Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Manchete verdadeira, fatos antigos

Causou-me espécie a manchete de O Globo, do último domingo, dia 13, “Interpol caça no Rio 50 mafiosos italianos”. É velha.

Afirmo isso, sem medo de incorrer em temeridade ou trair a modéstia, porque torrei os seis últimos anos de minha existência profissional fazendo pesquisas em 47 países, junto do jornalista José Arbex Jr., sobre máfias e o Brasil. Lançamos em agosto do ano passado o livro “O Século do Crime” (Boitempo Editorial), agora em sua quarta edição, obra que teve a sorte de ser laureada por grifes glamourosas como o Caco Barcellos (prefácio) e o Emir Sader (orelha).

O livro traz um perfil das máfias do mundo conectadas com o Brasil – partindo de documentos classificados do Departamento de Estado norte-americano, por exemplo, e chegando a personagens locais, de todo o Brasil.

A manchete do Globo foi o documento-lead da obra, que obtive pessoalmente cobrindo, pela Folha de S. Paulo, a Segunda Conferência da ONU sobre Crime Organizado, em Nápoles, a partir de 14 de novembro de 1994. Documentos semelhantes o Arbex e eu obtivemos nas reuniões que se seguiram sobre o mesmo tema, no Cairo (maio de 1995) e em Tóquio (junho de 1995). Lembro que fui correspodente da Folha em Miami e o Arbex em Moscou e Nova York, passos iniciais de nossa investigação.

Por isso a manchete nos gerou um repuxão nada facultativo: dizia o jornal que se tratava de “documento exclusivo a que O Globo teve acesso”. Ora, TODO O PUBLICADO FOI POR NÓS REVELADO há um ano – o tal documeto do Globo já o havíamos exposto à luz pública, como, por exemplo, no programa do Jô Soares.

O decano jornalista norte-americano Walter Lipman sustentava que “a função da imprensa não é mostrar a verdade, mas jogar luz sobre os fatos”. A do Globo é verdadeira (na nossa opinião é o melhor jornal do país), mas os fatos dela são velhos.

Cláudio Júlio Tognolli – Repórter especial do Jornal da Tarde e rádio CBN.

Em tempo: O livro de Cláudio Tognolli ganhou o Prêmio Jabuti de reportagem de 97.



Editor-chefe do O Globo

Caro Cláudio Júlio Tognolli,

Em primeiro lugar, grato pelos elogios que faz ao Globo, é muito simpático de sua parte.

Sobre o seu artigo “Manchetes velhas, fatos verdadeiros”, tenho de
discordar. De fato, a máfia é um assunto bastante antigo, deve estar
sendo explorado desde o tempo que a organização surgiu. O Globo, no
entanto, não publica reportagens velhas. Não discuto o seu trabalho de
investigação a respeito do tema ao longo dos anos, mas posso lhe
assegurar que O Globo não se inspirou nele quando dedicou à máfia a sua manchete de domingo, 13 de Julho . Para a reportagem, foram ouvidos
delegados da Polícia Federal brasileira, policiais italianos e o senador
italiano Pino Arlacchi, diretor executivo do United Nations Drug Control
Program, órgão da Onu. Em seu artigo, você diz em caixa alta: “TODO O PUBLICADO FOI POR NÓS REVELADO HÁ UM ANO”. Estaria tudo publicado em seu livro, lançado em agosto do ano passado, há um ano, portanto. Veja que isso é impossível:

1) Em quatro anos, foram presos, 16 mafiosos. Sete deles, no entanto, de janeiro a junho deste ano. Esta informação, por óbvio, não pode estar no seu livro. E ela é a base de nosso lead. A relação dos sete presos:
Mario Baratta, Clemente Ferrara, Raffaele Errante, Giácomo Zanette, Domenico Verde, Michelle Vanacore e Marcello Lomonaco.

2) O Globo, ao contrário do que você afirma, jamais disse : “documento

exclusivo a que O Globo teve acesso”. Não dissemos isso em momento algum. Sequer dissemos que tivemos acesso a documentos, exclusivos ou não. O que está dito é que O Globo teve acesso ao nome de 11 mafiosos aqui procurados. Somente isso.

3) O Ministério de Assuntos Internos, da Itália, publica, anualmente, a lista com o nome dos 500 mafiosos mais procurados e a envia aos escritórios da Interpol no mundo. Qualquer jornalista com fontes no setor, aqui, lá, ou em qualquer parte do mundo, tem acesso a esse documento.

Enfim, caro Tognolli, por mais especialista que seja no tema ninguém é dono da máfia. Nossa matéria partiu de um mote novo, a prisão de sete mafiosos neste ano, e, como fazem todos os jornais, fez referências a episódios passados, entre eles a história da máfia desde a Idade Média.

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