O POVO
"Era Jereissati", copyright O Povo, 6/4/02
"? Sem dúvida, tempo de incertezas esses finais dos anos 80, início dos anos 90. Percebe-se a necessidade de mudança, de transformação?. Ana Maria Burmester, historiadora
Olá leitor (a), estamos retomando a nossa conversa dominical depois de um final de semana sem contato externo. Neste e no próximo domingo, nosso tema será a série de matérias publicadas pelo O Povo no período de 18 a 24 de março último. Ao todo foram 15 páginas – uma média de duas páginas por dia – onde você leu, com textos bem elaborados, a gênesis da nova era política, os rompimentos, e ainda relembraram os novos códigos de linguagem midiática – rica em simbologia – que foram inaugurados no Ceará.
A crítica que será feita a seguir diz respeito ao conteúdo em si do que foi oferecido para os leitores. E, para começar, temos que parar um pouco num capítulo importante. A série não contou, mas o novo governo Jereissati e O Povo também tiveram conflitos e reacomodações. Não é segredo para ninguém que o jornalismo regional sofria, naquele contexto histórico e econômico, de uma dependência crucial de verbas públicas. A grande imprensa já havia enfrentado suas crises no início dos anos 80 dada a falência do próprio Estado (Nação), que tinha um modelo intervencionista por excelência. O Estado brasileiro viveu as turbulências das crises internacionais do papel, do petróleo, dos choques para vencer a inflação, da moratória da dívida externa, da escassez de recursos externos e internos. A chamada grande imprensa, que já mantinha um nível de empresa mais compatível com seus ambientes econômicos, encontrou o caminho natural do jornalismo de mercado.
Eficiência x cautela
Quem acompanhou a série sentiu o perfil do novo governo Jereissati. Fechado politicamente e isolado socialmente para pôr as contas em ordem, rompeu com tudo e com todos adotando a filosofia da eficiência para desenhar e desenvolver o atual modelo político-econômico.
O Povo superou a crise política e economicamente. Hoje, é uma empresa de mercado competindo com as regras mercadológicas onde as moedas são qualidade, eficiência, respeito aos clientes e acima de tudo, credibilidade. Também é um fato que O Povo está contando as histórias, mas histórias oficiais demais. Ao longo dos últimos anos, este jornal adotou uma postura muito mais cautelosa que crítica diante do modelo Jereissati de governar.
Crítica aqui não tem o sentido da maledicência, de ser do contra, da oposição sem inteligência. Crítica, nesse caso, tem o sentido de análise das ações, apresentando perspectivas e possíveis resultados dos projetos governamentais.
A reprodução do discurso governamental é mais fácil de ser localizado nas páginas do O Povo do que o desempenho do seu real papel, como imprensa, que é analisar, criticar com o objetivo de formar uma sociedade com maior capacidade de diálogo com o poder público. É importante lembrar que nos últimos três anos O Povo tem mostrado alguns resultados negativos do modelo Jereissati, ainda que seja de forma cautelosa demais.
Imprensa de joelhos
Um ponto importante, só para estimular o debate, aconteceu com a política industrial cearense. Toda a imprensa brasileira – jornais e revistas de circulação nacional – ajoelhou-se diante do Ceará, que se transformou num ?case? governamental de um estado que deu certo. Pagou as contas de curto prazo; renegociou as de longo prazo; conquistou empréstimos estrangeiros para projetos importantes, e o melhor de tudo, embrenhou-se numa guerra fiscal que fechou fábricas em alguns estados do Sul e do Sudeste e fincou-as em vários municípios pobres do Ceará. A eficiência pública máxima.
A realidade, porém, sempre esteve à nossa porta, era só abri-la. Hoje, os equívocos dessa política industrial foi admitida pelo próprio governador Tasso Jereissati, na entrevista que encerrou a série no último dia 24. O Povo, em boa parte do tempo, fechou com essa política.
Relendo a série e os fatos, e analisando o posicionamento do jornal, o trabalho publicado seguiu a linha de sempre, cautela demais e crítica-analítica de menos. História oficial demais e um raso aprofundamento de temas importantes: como por exemplo, a qualidade do sistema educacional cearense, o sistema de saúde pública estadual e a política agrícola, só para ficar em alguns pontos.
Alvo histórico
Logo no início da série, os jornalistas Rodrigo de Almeida e Erick Guimarães, editor-executivo e repórter do Núcleo de Conjuntura, respectivamente, informaram que o leitor vai ler ?menos um balanço e mais uma contribuição ao significado histórico dessa Era Tasso?. E avisam: ?Sem ideologização ou partidarização, jornalisticamente se começa a contar aqui histórias desses 15 anos. Não a história?.
Acredito que foi justo no item ?contribuição ao significado histórico? que a série mais falhou. Sem uma análise dos acontecimentos, como compreender o fato histórico? O leitores releram a ascensão do grupo ao poder partindo dos pressupostos ideológicos do próprio grupo. O mito da eficiência, do isolamento ?necessário?, da nova forma do fazer política, do discurso forte de mudança. Isso é ressaltado várias vezes.
Tanto Rodrigo de Almeida quanto Erick Guimarães afirmam que ?a série tinha como objetivo maior, contar histórias desses 15 anos?. Rodrigo reforça que isso ?está dito não só no Ponto de Vista do primeiro dia, mas também no final da matéria principal daquela edição. Por quê? Está dito lá também: análises e balanços sobre esses anos não têm faltado na imprensa e na academia e chegamos à conclusão de que esta é uma tarefa muito complicada – analisar com uma mínima precisão fatos que ainda estão se consolidando?.
Não pretendo entrar no mérito do objetivo da série. Considerei a idéia excelente porque jornalismo também é resgate de fatos para se entender a realidade. O que critico é o excesso de fatos sem conexão com a realidade atual. O que mudou nas relações políticas? Na participação social? Como a população percebe e recebe as tão propaladas mudanças da Era Jereissati? Quais as perspectivas do povo cearense depois do confronto político mudancista?
E para encerrar a conversa de hoje quero deixar com você uma pergunta da historiadora Ana Maria Burmester: ?(…) História? Para quê??. "