Falta informação sobre a Rússia
[Programa conduzido por Mauro Malin]
A professora Lenina Pomeranz, da Faculdade de Economia e Administração da USP –
aposentada mas ativa, aos 81 anos –, questiona a cobertura da crise ucraniana pelos jornais
brasileiros.
Lenina Pomeranz – A imprensa é muito focada ideologicamente. Inexistem fontes de
informação, na mídia [com visão crítica] – sempre resguardando o fato de que eu não leio
tudo, eu me restrinjo aos dois grandes jornais de São Paulo e a um clipping de jornais do
mundo inteiro em inglês, editado em Washington sobre o que acontece na Ucrânia, sobre
o que acontece na Rússia. Eu acho que a nossa imprensa não reproduz aquilo que precisava
reproduzir. Nenhum jornal russo foi mencionado, nenhuma vez. E inúmeros jornais russos têm
edições em inglês, ou traduzidas para o inglês, com todas as restrições às traduções que faz o
Google, mas você teria informações que permitem balancear os pontos de vista. Nós estamos,
não bem órfãos, mas aleijados quanto a informações mais amplas.
Mauro – Na sua percepção como leitora de todas essas fontes e com o conhecimento
acumulado de outros carnavais você concordaria com esse clima que às vezes se cria de que
estamos a um passo da hecatombe, o mundo vai acabar na Crimeia ou, sei lá, na fronteira da
Ucrânia com a Polônia?
Lenina – Esse clima foi de certa forma aventado no começo da bagunça. Hoje não é mais.
Depois que os Estados Unidos e a União Europeia fizeram as tais sanções reduzir-se a proibição
de vistos, sequestro de bens de algumas figuras do poder executivo e de assessoria do governo
russo, ninguém acredita que se vá para uma hecatombe. Acho que não há mais na imprensa,
de uns tempos para cá, depois que se falou do referendo, etc., a mínima perspectiva de
hecatombe, naquilo que eu leio.
Acho que o pessoal está mais sensato. Está vendo que não convém. Mesmo quando o Putin
deu aquela entrevista e teve gente que achou ele com cara de louco, porque estava com muita
raiva, não se aceita a tese de que vá haver hecatombe. O Putin está muito seguro de suas
posições. Mesmo porque ele não tem condição de fazer uma guerra…
Mauro – …Nenhum lado tem…
Lenina – … É levar o mundo para a destruição. A Rússia herdou um material que não foi
descartado durante os acordos com Gorbatchov, lá atrás, mas ela ainda investe no complexo
industrial-militar e tem um poderio militar e nuclear que não é para brincadeira.
Petrobras e outros escândalos
Cada governo da redemocratização tem um padrão de comportamento diante de escândalos.
Todos são marcados pela dissimulação. Na ditadura houve escândalos, alguns com custo social
terrível, mas não era preciso exatamente dissimular. Era só mandar todo mundo calar a boca.
A passagem de Dilma Rousseff pelo poder registra um padrão que parece consistir em botar a
culpa nos outros.
O mais grave de tudo isso são implicações de natureza ética. Em primeiro lugar, a persistência
de um padrão de dissimulação e mentira que se infiltra de cima para baixo na sociedade. Em
segundo lugar, o fato de que as forças políticas estão mais preocupadas em saber como usar
eleitoralmente os escândalos alheios do que em corrigir os rumos do país.
E a mídia jornalística participa alegremente desse teatro.