Enviei e-mail ao UOL criticando o destaque dado a uma notícia sobre depoimento de um convidado à CPI do Apagão Aéreo. Dizia a notícia que, segundo o depoente, houve um quase-acidente aéreo nos céus do Brasil em data recente. Minha reclamação era sobretudo relativa à elaboração da notícia e à sua relevância. A UOL não entrevistou pilotos nem passageiros desse quase-acidente, nem checou a afirmação do depoente. Simplesmente publicou as palavras do rapaz como se tivessem sido ditas por Deus. Recebi da UOL a seguinte resposta assinada pela jornalista Fabiana Futema:
‘Caro leitor,
A informação sobre um quase acidente aéreo numa CPI que investiga a crise do setor – deflagrada pelo acidente com o Boeing da Gol que provocou 154 mortes – é relevante sim. Interessa a todos que utilizam o transporte aéreo no país.’
É a cara do jornalismo brasileiro praticado pós-ditadura. A resposta tem alguns equívocos. Primeiro: a CPI não foi instalada por causa do acidente com o avião da Gol. A CPI é política e só serve à oposição, já preocupada com as próximas eleições municipais. A notícia não é relevante, em primeiro lugar porque ninguém sabe se é verdade. Depois, porque tal afirmação não foi checada como mandam a ética e a consciência crítica que todo jornalista deveria ter. E mais: o transporte aéreo transporta quantos? Parece-me que os ônibus, os paus-de-arara, as vans e quetais transportam mais de 70% daqueles brasileiros que se deslocam de um lugar para outro, como lhes é permitido pelo direito constitucional de ir e vir. O interesse e o bom uso da notícia seriam muito maiores se o transporte em discussão fosse o terrestre.
Manipulaçao da opinião pública
As televisões e alguns jornais costumam cometer erros absurdos que não são percebidos pelo público. Um deles refere-se ao noticiário pós-fim de semana esportivo. O Santos, líder do Paulistão, perdeu para o São Paulo – mancheteiam eles. Para que servem os cursos de jornalismo? Cadê a ordem direta, mais fácil de ser entendida pelo ser humano? Não seria mais lógico escrever: O São Paulo vence o Santos?
Pela lógica da UOL, o título seria: ‘O Santos quase vence o São Paulo’.
Falta ao jornalismo não a investigação como é feita hoje, mas a apuração correta dos fatos com a utilização das leis que protegem e regem a profissão. Investigação, quem deve fazer é a polícia. Ao jornalista cabe explicar o mundo, colocando à sociedade todos os lados da notícia para que esta sociedade polemize, discuta a tal notícia e, obviamente, forme uma opinião. Coisa que a imprensa brasileira não consegue fazer há tempos, pois se ainda formasse opinião o Alckmin teria sido eleito.
Mas o que tornou a imprensa tão robotizada, tão desumanizada? Terá sido uma conseqüência da ditadura? Da tecnologia da informação? Da concorrência entre os meios de comunicação? Da necessidade de rapidez na divulgação da notícia? Ou será que foi aquele livro do Marshall McLuhan que acabou servindo de parâmetro para patrões e governos aperfeiçoarem a manipulaçao ilícita da opinião pública?
As ‘velhas’ redações
Será que os repórteres de hoje não têm sentimentos e os editores não têm inteligência? Acho que hoje praticamos um quase-jornalismo. Falta focar o humano, que na prática é tudo na notícia. Então falta quase tudo para se praticar um bom jornalismo já que todos somos humanos, embora existam opiniões divergentes de habitantes dos zoológicos, que acham que alguns de nós estaríamos melhor daquele lado da cerca.
Às vezes penso que minha inteligência está ficando velha, não consegue acompanhar a chamada modernização da profissão. Assisti certa vez a um fato inesquecível. Um dos maiores jornalistas que conheci, Luiz Geraldo Mazza, trabalhava na sucursal da Folha de Londrina, em Curitiba. Eu também, e estava na redação no dia em que a Folha trocou a máquina de escrever pelo computador. Vi o Mazza conversar com o monitor, dizendo que se ele, o computador, mudasse de alguma forma o seu pensamento, ele, o jornalista, quebraria o monitor com um pontapé. Mazza mantém a dignidade profissional até hoje, sem nunca esquecer em suas linhas de relatar o aspecto humano da notícia.
