Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S.PAULO

"A oscilação das NRs",
copyright Folha de S. Paulo, 15/7/01

"É frequente, entre os leitores, a queixa de que a seção Painel do Leitor, sempre à página A3, espaço nobre, vive ocupada por políticos, empresários e autoridades em geral.

Já foi sugerido, inclusive, que a Folha tenha duas seções: uma para os leitores ?comuns? -razão de ser da imprensa- exporem seus pontos de vista, outra para as eventuais contestações de pessoas diretamente envolvidas no noticiário. Tal desdobramento nunca foi adotado.

Há, porém, outro elemento ligado à seção -embora não somente a ela-, pouco lembrado mas nem por isso desimportante.

São as Notas da Redação, acopladas ao pé de algumas cartas como uma forma de o jornal se posicionar, quando acha necessário, com relação a elas.

O ?Manual da Redação? contém verbete específico a esse respeito. Ele afirma:

?Alguns textos que a Folha recebe e reproduz podem exigir um esclarecimento na forma de Nota da Redação. Caso um jornalista da Folha seja criticado ou contestado em texto publicado, ele pode, após consulta à Direção de Redação, responder. A resposta aparece sob o título Resposta do jornalista Fulano de Tal, na mesma formatação de Nota da Redação?.

As NRs (como são chamadas internamente) podem aparecer também ao pé de reportagens, sempre que o jornal considere necessário rebater de imediato algo que o texto contenha.

Acontece que nem sempre essas NRs refletem ao pé da letra o que o citado verbete prevê. Não raro se afastam demasiadamente daquilo que deveria ser um ?esclarecimento?.

Isso aconteceu, por exemplo, na edição da última quarta-feira, a propósito de uma (longa) carta assinada pelo presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira.

O missivista reclamava da reportagem ?O contrato ?muy amigo? da CBF?, de 8 de julho, segundo a qual a MB Consultoria, empresa de um amigo de Teixeira, ?tocou? a transação (já então praticamente concluída) entre a CBF e a AmBev, devendo receber pelo serviço uma comissão de US$ 8 milhões.

Algumas queixas, em resumo:

1) a partir de documentos reais, o texto fazia a ?ilação gravíssima? de que ?…os documentos reforçam a suspeita de que a MB atue como laranja, ajudando a desviar dinheiro para Teixeira?. Suspeita de quem?, pergunta Teixeira, entre outras interrogações. Se é apenas dos jornalistas, então dever-se-ia (nota do ombudsman: aproveito aqui para corrigir a ausência da mesóclise em uso que fiz na semana passada desse mesmo verbo, quando erradamente escrevi ?deveria-se…?) investigar primeiro, para depois publicar, ele argumenta;

2) seu espaço para o ?outro lado? foi mínimo em relação ao tamanho ocupado pelo conjunto da reportagem;

3) o repórter que o entrevistou (por meio de seu assessor de imprensa) não informou que publicaria a ?suspeita? de que ele (Teixeira) estaria a se beneficiar pessoalmente de recursos da AmBev, tirando-lhe, portanto, a chance de se defender.

Apesar de outras queixas (não relatadas aqui por economia de espaço) terem sido retrucadas devidamente em nota no Painel do Leitor pelos jornalistas que assinavam a reportagem, das que resumi aqui apenas a primeira recebeu resposta.

Também em resumo: as suspeitas, diz a resposta, são de senadores da CPI do Futebol, ?como a reportagem informou?.

Ao final, em vez de rebater aos outros dois questionamentos, a nota do jornal dispara uma metralhadora: ?…o dirigente ainda não explicou como os US$ 8 milhões do contrato com a AmBev serão entregues à MB -uma empresa com sede-fantasma, sem experiência na área esportiva, que entrou no negócio quando ele já tinha sido anunciado? etc.

