Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Raízes intelectuais da crise da imprensa

O número 31 da revista Estudos Avançados, da USP, publica entrevista com o sociólogo José de Souza Martins, feita pelo professor Alfredo Bosi, em que há boas pistas para se entender melhor a crise de qualidade da imprensa brasileira.

José de Souza Martins vai fazer 60 anos de idade. Foi aluno de Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Ao final de 50 páginas de uma entrevista que todo editor sério deveria ler, lamenta a situação atual das ciências sociais no Brasil.

Rememora que o grupo liderado por Florestan Fernandes preocupava-se criativamente "com as possibilidades de transformação do Brasil numa sociedade diferente, mais justa, mais democrática e mais rica, mas dentro dos marcos da ordem, entendida no sentido de que não era preciso criar uma convulsão social para conseguir atingir certas metas sociais e políticas".

A ditadura questionou tal orientação. As cassações feitas na universidade sob o império do AI-5 desmontaram equipes. Criou-se um vazio, "preenchido por uma outra mentalidade, não apenas por outros pesquisadores. A partir daquele momento, a sociologia da USP, com exceções óbvias, tendeu para o fragmentário, tendeu a fazer diagnósticos tópicos a respeito de problemas muito desencontrados entre si, e abriu mão da possibilidade de ter um diagnóstico de conjunto, característica da sociologia do professor Florestan Fernandes".

Se José de Souza Martins estivesse falando da imprensa, não poderia usar palavras mais adequadas. Na verdade, está falando. Porque a imprensa não faz pesquisas científicas e acadêmicas, apenas as "entrevista". Depende da produção universitária, ainda que, ao dar conta de uma parte da realidade, seja fonte usada por essas mesmas pesquisas.

Ruptura de um compromisso

O sociólogo diz que "a ruptura de 1968 é uma ruptura do compromisso do intelectual com relação à realidade em que ele vive, o que foi muito grave. Aliás, estamos vivendo as conseqüências disso agora. O governo precisa de respostas, a sociedade precisa de respostas, precisa de indicações de pistas de como atuar, e as ciências sociais não estão dando essas respostas, não estão dizendo absolutamente nada".

Martins afirma que não há ninguém na sociologia brasileira, sobretudo na sociologia de São Paulo, preocupado com o que Florestan Fernandes definia como problemas sociais: "a desagregação, a miséria, o desencontro, a dessocialização de imensos e problemáticos grupos sociais, a favelização do mundo urbano, a deterioração das condições de vida".

"Ninguém como grupo, como sujeito de trabalho acadêmico", especifica. "A maioria de nós está preocupada com outras coisas, não com essas questões, e elas são substantivas para a sociedade brasileira. Outras questões pendentes dizem respeito às condições da democracia no Brasil, ao que vem a ser essa democracia que está aí hoje. Quanto tempo ela pode durar? Em que condições ela vai ser expressão de uma ansiedade progressista da sociedade brasileira?"

Se, para mudar de rumo, a universidade dependesse de estímulos da imprensa – mediadora por excelência da representação na sociedade de massas -, melhor seria esperarmos sentados. E correríamos o risco de ficar como os bispos de Buñuel em L’Age d’or.