Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quando o jornalista quer se tornar justiceiro o jornalismo perde

Em tempos atuais, muito se fala do sensacionalismo barato que emissoras de TV fazem com casos de crimes em todo Brasil. Condutas de apresentadores e repórteres que parecem esquecer que são seres humanos e transformam-se em pessoas aparentemente sem sentimento, tendo apenas um objetivo: elevar a audiência de determinada emissora.

Brasil Urgente (TV Band) e Cidade Alerta (TV Record) são os exemplos mais famosos. Ao que parece, estes profissionais passam por um treinamento para prender a atenção do telespectador à base do “tiro, porrada e bomba”. Pergunto até que ponto mostrar prisões de criminosos, casos de estupro e esquartejamentos é pertinente ao brasileiro que liga a TV buscando sossegar após um dia estressante de trabalho. É bem verdade que há uma parcela da população que “gosta” de assistir a esse tipo de programação para ter aquela sensação de que sua vida não é tão ruim assim.

Entretanto, até que ponto o comportamento de um repórter e/ou apresentador de um programa policial é “válido” para a audiência subir?

Na quinta-feira (26/2), uma mulher de 27 anos foi presa em Cristais Paulista (SP) por agredir o seu filho de apenas cinco anos após ele ter defecado na cama. No dia seguinte, o menino teve morte cerebral (ver aqui). A TV Clube, afiliada da TV Band na região de Ribeirão Preto, nos deu um bom exemplo de antijornalismo. No sábado (28/2), o Jornal da Clube 2ª Edição mostrou uma matéria sobre o caso (ver aqui). O repórter conseguiu uma exclusiva com Jane Aparecida, mãe do garoto, enquanto ela era transferida de penitenciária. A mãe se dizia arrependida e confessou que exagerou no “castigo”. Após a entrevista, o repórter André Costa diz para a mulher: “A informação que nós temos é que ele não resistiu.” Abalada, Jane começa a chorar copiosamente.

O bom jornalismo está morrendo

Casos de sensacionalismo são “compreensíveis” em programas ao vivo. Uma briga clara para subir a audiência, como já foi dito. Mas neste caso, a matéria foi gravada, aprovada pelo editor e foi ao ar. O motivo, no caso, nem foi tanto a audiência, mas o furo. A Santa Casa de Franca só confirmou a morte no domingo.

O Código de Ética dos jornalistas brasileiros diz que o jornalista deve evitar a divulgação de informações de caráter mórbido e contrário aos valores humanos. E que deve tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar. Os jornalistas policiais gostam de se sentir justiceiros. Claro que, como mãe, Jane deveria saber da morte do filho, mesmo ela sendo a culpada por isso. Mas isso não deveria ser feito desta forma, em frente às câmeras. Infelizmente, o aviso à mãe soa como um “Viu só o que você fez?”, jogando a culpa na cara da pessoa e ignorando completamente princípios éticos não só do jornalismo, mas também do ser humano.

O espírito “fazer justiça com as próprias mãos” presente em profissionais que cobrem este tipo de caso é inadequado e fere a moral jornalística. É preciso saber separar essa justiça do que realmente é de interesse público. Esses lados não deviam se misturar, mas esta realidade é cada vez mais presente. É triste admitir, mas o bom jornalismo está morrendo.

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Jaiane Valentim é jornalista