Quanto à questão das suspeitas, diga-se, a verdade nem foi bem assim, pois o que a reportagem trazia -ao seu final, bem depois de falar das ?suspeitas? anônimas de que se queixa a carta- era que a CPI suspeitou de que Teixeira possa ter usado a CBF para ?beneficiar amigos?, o que certamente é grave mas não é a mesma coisa.

Outra Nota da Redação pouco esclarecedora saiu em 29 de junho sob uma carta do ex-assessor da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira.

Em resposta à afirmação de que eram falsas algumas informações publicadas no jornal sobre a relação entre irmãos dele e certas empresas, a nota dizia secamente que tais dados ?constam do pedido de quebra de sigilo apresentado pelo Ministério Público à Justiça?.

Ora, o que isso esclarece quanto ao mérito do questionamento? Nada, pois nem tudo que o Ministério Público escreve corresponde, necessariamente, à realidade.

Ocorre também o contrário, ou seja, o jornal se abstém, por vezes, quando um pronunciamento, no entanto, se faz obrigatório.

Em reportagem desta terça-feira sobre conta bancária de Paulo Maluf em Jersey (o paraíso fiscal do Reino Unido), o ex-prefeito não apenas negava a sua existência, o que é normal, mas também atacava frontalmente o jornalista da Folha responsável pela revelação do caso, ameaçando ?botá-lo na cadeia?.

É o típico momento que exigia uma NR ao pé do texto, em defesa do repórter e do próprio jornal. Mas isso não foi feito.

Essas considerações querem dizer que Teixeira tem razão e que a reportagem sobre o contrato ?muy amigo? deve ser invalidada? É óbvio que não, muito pelo contrário. Até porque, em sua carta, o dirigente se recusa a expor, de fato, seu ?outro lado?.

Querem dizer que a Folha não defende seus jornalistas? Evidente que não.

Reconheço que, em certas oportunidades, quando uma carta é agressiva demais -e isso também ocorre-, torna-se inevitável uma resposta ?à altura?, nem que seja com luva de pelica.

Ressalta-se aqui, apenas, que a Folha não poucas vezes abusa de seu poder de resposta no Painel do Leitor, deturpa o seu sentido e, em outras, simplesmente tenta destruir ou desqualificar o missivista em vez de prestar esclarecimentos ao leitor.

Contraditoriamente, omite-se, vez por outra, quando sua própria credibilidade é posta em questão."

***

"Por falar em Painel do Leitor…

Em consequência de uma carta do delegado Valdemar Guadanhim, de Assis (SP), publicada no sábado (7), a seção ?Erramos? trazia no mesmo dia uma nota admitindo que o jornal editou ?indevidamente supostos casos de tortura como se fossem casos consumados?.
O equívoco se deu na reportagem ?Descaso com a lei estimula tortura? (de 11 de abril), baseada em relatório da ONU sobre direitos humanos no Brasil.

Ao apreciar um caso específico de tortura que teria ocorrido em delegacia de Assis, a nota acrescenta ter o jornal deixado de informar, ainda, que ele fora arquivado, em três diferentes apurações, por falta de provas.

Seria exagero comparar esse episódio ao já infelizmente célebre caso da Escola Base, de 1994, em que seis pessoas tiveram sua reputação injustamente assassinada pela imprensa a partir de acusações de abuso sexual de crianças que se provaram insustentáveis.

Mas o teor em pauta é o mesmo. Alguém foi dado como responsável pela execução de tortura, sem comprovação.

É pouco constatar o engano apenas num ?Erramos?. Tal como fez, por exemplo, no dia 7 de junho, no texto ?Folha erra ao retificar notícia sobre a quebra de sigilo de empresários?, caberia, aqui, ao menos, uma reportagem sobre o equívoco cometido.

Parece que a imprensa, com o olhar enevoado por sua capacidade fundamental de denunciar mazelas reais, finge às vezes não ter consciência do seu poder, igualmente assustador, de destruição."

    
    
              

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