Vi o jornalista Pompeu de Souza, em Brasília, arrancar os cabelos brancos, gritando ao telefone, defendendo com unhas, dentes e consciência crítica a matéria do seu repórter junto aos editores da Veja de São Paulo. Vi uma redação de 12 jornalistas unidos na busca de uma resposta para a dúvida de um colega – de graça, por amizade, por respeito à profissão, pela notícia, pela verdade. Vi uma redação inteira chorar à plena alma a prisão de um companheiro.
Vi o Toninho Drummond desesperado, nos corredores da Globo de Brasília, exigindo do repórter o outro lado da notícia ao mesmo tempo em que driblava com categoria os mandos e desmandos dos ditadores.
Manda quem pode…
Esse clima não existe mais, nem a ditadura, esta graças aos céus. Daí achar que a minha inteligência envelheceu. Não sou daqueles chatos que acham que o antes era melhor do que hoje. Apenas percebo que ou a minha sensibilidade às emoções era maior há 20, 30 anos, ou o ser humano encruou e se transformou num bicho sem alma.
Vi o início da formação das ‘panelinhas’ nas redações, a chegada dos executivos do jornalismo, daqueles que formam um círculo em volta de seus egos. Estranhei muito essa fase, essa mudança violenta na elaboração da notícia. Estava começando a personalização do autor, do jornalista responsável pela divulgação dos fatos. Estava começando a era de ouro dos profissionais que vendiam e hoje, mais do que nunca, vendem ao leitor/telespectador a informação segundo a visão deles próprios e sempre de acordo com os interesses dos patrões da mídia e/ou dos governos.
Resultado: quem não se transformou em bicho sem alma perdeu o lugar.
Eu tenho 58 anos de idade, minha mulher, 52. São mais de 30 anos de experiência cada um. Que não servem para nada, já que enfrentamos dificuldades enormes no mercado de trabalho. Mas antes não era assim. Olha eu de novo defendendo o antes. Mas é uma constatação, é um fato, é notícia: o mercado de trabalho não respeita os quase idosos. A impressão que fica é a de que só serve ao mercado quem obedece sem fazer perguntas, quem desconstrói a notícia. E aí vale aquele ditado nojento que se ouvia nos anos 1970 e ouço mais do que nunca até hoje: ‘Manda quem pode, obedece quem tem juízo’.
Propaganda e notícia
O jornalista é co-responsável pela História do seu país, pelo que seu neto vai aprender nos livros escolares? Quem escreve a História? Quem são essas cabeças? Será que Solano López era mesmo cruel? Por que a Guerra da Tríplice Aliança? Há divergências entre autores. Por que este assunto, como outros de interesse para a evolução humana, não é discutido? Qual a importância do jornalismo para a História? Acho que a nossa é uma quase-História.
Hoje, quando o jornalista ouve dizer que o hambúrguer do McDonald’s é de plástico, não se interessa pelo boato. Não apura, não corre atrás. Mas quando o Mac promove um dia de arrecadação para crianças doentes, aí é manchete, com textos ‘inteligentíssimos’, com perguntas do tipo: ‘O que você está sentindo?’. É de doer o coração. Tem mais: a aplicação do dinheiro daquele dia não é apurada.
Quem apura aplicação de dinheiro público? O governador diz: investimos 300 mil reais nesta obra. Que jornal publicou a discriminação orçamentária da dita obra? Nenhum. E nas raras vezes em que isso acontece, constatam-se desvios de dinheiro para os bolsos de políticos e empresários.
Na verdade, o jornalismo hoje está desorientado, confundindo marketing pessoal, publicidade e propaganda com notícia. Parece não existir critério por parte das redações, salvo algumas exceções.
Pauta para o papa
Vamos ao papa. Esse senhor foi a São Paulo e ninguém entrevistou o Gabriel García Márquez. Todas aquelas pessoas saberiam expressar sentimentos genuínos para explicar, a seu modo, a visita de sua santidade. Ninguém polemizou a visita, ninguém sequer deu uma pista da verdadeira intenção papal em terras cabralinas. Poucos mostraram o tonitruante ‘Não’ de Lula ao pedido do Ratzinger para a obrigatoriedade do ensino religioso católico nas escolas. Só isso daria um livro, quanto mais uma reportagem. A UOL diria: ‘Papa quase leva o Lula na conversa’.
