PAÍS BASCO
Os profissionais de informação enfrentam, desde 1995, uma estratégia de intimidação sem precedentes na Europa: o grupo separatista ETA se dedica a desacreditar e em seguida a eliminar os que trabalham para veículos "traidores", afirma a enviada especial do Le Monde a Bilbao, Marie-Claude Decamps, em matéria publicada no diário francês em 11/3/02.
Dezenas de carros vistoriados, 30 guarda-costas de prontidão num grande hotel da capital basca. Qual era o evento? A visita de um chefe de Estado? Uma eleição importante? Não, apenas o lançamento de um livro sobre o País Basco escrito por um jornalista. Um exemplo simples do dia-a-dia da imprensa, obrigada a se proteger para se expressar numa região submetida ao terrorismo do ETA. Isto porque o ETA amordaça seus adversários e, sobretudo, os jornalistas, afirma a repórter do Monde. Três foram mortos desde a entrada em vigor da Constituição democrática, em 1978, 20 sobreviveram a atentados, 15 preferiram se exilar e uma centena está sob proteção. Só em 2000 foram 23 ataques a jornais, carros e casas de profissionais da mídia.
Como isso tudo começou? A explicação de Florencio Dominguez, dono da agência VascoPress, em Bilbao, e estudioso do ETA, é de um "realismo gelado", escreve Marie-Claude. Quando a cúpula da organização caiu em 1992 em Bidart, na França, os dirigentes que sobraram concluíram que o "inimigo" (o Estado espanhol) sofrera menos que o ETA. Daí a mudança de estratégia ? era necessário atingir diretamente os centros de decisão da sociedade, conta Dominguez.
Os alvos eram políticos ? foi assassinado o dirigente do Partido Popular [de centro-direita] Gregorio Ordonez e em 1995 fracassou o atentado contra o primeiro-ministro José Maria Aznar ?, mas também da imprensa, parte integrante do poder porque, se nos anos 70 raramente se engajava, agora passou a se envolver, informa o Monde. Em 1993, após o seqüestro do engenheiro Julio Iglesias, apresentadores de telejornais usaram na roupa a fita que simbolizava o apoio às vítimas.
Em 1995, o documento "Txinurriak" (formigas), da Koordinadora Abertzale Socialista (a executiva do ETA), convocava à luta armada contra a imprensa: "Em nome da liberdade de expressão e da democracia, eles geram [com seu trabalho] uma dor imensa completamente impune (…)", diz o texto. "Precisamos criar uma dinâmica de denúncia e pressão sobre os jornalistas." Dominguez interpreta: "Era necessário depreciar a imprensa para justificar os ataques que estavam por vir".
Outro documento faria a distinção entre a mídia "nacionalista", como o Gara, jornal da coalizão independentista Batasuna, o braço político do ETA, e os "cúmplices dos opressores do País Basco", como os veículos nacionais El País, El Mundo e TVE (Televisão Espanhola); ou ainda os jornais bascos "traidores", como El Correoou e El Diario Vasco.
Conhecemos a seqüência, diz Marie-Claude: denúncias, ameaças, cartas-bomba e atentados. O caso mais conhecido ocorreu em 7/5/2000: o assassinato do colunista de El Mundo José Luis Lopez de Lacalle. "É um processo lento e minucioso", conta um jornalista de TV que, ameaçado, deixou o País Basco no dia seguinte.
"Te isolam, te proíbem acesso a certas informações, te desqualificam pouco a pouco. Para eles, o jornalista ideal é o notário, que se contenta em registrar um atentado citando apenas o nome da vítima, sem qualquer detalhe humano, porque isso os incomoda. Recorrem aos dedos-duros, gente que, nas publicações radicais, te apontam com o dedo para te criticar. O público deles se acostuma a ver teu nome. Quando ocorre o atentado, dizem ?era de se esperar?."
"Dedurar" é uma constante. A organização radical juvenil Jarrai-Haika, dissolvida pelo juiz Baltazar Garzón [o mesmo que mandou prender em Londres e tentou julgar o ditador chileno Augusto Pinochet por crimes contra a humanidade], cobriu as principais cidades bascas de cartazes com nomes de 50 jornalistas denunciados como "servos do Estado espanhol". O diretor da revista radical Ardi Beltza, Pepe Rey, autor de um vídeo intitulado Jornalistas: o comércio da mentira, diz nele que os jornalistas "pegam suas ordens no Ministério do Interior, em Madri".
Por ter aparecido nesse vídeo, Aurora Intxausti, de El País, e seu marido Juan Palomo, correspondente da TV Antena3 na cidade basca de San Sebastian, escaparam da morte em novembro de 2000. Uma bomba escondida num vaso de flores só explodiu parcialmente à porta de sua casa, quando saíam para levar o bebê à creche. Gorka Landaburu, colaborador de Cambio16, teria menos sorte: ficou gravemente ferido na explosão de uma carta-bomba em 15/5/01.
Os repórteres de El País não são chamados às coletivas dos separatistas, o que obriga o jornal a buscar fontes intermediárias, que, solidárias, sempre socorrem o jornal ? coisa que o ETA não previa. Em San Sebastian, a solidariedade reúne os jornalistas, após cada atentado, perto de uma estátua simbólica.
Falar de imparcialidade em tal situação é difícil, diz a repórter do Le Monde. Um colunista se queixa: "Mesmo partidos democráticos, como o Nacionalista Basco e o Popular, do primeiro-ministro Aznar, criticam a imprensa e não percebem que ajudam o trabalho de desqualificação empreendido pelos terroristas".
O resultado, afirma Chelo Aparicio, do Canal Plus, "é que estamos cansados". Para ele, ir às coletivas dos que nunca condenam a violência virou rotina. "Vamos porque é nosso trabalho, mas nem se tem mais vontade de fazer perguntas", diz. "O jornalismo investigativo que fique para os outros, nós mal sobrevivemos. Mantivemos alguma dignidade e ética. Fazemos o que podemos, e não é pouco."
Principais atentados à mídia
28/1/1978 ? José Maria Portell, redator-chefe da Gaceta del Norte, é assassinado em Bilbao.
22/8/1980 ? O diretor do Diario de Navarra, José Javier Uranga, sobrevive a uma rajada de balas.
22/12/1997 ? Bomba explode em San Sebastian na casa da jornalista de El Mundo, Carmen Gurruchaga.
27/9/1999 ? Bomba é enviada à casa do correspondente de El País em Navarra.
21/3/2000 ? Bomba explode na casa dos pais de Pedro Briongos, redator-chefe do Correo, em San Sebastian.
27/3/ 2000 ? Em Sevilha, polícia desativa charutos-bomba enviados a Carlos Herrera, da Radio Nacional da Espanha.
25/4/2000 ? Livro-bomba é enviado a Jesus Maria Zuloaga, subdiretor do jornal La Razón, de Madri.
7/5/2000 ? O colaborador de El Mundo Jose Luis Lopez de Lacalle é assassinado em plena rua.
10/11/2000 ? Bomba explode na entrada do apartamento dos jornalistas Aurora Intxausti e Juan Paloma.
15/5/2001 ? Carta-bomba mutila Gorka Landaburu, de Cambio 16.
24/5/2001 ? O diretor financeiro de El Diario Vasco, Santiago Oleaga, é assassinado num estacionamento.
17/1/2002 ? Três embrulhos-bomba com 200 gramas de dinamite cada um são enviados aos diretores de El Correo, da Radio Nacional da Espanha e da TV Antena3.