Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Faltou tudo. Principalmente uma imprensa crítica

Nação-criança, crente no papai-do-céu, no poder de preces, fitinhas ou mandingas. Quando a coisa começou a ficar preta, lá pelo terceiro gol, o speaker Galvão Bueno começou a repetir seu novo bordão: “Calma, gente, isso é esporte, isso é futebol.” Mas ao longo de sua vasta biografia o Narrador-Mor deste Reino descreveu os jogos do nosso scratch ou escrete como se fossem batalhas cruciais, pelejas pela salvação nacional.

A grande verdade – e isso comprova-se facilmente pela web – é que os especialistas da crônica esportiva foram excessivamente complacentes com a Comissão Técnica. Com Luiz Felipe Scolari especialmente. Engoliram sem qualquer esperneio, reclamação ou revolta a convocação dos 23 jogadores. Não perceberam a gritante ausência de um eventual substituto para Neymar e, o pior, acreditaram piamente que, numa emergência, alguns atacantes poderiam vestir sua camisa ou assumir sua função.

Nossa mídia com as estrelas que gosta de exibir e adora envolver-se aprovou os amistosos da seleção, entusiasmou-se com as vitórias de Pirro da primeira fase e, preocupada em não parecer derrotista ou antigoverno, deixou de reclamar na única esfera onde pode e deve influir: o desempenho esportivo.

No malfadado jogo com a Colômbia, a avaliação dos especialistas sobre a armação do time e a atuação dos jogadores foi muito favorável. Passou uma sensação enganosa. Novamente o maldito vamo que’vamo contagiou o país. Somente um comentarista foi rigoroso, evidentemente abafado pelo otimismo.

O medíocre desempenho de Neymar foi eclipsado pelo drama da fratura lombar e a pusilanimidade do árbitro. O aspecto sensacionalista que deveria ter ficado por conta dos repórteres que cobrem os eventos esportivos absorveu toda a atenção dos filósofos da bola nos dias seguintes. Foram deixados de lado os esquemas táticos e as arrumações para neutralizar a ausência do craque. O leitor quer emoções, então vamos enchê-lo de emoções. É evidente que o técnico não vai discutir táticas e escolha de titulares em público, mas cabe à imprensa fornecer aos leitores, ouvintes, telespectadores o material informativo com o qual formará juízos.

Outro passaporte

A nação-criança tem uma imprensa-criança que adora celebrar e não pensa no dever de casa. Os jornalões reinventaram as enquetes populares e enfeitaram suas páginas com retratinhos e palpitezinhos sem qualquer relevância. Nas rádios, antes dos jogos, obedecendo ao dogma da informalidade, os comentaristas divertiam-se fazendo apostas e bolões.

Fascinados com os gadgets e as novas tecnologias, os craques da escrita e do gogó imaginaram que as estatísticas sobre o passado são suficientes para prevenir surpresas futuras. A informática é incapaz de apontar zebras ou evitar calamidades. Inclusive “maracanazos” como o do Mineirão.

Qual o pior – o vexame de 1950 ou o de 2014? O oba-oba na véspera de 16 de julho de 1950 foi menos nocivo e deletério do que a complacência deste início de julho de 2014?

Não é suficiente emocionar-se com o hino nacional cantado à capela por cerca de 58 mil vozes. Mais eficaz seria lembrar-se na véspera do jogo com a Alemanha que o seu hino foi composto por Joseph Haydn (1732-1809), mestre de Mozart e Beethoven. Idade não é documento. Mas treinamento intensivo, tanto físico como psicológico e moral, podem fazer a diferença. A Costa Rica é a prova.

Não basta convocar uma psicóloga para limpar as lágrimas dos bebês-chorões que no jogo da estreia já se mostravam desfibrados.

Incontestável, inquestionável, indiscutível: Deus abdicou de ser brasileiro – não obstante as provas exteriores de religiosidade exibidas nas arenas. É possível que prefira o passaporte alemão, holandês ou (por que não?) argentino.

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