Querem ver uma pauta para a visita do papa? Anotem, façam de conta que ele chega amanhã ao Brasil. Perguntas a serem feitas a intelectuais, pensadores, filósofos, escritores, jornalistas, sindicalistas, trabalhadores, religiosos, pesquisadores, historiadores de toda a América Latina, já que o chão é um só.
1.
A visita do Quase-Deus pode trazer que tipo de benefício à população, tendo em vista a pompa e o custo da vinda dele? Benefícios espirituais ou materiais?2.
Você o considera (Ele) o representante único e legítimo de Deus na Terra?3.
Supostamente, Ratinzger foi um dos responsáveis pelo escândalo do Banco do Vaticano. Ele teria condições morais de exigir honestidade e integridade por parte dos seres humanos comuns e mortais como ele?4.
Já que tem um banco, a igreja católica é uma empresa. Faz demonstrativo financeiro?5.
Por que os preceitos católicos são tão preconceituosos em relação a sexo, outras religiões, raças e a si próprios, já que não permitem que padres e madres façam sexo e muitos menos casem? Se fazer sexo é tão feio, por que é tão bom?6.
O que é pior: as dores da Inquisição ou a cobrança obrigatória de dinheiro por parte dos católicos e evangélicos? Um dói na carne, o outro no bolso. Os primeiros não vendem terrenos no céu, nem lugares privilegiados na Arca de Noé, que vai passar por aqui quando o planeta explodir de vez, mas prometem lugares junto a Deus se obedecerem as regras oficiais. Dá para levar a sério esse tipo de conversa?7.
Se eu quiser falar com Deus, tenho que entrar numa igreja, me confessar a um padre, ser agredido verbalmente por um pastor? Qual a verdade sobre o Evangelho de São Tomé? Por que o Vaticano se recusa a discuti-lo?8.
O sr. acha que o papa veio ao Brasil perguntar ao Lula: ‘Afinal, de que lado vocês estão?’ O sr. não acha que o papa é o mais legítimo representante do capitalismo norte-americano?9.
A igreja católica perde adeptos sem parar, principalmente por causa da bobageira de seus rituais e de seus preconceitos. Quais são os números dessa dispersão?10.
Padre tem salário, recebe FGTS? Ou a grana cai do céu?11.
Qual é o patrimônio da igreja católica e como é mantido?Incompetência profissional
Vejam bem, nós estamos no século 21, já evoluímos o suficiente para acreditar que existem outras maneiras mais inteligentes de falar e de sentir a religião. Religião é religação com Deus. Cada um de nós é um espírito, e as energias que formam o espírito são democráticas. Há uma hierarquia espiritual referente à densidade dessa energia, já comprovada pela ciência.
Não precisamos de regras para acreditar e obedecer a Deus, mesmo porque não precisamos obedecer a ninguém, já que somos uma parte de Deus, como todas as religiões ensinam. Precisamos apenas obedecer a nossos instintos. E para que esses instintos sejam bons instintos devemos pensar coisas positivas para atrair coisas positivas. O Diabo não existe, o que existe são mudanças que nos negamos a fazer. Ou nos negamos a acreditar que podem ser feitas. Aí, culpamos o Diabo. Fácil, não?
Temos de universalizar nossos pensamentos e sentimentos para que possamos praticar a caridade, tal como explica em suas obras Antonio Grimm. Caridade é auto-conhecimento, pois sem isto não podemos conhecer e muito menos amar o próximo. No entanto, católicos e evangélicos pecam no conceito, alardeando que caridade é esmola. Caridade é você, dono de boa auto-estima e bom conhecimento de si mesmo e da certeza da sua fé, convencer um mendigo dependente de álcool a entrar numa sala de Alcoólicos Anônimos e acompanhar e ajudar em sua evolução. Por que o jornalismo não levanta esta questão?
Por essas e por outras é que acredito firmemente que o jornalismo de hoje é mal praticado. O buraco do metrô de São Paulo é um dos melhores exemplos de nossa incompetência profissional. O lead teria de ser a falta de fiscalização da obra. Quem dispensou os fiscais, por quê? Teria sido o mesmo governo que conseguiu barrar 70 pedidos de instalação de CPIs na Assembléia Legislativa de São Paulo? É inquestionável o medo da investigação que o governo paulista teve ao barrar as comissões. E o vídeo do Serra com aqueles sanguessugas no Mato Grosso? E a verdade sobre a saída do Palocci? Cadê a apuração? Cadê o interesse? O Marcos Valério só trabalhava para o PT?
