Thursday, 10 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Milton Neves, a ética e o riso

MÍDIA ESPORTIVA

Milton Leite (*)

Tenho acompanhado essa questão envolvendo o Sr. Milton Neves. Primeiro, seu artigo, depois a resposta (grosseira, diga-se). Por isso, resolvi enviar uma cópia da mensagem [ver abaixo] que mandei ao Sr. Milton Neves, logo ap&oacutoacute;s ele ter publicado uma espécie de editorial no Agora São Paulo (que ele reproduz naquela resposta). Mandei minha opinião com o objetivo de ampliar o debate a respeito da ética no jornalismo esportivo.

Infelizmente ele não me respondeu, nem publicou, como fez com outras mensagens, inclusive a sua. Mas como eu era o apresentador do programa que provocou toda essa polêmica, ele resolveu me questionar judicialmente a respeito do meu comportamento. Diz a notificação que eu ri durante o programa, e quer saber se meu riso era concordância com José Trajano. Parece que o Sr. Milton Neves quer proibir o riso.

(*) Narrador e apresentador ESPN-Brasil <milton.leite@espn.com.br>

 

Milton Leite

Caro Milton. Segui sua sugestão. Li atentamente sua coluna do último domingo, no Agora. Mais do que isso: refleti, nos últimos dois dias. Tomo a liberdade de escrever. Liberdade baseada nos sete anos em que convivemos em duas empresas, a Rádio Jovem Pan e a TV Jovem Pan. Acho que você tem razão. Esse caso judicial deveria mesmo tornar-se um manual de redação. Mas não pelo prisma que você imagina e escreveu. Essa questão deveria colocar em debate a ética de alguém se dividir entre as funções de jornalista, garoto-propaganda e dono de agência de publicidade.

Quem recomenda a cerveja Schincariol? O jornalista? O garoto-propaganda? Ou o dono da agência, que vendeu aquele anúncio? Já ouvi no rádio você dizer que a Schincariol é a melhor cerveja. Mas há algum tempo, dois ou três anos, o mesmo personagem dizia que a melhor cerveja era a Brahma. Afinal, Milton, o jornalista recomendou duas cervejas diferentes como melhores? Ou o garoto-propaganda foi contratado por outra marca? Ou a agência perdeu uma conta e conquistou outra? Por favor, não argumente com inveja, patrulha ou essas coisas que você tem dito. Onde trabalho temos recusado propostas de publicidade que envolvam os profissionais jornalistas da casa. Onde trabalho, o editorial é absolutamente separado do comercial. Ninguém se arrepende disso ou lamenta perder dinheiro por não fazer comerciais.

Acredito ser mais clara a posição do Sr. J. Hawilla, que diz claramente que não é mais jornalista, e sim dono de uma agência de marketing esportivo. Ele pode ter até outras implicações mal-explicadas, mas foi ético ao perceber que as funções não poderiam ser misturadas, porque se confundem.

E deixo claro que estou escrevendo por minha livre iniciativa. Por conhecer bem os envolvidos nesta pinimba. Na minha opinião ter voltado as suas baterias contra "o jornalista carioca radicado em São Paulo" foi um grande erro. Trabalho com ele há sete anos. E ele é um dos profissionais mais corretos com quem já tive chance de trabalhar nos meus 23 anos de carreira.

Recentemente, tive uma oportunidade de trocar a ESPN-Brasil pela TV Record. Recusei uma proposta 40% superior ao meu salário atual porque confio no "jornalista carioca radicado em São Paulo" como nunca confiei em outro chefe antes. E porque tenho certeza de que não encontraria outro projeto tão profissional como o que tenho aqui.

Se você proporcionou oportunidade de emprego na Record para quase 40 profissionais, saiba que o projeto ESPN-Brasil, nascido do nada há sete anos, hoje emprega mais de 300 pessoas. E não tenho dúvida de que esse sucesso está diretamente ligado ao trabalho do "jornalista carioca radicado em São Paulo" e alguns outros diretores.

A diferença é que ele teve coragem de dizer no ar o que boa parte dos jornalistas que conheço diz informalmente: você não agiu eticamente nesta questão com o Ricardo Teixeira, na escolha do técnico da Seleção. Mesmo que seja discutível a legitimidade de um jornalista interferir num processo desses, por que você omitiu dos seus leitores, ouvintes e telespectadores essa informação? Por que isso só veio a público poucos meses antes da Copa, quando a visibilidade da Seleção é muito maior? Afinal, o episódio aconteceu há quase um ano.

Aí, meu caro, fica a dúvida, que o "jornalista carioca radicado em São Paulo" levou ao ar. Quem falou com Ricardo Teixeira? O jornalista? Se foi, por que não divulgou a informação? O garoto-propaganda? O dono da agência? Essa confusão é que coloca em dúvida as razões de ter participado do processo. A confusão, Milton, foi você quem estabeleceu. As suas atividades se confundem e confundem quem acompanha os seus programas ou a sua coluna. Eu era o apresentador do programa quando o comentário foi feito. E não houve nenhuma agressão. Houve um questionamento ético. E é sobre isso que os jornalistas, em especial os cronistas esportivos, devem refletir, debater e montar o seu manual de redação.

Não tenho procuração para defender ninguém. Nem preciso fazê-lo. Apenas atendo ao seu chamado pela reflexão. E acho justo compartilhar com você o meu pensamento.

Um grande abraço,

Milton Leite, jornalista da ESPN-Brasil

PS. Para incentivar o debate, gostaria que você divulgasse o meu pensamento, nos meios em que tem tanto espaço. Você tem razão: o debate se faz necessário.

Leia também