Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Mário Simas Filho

ENTREVISTA / MINO PEDROSA

"?Há segredos que levamos para o túmulo, outros não?", copyright Isto É, 1/5/02

"O jornalista Mino Pedrosa é uma testemunha ocular da história recente do Brasil. Desde a campanha de Fernando Collor de Mello à Presidência, em 1989, até o nocaute eleitoral sofrido pela pefelista Roseana Sarney em março deste ano, Mino vive intensamente os bastidores, nem sempre dignificantes, da política nacional. Muito do que ouviu e presenciou foi publicado, e não é por outra razão que Mino é um dos jornalistas que mais receberam prêmios no Brasil, muitos deles por trabalhos publicados em ISTOÉ. No entanto, o repórter de 40 anos guarda ainda uma enorme quantidade de informações que, por razões políticas ou editoriais, não chegaram ao conhecimento dos brasileiros. Agora, longe das redações – onde chegou com 15 anos de idade -, mas ainda muito perto das notícias, Mino promete revelar seus segredos. Desde fevereiro, ele está trabalhando na elaboração de um livro que fará muita autoridade colocar as barbas de molho. ?Contarei muita coisa, mas há segredos que levamos para o túmulo, outros não?, adverte. Mesmo com a ressalva, as histórias que contam a nossa história são recheadas de ingredientes picantes.

No entorno dos Sarney, o livro de Mino Pedrosa revela os detalhes da operação montada para destruir a candidatura de Roseana. Repórter de faro apurado, Mino conta quem patrocinou a empresa de arapongagem que grampeou os telefones da ex-governadora do Maranhão, e como foi desenvolvida a operação que tirou do páreo uma candidatura antes mesmo de se iniciar o processo eleitoral. O livro ainda não tem data certa para sair, mas encontra-se em fase final de produção. O jornalista, responsável pelas revelações de Eriberto França, o motorista que levou Collor ao impeachment, calcula que em setembro sua obra poderá estar editada. Leia a seguir trechos de uma entrevista onde Mino abre um pouco de seu baú.

ISTOÉ – Por que um repórter reconhecido e premiado resolve deixar as reda&ccedilccedil;ões depois de tanto tempo?

Mino Pedrosa – Essa foi uma decisão muito pessoal e vem sendo amadurecida há algum tempo. Em 1993, montei a Free Press, uma empresa de assessoria e consultoria de comunicação. Trabalhamos na campanha presidencial de Fernando Henrique Cardoso, cuidando de toda a mídia impressa. Para isso precisamos montar uma estrutura nacional, o que gerou custos elevados. O problema é que tão logo o candidato virou presidente veio o calote. Precisei fechar as portas da empresa. Ficaram as dívidas e a frustração. Voltei para ISTOÉ e consegui, ao longo desses anos, pagar as dívidas da empresa. Agora, chegou o momento de combater a frustração. Acredito que sou capaz de manter meu próprio negócio e resolvi seguir por essa estrada. Encaro isso como um desafio, mas continuo ligado no que está acontecendo e não paro um segundo de apurar as coisas. Se, como dizem, o jornalismo é uma cachaça, acho que tenho tudo para virar um alcoólatra.

ISTOÉ – Explique melhor essa história do calote. Vocês não trabalharam para um candidato que ganhou a eleição?

Pedrosa – Terminada a eleição, o Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações), que era o caixa da campanha, precisava de umas notas fiscais para justificar gastos. Havia muito dinheiro em jogo. Foi uma campanha milionária. Pediram as notas e eu emiti. O próprio Sérgio Motta se comprometeu a me repassar o dinheiro referente aos impostos que incidiriam sobre aquelas notas, mas até hoje não recebi sequer um centavo. Resultado: fiquei com o papagaio na Receita. Acho, porém, que as relações da Free Press com o governo se deterioraram por outras razões.

ISTOÉ – Quais?

Mino – Tomei conhecimento de um grande escândalo de corrupção envolvendo o governo recém-eleito no processo de implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Alertei o governo sobre o que descobrira, mas interesses mais fortes impediram que fosse sanado o problema. Então, não tive outra escolha: denunciei o escândalo. Isso, certamente, foi decisivo para o fechamento de minha empresa e minha volta para as redações.

ISTOÉ – Agora você retoma a sua empresa. O calote do Sérgio Motta serviu de lição?

Pedrosa – Deveria, mas não foi bem assim. Reativei a Free Press, estou fazendo consultoria e assessoria, mas já estou no prejuízo. Comecei a trabalhar na pré-campanha de Roseana Sarney à Presidência. Viajei por vários Estados, comecei a contratar pessoal e tudo ia bem até a armação na Lunus (empresa de Jorge Murad onde foi apreendida a mala com R$ 1,34 milhão). Resultado: a candidatura dela foi abortada e vi parte do meu dinheiro pela televisão, numa mala apreendida pela PF no escritório de Murad.