Os lucros da elite
O leitor/telespectador/consumidor aceita tudo que lhe vem aos sentidos porque não tem como reagir, não foi educado para isso. De todos os lados, recebe bombardeios de propaganda enganosa, de falsos ídolos, de menininhas bonitinhas que se transformam em prostitutas virtuais da noite para o dia, de cantores que não sabem emitir uma nota no tom certo mas que vendem milhões de CDs, de promessas políticas não-cumpridas e nunca cobradas. As pessoas aparecem de repente na TV, vomitam coisas que acreditamos ser verdade, levamos o papo deles a sério, contudo desconhecemos totalmente o caráter de tal pessoa porque o jornalista, ao escrever ou relatar a matéria, não disse coisa alguma sobre o ser humano que ali se apresenta.
Não fomos educados. Como diz Içami Tiba, quem ama educa. Mas para descobrir o que é amor é necessária uma orientação desde a infância por parte dos pais e professores. Esta ausência de amor foi competentemente ilustrada pelo diretor Sam Mendes no filme A beleza americana, ou A conseqüência do capitalismo desvairado. Os professores de hoje e de sempre ganham salários baixíssimos talvez porque o próprio sistema elitista exige que ganhem mal para trabalharem mal e não poderem ensinar aos alunos como se defender das teias deste sistema. O ensino público, que deveria ensinar essas coisas, foi sucateado. O professor também, logo ele, dono da profissão mais digna e bonita de todas elas.
Do jeito que estamos, é impossível ensinar. Imaginem quando um aluno despreparado no ensino fundamental e médio chega a uma faculdade de jornalismo, por exemplo. Sem base, forma-se mais pela prática, e nunca pelo conteúdo do conhecimento. Quantos jornalistas brasileiros sabem descrever o funcionamento das bolsas de valores, do mercado financeiro? Pouquíssimos, e isso porque ao sistema não interessa que os que estão nas janelas inferiores da pirâmide social interfiram e dividam os lucros com ele, o sistema, ou seja, a elite que detém mais de 80% do capital de giro do continente.
Marx, o humanista
Quantos jornalistas sabem explicar a mais-valia? Hein, hein? Fui pegar esta definição na internet:
‘A força vendida pelo operário ao patrão vai ser utilizada não durante 6 horas, mas durante 8, 10, 12 ou mais horas. A mais-valia é constituída pela diferença entre o preço pelo qual o empresário compra a força de trabalho (6 horas) e o preço pelo qual ele vende o resultado (10 horas, por exemplo). Desse modo, quanto menor o preço pago ao operário e quanto maior a duração da jornada de trabalho, tanto maior o lucro empresarial. No capitalismo moderno, com a redução progressiva da jornada de trabalho, o lucro empresarial seria sustentado através do que se denomina mais-valia relativa (em oposição à primeira forma, chamada mais-valia absoluta), que consiste em aumentar a produtividade do trabalho, através da racionalização e aperfeiçoamento tecnológico, mas ainda assim não deixa de ser o sistema semi-escravista, pois ‘o operário cada vez se empobrece mais quando produz mais riquezas’, o que faz com que ele ‘se torne uma mercadoria mais vil do que as mercadorias por ele criadas’. Assim, quanto mais o mundo das coisas aumenta de valor, mais o mundo dos homens se desvaloriza.’
Isto já tem dois séculos e raramente essas palavras são discutidas pelos meios de comunicação. E quando as são, vêm em forma de imposição. Discute-se hoje a questão da emenda 3, das empresas que terceirizam empregados. Não se discutem os direitos do empregados.
Marx disse: o homem é condenado a ser livre. Seria Marx um humanista? Por que a essência do seu pensamento humanista perturbou tanto as igrejas e o sistema capitalista? Ele propunha apenas a divisão do lucro com aquele que faz o produto. Não seria este um bom tema para ser discutido nas escolas e nas ruas, nos botecos, nos restaurantes, nas igrejas?
Nós seríamos gente muito mais digna se respeitássemos todas as frentes dos pensamentos. Mas, não. Evacuamos a maioria dos conhecimentos porque eles não interessam e prejudicam aqueles que dominam a cena.
Temos de abrir a lona deste circo e universalizar o conhecimento.
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Jornalista, Brasília, DF