Saturday, 14 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1305

>>A notícia embaixo do entulho
>>Condicionando a história

A notícia embaixo do entulho

Os jornais desta quarta-feira (27/11) tentam se equilibrar entre duas linhas paralelas que vão se encontrar num ponto futuro: numa delas, compram a tese de que o caso do pagamento de propinas para aumentar preços de obras no metrô paulistano é apenas uma manobra política; na outra, dão credibilidade às suspeitas de que a máfia dos fiscais era na verdade um esquema sofisticado, envolvendo grandes empresas e operando desde pelo menos 2005.

As manchetes do Estado de S. Paulo e do Globo, ou seja, aquilo que os dois jornais consideram mais importante neste dia, são feitas com declarações de políticos do PSDB: eles afirmam que um documento apresentado no processo por formação de cartel em obras do metrô e do trem metropolitano de São Paulo foi forjado, com a inclusão de referência ao seu partido.

O assunto também é destaque na primeira página da Folha de S. Paulo.

Trata-se, como se diz por aí, de muito fermento para pouca massa – sob o critério da suposta objetividade que justifica moralmente a imprensa, uma declaração desse tipo mereceria pouco mais que uma nota de rodapé, diante dos outros acontecimentos do dia.

Trata-se de amontoar entulho declaratório sobre os fatos que insistem em emergir das investigações do Ministério Público – a despeito da ação de alguns procuradores interessados em engavetar parte dos autos.

Concretamente, se os jornais aplicassem aos casos do metrô paulistano e da máfia dos fiscais o mesmo critério adotado durante todo o escândalo que ficou conhecido como "mensalão", teriam que registrar que os dois esquemas ocorreram durante mandatos do tucano José Serra no governo do Estado e na prefeitura da capital.

Se, como parecem acreditar os jornais, as denúncias contra representantes do PSDB têm como motivação diminuir o impacto das prisões de líderes do PT na Ação Penal 470, o mesmo se pode dizer da apreensão de quase meia tonelada de cocaína num helicóptero pilotado por um assessor parlamentar da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, cujas relações a imprensa está pouco interessada em devassar.

Como se vê, se o jornalismo se limita a repetir declarações, a barulheira das manobras políticas vai encobrir os fatos, e a suposta objetividade da imprensa vai virar ficção.

Condicionando a história

Portanto, deve-se considerar que o noticiário não é objetivo porque não é do interesse dos jornais esclarecer os fatos, mas dar a eles uma versão mais condizente com os interesses da própria imprensa e de seus aliados.

Por exemplo, o que vale mais como notícia, uma declaração de suspeita sobre um dos milhares de documentos comprovando fraudes milionárias em obras públicas, ou as evidências de que o esquema vinha funcionando há uma década, portanto, com grandes possibilidades de envolver autoridades mais elevadas do que ex-diretores de estatais?

Até a semana passada, A Folha de S. Paulo se esforçava para direcionar o caso dos fiscais ao atual prefeito paulistano, Fernando Haddad, por conta da suspeita de ligações de um ex-secretário com os principais acusados.

Nesta quarta-feira, todos os jornais são obrigados a noticiar que o esquema existe há muito mais tempo.

Segundo o Globo, o esquema de corrupção não começou em 2010, como suspeitavam os promotores do Ministério Público, "mas em 2005, no início da gestão do ex-prefeito José Serra (PSDB)".

Estado de S. Paulo afirma que os promotores investigavam operações da quadrilha desde 2007, quando Gilberto Kassab (PSD) sucedeu José Serra na prefeitura paulistana, mas acabam de ampliar o período de apuração "para até o ano de 2005, na gestão José Serra".

Folha de S. Paulo informa que o esquema de cobrança de propina existe "pelo menos desde 2005".

O que se analisa aqui não é uma malversação das investigações, porque nas entrelinhas e em textos esparsos, qualquer pessoa mais atenta vai perceber que os dois escândalos têm procedimentos comuns e se cruzam em personagens bastante conhecidos da política nacional.

Daqui a dez anos, quando e se o caso chegar a julgamento, alguns desses personagens estarão mortos, aposentados, esquecidos ou alienados, e ninguém deve apostar um centavo na conclusão das investigações.

Interessante é observar como a imprensa tenta todos os dias condicionar o rumo da história entulhando sobre os fatos declarações criteriosamente selecionadas.