ISTOÉ – E agora?

Mino – Apurei exatamente como tudo ocorreu, como tudo foi montado. Mas, é bom que se diga que tudo o que conseguiram promover não passa de demagogia barata. Na campanha de Fernando Henrique, em 1994, alguns milhões eram pagos às empresas. Ninguém sabia a origem e tão pouco houve interesse da Polícia Federal e do Ministério Público em apurar como eram pagas as despesas daquela campanha. Aliás, nenhuma campanha. Todos os bastidores sobre a campanha de 1994 e o episódio envolvendo a Lunus serão contados no meu livro.

ISTOÉ – Você foi o repórter responsável pela localização do motorista Eriberto França, que acabou se transformando na testemunha-chave para o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O livro diz alguma coisa sobre esse caso?

Mino – O livro contará todos os bastidores inéditos da nossa história no período que vai do impeachment de Collor ao final dos oito anos de FHC. Logo após a descoberta da testemunha Eriberto, procurei o então senador Mário Covas, membro da CPI que investigava Collor. Pedi a ele que levasse o motorista para a CPI. Ele ficou estarrecido com o que ouviu, mas se recusou a levar Eriberto ao Congresso. Pediu primeiro que eu fizesse a reportagem, e depois, se fosse o caso, Eriberto seria convocado a depor. Assim foi feito. Depois de publicada a reportagem, Covas e outros membros da oposição se reuniram com o motorista, comigo e com os jornalistas João Santana e Augusto Fonseca. Eles queriam preparar o depoimento.

ISTOÉ – Você está dizendo que o depoimento de Eriberto na CPI foi dirigido?

Mino – Não. Nos reunimos na casa de João Santana. Estavam, além de Covas, Sigmaringa Seixas, João Paulo Bisol e Aloizio Mercadante. Eles ouviram tudo o que Eriberto tinha a dizer e ficaram absolutamente surpresos. Bisol se levantou e disse: ?O relato dele é verdadeiro. Não precisamos ensaiar nada. A verdade foi dita sem contradição.? Eriberto chegou à CPI, deu seu depoimento e a tropa de choque de Collor ficou desarmada. O principal defensor de Collor, o deputado Roberto Jefferson, perguntou ao motorista se o que ele estava fazendo era apenas por amor à pátria. Eriberto respondeu: ?É preciso mais que isso.?

ISTOÉ – E depois?

Mino – Após o depoimento do motorista Eriberto na CPI, a oposição já tinha a certeza de que o presidente Collor cairia. Não havia mais tempo nem condição política para que o presidente reagisse. Começaram então uma série de reuniões. O então vice-presidente Itamar Franco, do PMDB, temia que a caça às bruxas o atingisse, embora não fosse uma figura de destaque, e ameaçava não assumir o governo no lugar de Fernando Collor.

ISTOÉ – Mas o Itamar Franco tomou posse…

Mino – Sim, mas foram necessárias várias reuniões de toda a oposição com Itamar. Como bom mineiro, ele mais ouviu do que falou, mas obteve a garantia de toda a oposição de que não sofreria retaliações. No livro, descrevo muitos detalhes dessas reuniões, bem como toda a história que nos levou a descobrir o motorista Eriberto.

ISTOÉ – Os bastidores do governo de Fernando Collor e da gestão de Fernando Henrique são diferentes?

Mino – O Collor caiu por corrupção. O Fernando Henrique usa um rótulo de vestal, mas tem problemas. Seu governo começou com um grampo, o do caso Sivam. Transformou-se em uma república do grampo. Foi o escândalo do BNDES, da compra de votos para a reeleição e outros. E está terminando com outro grampo, o da Roseana. Quanto ao patrimônio, acho que FHC não tem nada. Tem um procurador complicado de sua filha, Luciana Cardoso.

ISTOÉ – Conte detalhes disso.

Mino – Investigado pela Receita Federal, o procurador em 1994 possuía um patrimônio insignificante. Hoje, detém cerca de R$ 60 milhões em imóveis registrados em cartórios. No livro, vou contar tudo sobre isso. Darei o nome do procurador e os registros em cartório.

ISTOÉ – Mas como um sujeito assim permite que fiquem tantos rastros?

Mino – Vou lhe contar apenas uma pequena história envolvendo esse personagem. Luciana Cardoso e seu marido procuraram um lote no entorno de Brasília para comprar. Acharam o terreno e combinaram com a proprietária que a escritura seria passada em nome da irmã do procurador. O negócio foi feito. Tudo estava absolutamente certo. O que jamais imaginaram é que a proprietária do terreno era a avó de Luiz Francisco de Souza, o procurador mais combatente que o Ministério Público Federal tem em seus quadros.

