiva convertendo-se num mecanismo r egulador, ferindo a doutrina de que a Imprensa não pode sofrer o menor constragimento, mesmo quando se trata de evitar os seus eventuais abusos.

O impasse foi resolvido após penosas negociações, sob a égide da Presidência do Senado, entre a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) e as várias entidades patronais (ANJ, ANER e ABERT, respec tivamente, dos jornais, revistas e emissoras de rádio e TV), compondo-se uma lista de nomes que atendesse aos interesses das partes.

O Conselho de Comunicação Social só nasceu graças a uma composição capaz de neutralizar qualquer ação mais afirmativa para alterar o statu quo. O presidente do Senado, José Sarney, tomou a si a tarefa de montar uma lista de agrado dos profissionais e empresários, o que foi facilitado a partir dos dois últimos anos, quando as duas corporações iniciaram uma série de entendimentos para buscar convergênc ias e evitar o escrutínio da opinião pública.

Uma destas aproximações foi a assinatura conjunta da Ata de Chapultepec, que, a pretexto de defender a liberdade de expressão no continente, liquida com o Direito de Resposta, conquista que desagrada tanto a jornalistas como aos em presários de comunicação, embora constitua uma defesa legítima da sociedade.

O senador Sarney, com a habilidade que o caracteriza, montou um Conselho de Comunicação protegido de eventuais hegemonias corporativas mas por ele controlado. O coordenador informal será seu conterrâneo, colaborador e funcion ário da Mesa do Senado Fernando César Mesquita.

Alem dos indicados pelas corporações ligadas à comunicação social (que goza de vários privilégios constitucionais) foram incluídas representações dos artistas e cineastas (que deveri am figurar em Conselhos de Cultura) e que nada têm a ver com o processo mediático e jornalístico.

O aspecto mais curioso da composição do Conselho foi o critério de indicar como representantes da sociedade civil o próprio Fernando César Mesquita, mais dois jornalistas de grande prestígio e altamente qualifi cados, um lider empresarial e a viúva do jornalista e ex-senador Pompeu de Souza (que foi um dos idealizadores do Conselho ao longo da Constituinte).

Nenhum educador, magistrado, sociólogo, cientista político, estudioso ou crítico da mídia. A sociedade civil, que sempre foi uma coletânea de siglas, agora converteu-se num convescote de figuras ilustres bem relacionad as com o presidente do Senado. A sociedade – destinatária do processo de comunicação social – mais uma vez fica de fora, sem voz e voto para manifestar seus interesses (que nem sempre coincidem e são expressos pela imprensa, como agora).

O senador Sarney é dono de um grupo jornalístico no Maranhão e foi um generoso distribuidor de canais de rádio e televisão para jornalistas amigos quando necessitou de votos para esticar o seu mandato presidencial. Ag ora assina uma coluna semanal num dos jornalões nacionais – o que configura nitidamente um conflito de interesses, já que, como representante do povo, não deveria ter outros interesses, ocupações e remuneração. E, como se não bastasse, seu advogado pessoal e amigo, Saulo Ramos, converteu-se – por força das conexões empresariais e financeiras – no mais assíduo freqüentador das colunas de opinião, sempre defendendo o s interesses daqueles que se recusam a devolver à sociedade o papel de zeladora e procuradora dos seus próprios direitos.

Como tantas vezes já aconteceu, o recém-nascido Conselho, longe de constituir um novo capítulo na vida instituicional brasileira, converte-se, senão num retrocesso, pelo menos no reforçador do vício primal do nosso Legislativo: esquecer os desígnios dos seus representados.