Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um ponto final nessa história de racismo?

“Se até Morgan Freeman falou que não temos que falar nesse negócio de racismo, por que eu, universitário, vou falar disso? Isso irrita. Para vocês tudo é racismo. O que eu digo não é racismo, é só minha opinião.” (Tradicional discurso racista de universitários Brasil afora.)

A ofensiva racista cresce a passos largos, mesmo com todas as lutas pela garantia dos direitos humanos, sociais e contra o preconceito no Brasil e no Mundo. Enganam-se os que pensam que o lugar tido com tradicional de produção do saber, a universidade, está livre deste mal secular: visivelmente presente nos trotes, o racismo nas universidades ganha diferentes facetas para dificultar a sua denuncia e combate.

Este ano diversas declarações de universitários ganharam a primeira página de jornais impressos e muito debate nas redes sociais por confessado cunho racista. Foi assim no caso de uma aluna de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) que vinculou no seu Twitter, no último dia 31, a frase “Acabei de quase ser atropelada por um casal de negros. Depois vocês falam que é racismo, né, mas tinha que ser, né?”. Como se não achasse pouco a expressão “Tinha que ser, né?” afirmando seu racismo, a aluna da PUC-RS incrementou: “Eu não sou racista, aliás, eu não tenho preconceitos. Mas, cada vez que aprontam uma dessas comigo, nasce 1% de barreira contra pretos em mim.”

Em um jornal acadêmico da UFSC, texto de aluna de 1ª fase do curso de Direito que se dispõe a analisar o mercado imobiliário em Florianópolis diz: “Você tem direito a subir um morro bem alto, não pagar água, e às vezes nem luz, não pagará mais aluguel, e vai ter que conviver com os traficantes de drogas (diga-se de passagem, afrodescendentes) que são sustentados por muitos estudantes dessa bela universidade”; na UFMG um professor chamou um de seus estudantes (um jovem de 15 anos, negro) demacaco durante sermão por risadas na sala de aula; outro registro de destaque foi o caso do trote do curso de Direito, também na UFMG, que vinculou a foto de uma estudante amarrada com uma placa dizendo “Caloura Chica da Silva”, além de fotos de cunho nazista; e essas cenas retratam apenas uma parte do problema.

Uma via de mão dupla

Declarações preconceituosas, a maioria de cunho racista, por parte de estudantes universitários, e a polêmica em torno desses episódios são apenas a ponta do iceberg desenvolvido por toda contradição na formação histórica (social, política, cultural e econômica) de nossa sociedade e traz a tona à discussão sobre o papel social da universidade brasileira.

Em geral diz-se que o interesse da universidade, seja ela pública ou privada, é voltado ao desenvolvimento educacional como um motivador da construção da cidadania. Se essa premissa fosse posta em prática cumpriríamos o papel social dela: proporcionaríamos o bem estar social, a integração comunitária, a inclusão social. Entretanto nossas universidades vêm se cercando com grades, muros e portões, sem teorizar sobre a problemática das catracas – que cabe outro texto, e até polícia dentro do campus como formas de segurança. Ações essas que vem promovendo a segregação social e aumentando o racismo dentro e fora delas.

A maioria desses casos de racismo fica no escombro social, como registros velhos e insignificantes para os órgãos educacionais, outros tantos nem saem das bocas daquelas vítimas, muitas vezes coagida a ficar quieta. Os registros de agressão a estudantes negros não são tratados com a relevância que deveria, e quando acontece de casos como estes serem averiguados, as autoridades competentes individualizam e punem o agressor, mas não tratam o mal pela raiz. Essa parece ser uma via de mão dupla: se por um lado governo federal institui cotas raciais e sociais nas universidades a fim de reparar um erro histórico, por outro, o racismo institucional se mostra impregnado também nas universidades.

Métodos de combate ao preconceito

A questão identitária que se faz cada vez mais presente, seja na mídia, na criação de políticas públicas, e em itens de pesquisas, deve ser foco na educação (do ensino básico ao universitário) e componentes da história afro deve ser de caráter obrigatório. Combater o racismo perpassa não só pelo acesso a educação, mas pelo tipo de educação que se é ofertado.

Precisamos avançar nos métodos de combate ao preconceito, sobretudo nas universidades. Planos de ação contra a defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constituam propagação ou incentivo a xenofobia, racismo e violência, devem ser incluídos nas gestões das entidades estudantis; é papel de cada estudante, bem como dos centros acadêmicos e DCE’s realizar campanha nos campus contra discriminação e hostilização; buscar a implementação de ouvidoria do estudante para denúncia de crimes difamatórios; combater os trotes violentos. Lutar por políticas de ações afirmativas, assistência e permanência é fundamental para a garantia dos direitos estudantis e o combate dos preconceitos.

******

Hellen Cristhyan é estudante do curso de Economia na UFSC, milita no coletivo O Estopim! e é secretária-geral da União Catarinense dos Estudantes – UCE