Friday, 20 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1306

>>Quem é o sujeito oculto?
>>Picotando o noticiário

Quem é o sujeito oculto?

Quando a ombudsman da Folha de S. Paulo alertou, no domingo (10/11), para a malícia presente na manchete do mesmo jornal, na sexta-feira anterior (08/11), ela estava se referindo a um caso específico, mas também abrindo a possibilidade de o leitor atento observar como a imprensa atua na manipulação da opinião do público.

"Prefeito sabia de tudo, diz fiscal preso, em gravação" – essa era a manchete criticada pela ombudsman, anotando que o prefeito de São Paulo chama-se Fernando Haddad e o personagem da notícia era o ex-prefeito Gilberto Kassab.

O fiscal em questão foi subsecretário da Receita do município durante a gestão de Kassab, e está envolvido em um esquema que pode ter desviado pelo menos R$ 500 milhões de reais.

A quantia pode ser ainda maior, se considerada a suspeita de que o grupo vinha atuando desde 2002, quando Marta Suplicy era a prefeita.

O título na primeira página do jornal paulista foi visto pela ombudsman como um erro, nascido da disposição dos editores de transcrever na íntegra a declaração do personagem.

"O jornal foi mais realista que o rei, numa cobertura bem delicada", diz a defensora dos leitores.

Acontece que sempre há um dia depois do outro, caso contrário não haveria jornais.

E a sequência dos dias induz o leitor e a leitora atentos a desconfiar de que houve mais malícia do que realismo naquela escolha da sexta-feira.

Na verdade, não apenas a Folha mas os outros jornais e o noticiário da televisão estão divulgando uma versão diferente daquela que se pode ouvir claramente nas conversas entre supostos membros da quadrilha.

Em telefonema gravado no 18 de setembro e incluído no inquérito, com autorização judicial, um dos envolvidos fala claramente, logo após o trecho que foi destacado pela manchete da Folha: "Chama o secretário e os prefeitos com quem trabalhei. Eles tinham ciência de tudo".

O teor da declaração pode ser conferido no arquivo do Jornal Nacional, da TV Globo, edição do dia 7 de novembro, quinta-feira passada (ver aqui), com a amplificação do áudio.

Na conversa com outra funcionária da Prefeitura, o auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues, acusado de chefiar a máfia da propina, se refere ao secretário e aos "prefeitos" com quem havia trabalhado, ou seja, insinua que o esquema começou antes do mandato de Gilberto Kassab.

Por que razão os jornais insistem em que ele se referiu apenas a um dos prefeitos com quem havia trabalhado?

E qual seria o interesse da Folha em envolver o atual prefeito, que está patrocinando a investigação?

Picotando o noticiário

Os personagens do esquema eram ligados à Secretaria de Finanças do Município, cujos chefes foram herdados por Kassab da gestão anterior, do ex-prefeito José Serra.

A rotina do grupo era abater impostos de grandes construtoras e quitar débitos com a Prefeitura, mediante pagamento de propina.

A prática minou a capacidade de investimento do Município.

Entre outras suspeitas, por exemplo, os jornais poderiam investigar o destino do processo envolvendo diretores da CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, que tinha reflexos nas finanças da capital paulista.

Por outro lado, a curiosidade jornalística deveria induzir os editores a buscar conexões entre esse escândalo e o caso de superfaturamento nas obras do metrô e do sistema de trens metropolitanos, porque a lógica dos crimes é a mesma.

Mas o interesse da Folha de S. Paulo não parece ser o de esclarecer os fatos de uma forma ampla.

Nesta terça-feira, por exemplo, a manchete do jornal outra vez ignora os indícios de que a quadrilha atuava ainda antes da posse de Gilberto Kassab e anuncia: "Fiscal suspeito foi da equipe de secretário de Haddad".

Se um dos acusados afirma ter documentos "desde 2002", e ameaça delatar todo o grupo, causando um megaprocesso, "igual ao da máfia italiana na década de 90", por que razão aFolha foge da grande história e  tenta a qualquer custo envolver o atual prefeito, que criou a Corregedoria do Município e resolveu quebrar a quadrilha?

A cobertura do Estado de S. Paulo limita o período de atuação da quadrilha aos dois mandatos de Kassab (2006-2012) e ainda se concentra nos conteúdos das gravações, o que produz um noticiário fragmentado e induz o leitor a imaginar que se trata de um caso eventual de corrupção.

Globo, que se baseia em informações do Ministério Público do Estado, oferece aos seus leitores um quadro mais amplo, com dados sobre os grandes valores desviados para contas no exterior e informando mais sobre a sofisticação do esquema.

Quem a Folha de S. Paulo estaria tentando proteger?

Parodiando a ombudsman do jornal, quem seria o "sujeito oculto"?