ISTOÉ – A Free Press está trabalhando só com políticos ou tem outros clientes na iniciativa privada?

Mino – Tenho alguns contratos com a iniciativa privada e procuro dividir meu tempo fazendo consultorias para empresas e governos estaduais. A coisa está começando a caminhar e espero não cometer os mesmos erros do passado.

ISTOÉ – E quando você pretende publicar o livro?

Mino – Estou me esforçando para lançar o livro no dia 7 de setembro. Mas isso ainda não é certo.

ISTOÉ – Como fica o quadro eleitoral após a renúncia de Roseana?

Mino – Acho que o próximo presidente só poderá governar e fazer as mudanças econômicas necessárias se estiver respaldado em ampla margem de votos.

ISTOÉ – Que mudanças?

Mino – Acho que a classe média alta irá sofrer um aperto no bolso e essa classe tem poder de articulação para reagir. É formadora de opinião e precisa ser muito bem trabalhada."

 

OMBUDSMAN

"Ombudsman da Folha integra direção da ONO", copyright Folha de S. Paulo, 5/5/02

"Em seu segundo mandato como ombudsman da Folha, Bernardo Ajzenberg foi eleito para integrar a direção da ONO (Organization of News Ombudsman), durante a reunião da entidade, que terminou na última quarta-feira na cidade de Salt Lake City, nos Estados Unidos. O ?board?, que será presidido por Sanders Lamont, do jornal ?The Sacramento Bee? (Califórnia, EUA), é formado por 11 jornalistas. Os restantes são um ombudsman do Reino Unido, um da Turquia e sete dos Estados Unidos. A ONO tem cerca de 80 ombudsmen. O mandato é de um ano."

 

JABÁ

"O dia em que o jabá virou gancho", editorial, copyright Boletim Imprensa Ética., 6/05/02

"A editora-chefe de uma revista feminina reúne a equipe e avisa que um contrato acaba de ser fechado e renderá uma ótima matéria. Ela explica: O Boticário comprou a contra-capa da próxima edição para o anúncio de um perfume, assinado pelo estilista Ocimar Versolatto. A editora decidiu, então, ?aproveitar o gancho? e publicar uma entrevista com o estilista. Toda a equipe adora a idéia.

A cena descrita é do mundo da ficção: passou na novela das sete, na Globo. Nem acreditei quando assisti: para mim o tal ?gancho? responde e sempre vai responder pelo nome de jabá. Mas eu não imaginava ver uma cena de jabá sendo divulgada amplamente e com tanta naturalidade. O interessante é que, na mesma novela, o núcleo de jornalistas já foi mostrado de maneira heróica, em matérias de flagrantes de corrupção. Pergunto: jabá não é corrupção?

Para o autor da novela, não. Para quem assiste, provavelmente não, também. O pior é que as pessoas em geral acham isso normal. Acham normal pagar para sair na coluna social. Acham normal que um jornal publique matérias sobre seus anunciantes em detrimento das demais. Acham normal que artistas apareçam nas Caras da vida jurando por Deus que usam determinados produtos sendo que, na mesma revista, ?coincidentemente?, estão lá os anúncios dos produtos.

Normal não é. É comum, corriqueiro, mas não é normal. É uma anomalia, um câncer que vai tomando todos os espaços disponíveis na Comunicação Social. O jornalista Eugênio Bucci defende a separação radical entre o setor editorial e o comercial dos veículos de comunicação, num esquema que ele chama de ?Igreja e Estado?. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. É assim que tem que ser. Mas o sistema de informações hoje é tão dinâmico que gera um tipo de informação que não se classifica, como esse merchandising ridículo, mal feito e totalmente infeliz.

Outro exemplo: a Deborah Boch está numa propaganda afirmando que usa uma tintura da L’Oréal no cabelo. Nada de mais, se até pouco tempo atrás ela mesma não aparecesse pintando as madeixas às pressas num banheiro de aeroporto, com um produto da Wella. Tudo bem que é propaganda, mas há que se preservar um mínimo de credibilidade ao produto que se quer vender. Anunciante também é gente, às vezes.

O problema é que dói, como consumidora, ser tratada feito imbecil. E dói mais, como jornalista, ser tratada como prostituta. Porque é essa a imagem que a cena da novela passa a quem assiste. Há muito jornalista honesto por aí, mesmo que boa parte da categoria não passe de picaretas. O pior tipo de picareta, no entanto, é aquele que se acha honesto, mantém o discurso seboso de que pode cobrir política sendo assessor de um candidato, enche a boca para falar de ética e, no dia-a-dia, encontra os ?ganchos? mais espetaculares para falar de assuntos que lhe rendam algum benefício pessoal. Esse parece ter vaga garantida nas revistas da Globo e, quem sabe, na novela das sete…"