Quinta-feira, 11 de dezembro de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1368

Indicação de Flávio é o capítulo final da novela “O substituto de Bolsonaro”?

(Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

Vou lembrar ao leitor e aos colegas repórteres uma afirmação que tenho feito sobre a carreira do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos. Tenho escrito que ele não é dono de uma inteligência superior e muito menos é um exímio articulador de estratégias políticas. Pelo contrário. Durante três décadas foi um integrante do baixo clero da Câmara dos Deputados, como são conhecidos os parlamentares sem projetos. Mas é um cara muito esperto e astuto na disputa política. E um mestre na arte do improviso. Tem a marca do perfil político de Bolsonaro a indicação do seu filho Flávio, 44 anos, senador pelo PL do Rio de Janeiro, para substituí-lo na corrida presidencial de 2026 contra o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 80 anos, que concorrerá à reeleição. Este é o final inesperado de uma novela que começou em junho de 2023, quando Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Imediatamente, uma fila de candidatos formou-se na porta do ex-presidente, disputando a sua indicação para substituí-lo. No último ano, um deles se consolidou como o preferido, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), 50 anos, ex-ministro e afilhado político de Bolsonaro.

No início do ano, em março, a candidatura do governador a substituto de Bolsonaro começou a ser implodida por outro filho do ex-presidente. Eduardo, 41 anos, deputado federal (PL) por São Paulo, acusou Tarcísio de negociar uma aliança com parlamentares do Centrão e grupos de empresários paulistas para usar eleitoralmente o prestígio político do seu pai, mas sem se comprometer com as bandeiras do bolsonarismo, principalmente a anistia geral e irrestrita para os condenados por tentativa de golpe de estado. No dia 25 de novembro, Bolsonaro começou a cumprir, numa cela da Polícia Federal, em Brasília, a pena de 27 anos que recebeu por ser um dos mentores de uma série de eventos que se iniciaram em novembro de 2022 e culminaram com a depredação, em 8 de janeiro de 2023, do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Além de Bolsonaro, 36 ex-ministros e funcionários do primeiro escalão do seu governo foram acusados de tentativa de golpe. O ex-presidente e outros sete já cumprem as suas penas. O restante ainda está sendo julgado. O início do cumprimento da sentença instalou na família de Bolsonaro uma luta pela escolha do seu substituto em 2026. Ele acabou com a briga indicando Flávio e exigindo obediência de todos. Aliás, a bem da verdade, a indicação do senador começou a ser costurada pelo ex-presidente em outubro, quando enviou Flávio aos Estados Unidos para se avistar com Eduardo, que se mudou para lá no início do ano com a missão de fazer lobby junto ao governo do presidente Donald Trump (republicano), 79 anos, para pressionar Lula a anistiar Bolsonaro e os demais envolvidos na trama golpista.

Nos Estados Unidos, Flávio e Eduardo conversaram sobre dois assuntos: a realidade da política brasileira e a relação entre Lula e Trump. Pelo que li e ouvi, é do conhecimento do ex-presidente, de Eduardo e de Flávio que é quase impossível vencer Lula em uma eleição sem fazer um acordo com o Centrão e os empresários paulistas. Mas eles apostam em duas coisas: atrair o interesse do eleitor revivendo o discurso radical que elegeu Bolsonaro em 2018. E que, caso percam as eleições, o movimento bolsonarista continuará sob o controle da família e, portanto, eles permanecerão no jogo. Lembro-me de uma frase muito repetida por Eduardo: “Nós ganhamos perdendo”. A indicação de Flávio derrubou a bolsa de valores na sexta-feira (a maior queda diária desde 2021) e fez disparar a cotação do dólar, o que, na opinião dos analistas, sinalizou a desaprovação dos mercados, que apostavam no governador paulista para derrotar Lula. É do jogo. Flávio ainda não esquentou o assento na posição de indicado para concorrer no lugar do pai e muitos observadores já apostam que ele não resistirá até o meio do ano. Chamo a atenção dos colegas para o seguinte. O objetivo principal da indicação do senador foi manter o controle no movimento bolsonarista com a família. Vamos partir do princípio de que Flávio vai ser cabeça de chapa. Se Tarcísio concorrer à reeleição em São Paulo, como vem dizendo, ele fará campanha para o senador? Tem que esperar para ver. Também é real a chance do governador concorrer a presidente em uma aliança com o Centrão e grupos de empresários paulistas. Se isso acontecer e o governador atacar Flávio durante a campanha, os bolsonaristas irão detoná-lo. Por quê? Ele se elegeu graças ao prestígio político do ex-presidente. Lembro que todos os aliados que se voltaram contra Bolsonaro nunca mais conseguiram se eleger síndico do prédio. Nos próximos dias devem começar a circular listas de possíveis nomes para vice de Flávio. Será que ele vai escolher um “bolsonarista raiz”? Nos quatro anos do mandato do ex-presidente nós jornalistas aprendemos que Bolsonaro é uma pessoa desconfiada por natureza. Logo, não vai escolher para vice alguém que possa fazer sombra ao filho. Como se dizia nos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações, vai ser uma disputa interessante.

Arrematando a nossa conversa. Essa será a primeira eleição depois que o ex-presidente da República, generais e outras pessoas foram julgados, condenados e estão cumprindo pena por terem atentado contra a democracia brasileira. Sou um velho repórter, 75 anos, 40 e tantos de redação e muitos quilômetros percorrendo as estradas em busca de histórias para contar. Lembro-me que quando comecei a trabalhar, em 1979, a imprensa era censurada pelos militares que haviam tomado o poder em 1964. Quando saíram, em 1985, deixaram uma bagunça administrativa e econômica que resultou na hiperinflação e um rastro de torturados, mortos e desaparecidos. Não me lembro de nenhum deles, ou de seus aliados civis, ter sido preso e julgado pelos seus crimes. Os responsáveis pelos atentados contra a democracia em 2022 e 2023 foram julgados, condenados e estão na cadeia. Uma situação que nem nos mais malucos papos entre jornalistas nos botecos nos anos 70 se podia imaginar que iria acontecer um dia. Mas aconteceu.

Publicado originalmente em “Histórias mal Contadas”

***

Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.