ENTREVISTA / GAY TALESE
"Nada novo na velha América", copyright Jornal do Brasil, 21/03/02
"O jornalista e escritor americano Gay Talese, 70 anos, já tinha inimigos de sobra na imprensa dos Estados Unidos quando lançou A mulher do próximo, livro de 1980 que acaba de ganhar nova edição em português pela Companhia das Letras. Criador, ao lado de Tom Wolfe, do movimento chamado new journalism – que prega um tipo de reportagem no qual a investigação jornalística e a linguagem literária se fundem produzindo uma espécie de romance-verdade -, ele sempre conseguia irritar alguém a cada novo texto (leia sua entrevista nesta página). Ou, ao menos, surpreender, fosse dissecando a máfia ou a intimidade de gente famosa. Certa vez, em 1962, foi destacado pela revista Esquire para traçar um perfil de Frank Sinatra. Impedido de fazer a entrevista devido a uma gripe do cantor, Talese produziu uma detalhada matéria sobre a doença – e o texto, naturalmente, tornou-se famoso.
Depois que A mulher do próximo – um rigoroso painel sobre o comportamento sexual dos americanos nas décadas de 60 e 70 – chegou às livrarias desnudando as perversidades que o puritanismo anglo-saxônico prefere até hoje esconder, Talese virou alvo da fúria de todo o país, passando a simbolizar o incômodo que um profissional da mídia pode despertar.
Bom repórter – O livro é ambientado numa América do sexo livre, pré-Aids. Fruto de nove anos de pesquisas, entrevistas e incursões do autor em orgias grupais, suingues e praias de nudismo, convertidos em uma prosa que lembra a obra-prima A sangue frio, de Truman Capote, o ensaio abrange desde a prática masturbatória dos adolescentes até o funcionamento da indústria da pornografia nos Estados Unidos, com uma visitinha às seitas baseadas no ideal de paz e amor dos hippies.
Seu principal personagem: o império formado pelo editor Hugh Hefner, dono da máquina de fazer dinheiro chamada Playboy. Nas 484 páginas de A mulher do próximo, Talese descortina o universo das mais famosas ?coelhinhas? que a revista lançou, revisita as festas de Hefner em sua mansão e expõe o limite que separa as jovens modelos da prostituição. Habilidoso, ele tem o cuidado de não tomar partido. Só expõe fatos, como reza a cartilha do bom repórter.
Antes de A mulher do próximo, Talese já era sinônimo de polêmica. Em 1969, aproveitou sua experiência no The New York Times – de onde saiu em 1965, quando abandonou o trabalho em jornais diários – para se debruçar sobre os bastidores de uma das mais poderosas empresas jornalísticas dos Estados Unidos no livro O reino e o poder (só lançado no Brasil no ano 2000). Dois anos depois, traçou um perfil do mafioso Joseph Bonanno e de seu poderoso clã em Honor thy father (1971). Nem suas origens italianas o impediram de investigar o tema em Unto the sons (1992).
Dor de cabeça – Mas nenhum desses livros causou tanto barulho quanto A mulher do próximo. Mesmo com toda a celeuma, a partir dos anos 90 Talese começou a temer que o crescimento da Aids tornasse obsoleto o seu retrato do american way of life. Por isso, em 1992, escreveu um prefácio, reproduzido na nova edição brasileira, situando a obra dentro da realidade que os Estados Unidos atravessavam: ?Ao contrário da opinião acumulada pelas pesquisas, duvido que os EUA dos anos 90 – com todo o devido respeito à ansiedade e ao medo provocados pela Aids – estejam se submetendo a um novo puritanismo, capaz de reprimir as tentações e os privilégios que pareciam tão chocantes quando se tornaram públicos há 30 anos. Portanto, não há nada de novo em A mulher do próximo. Nem nada de velho?.
Talese sustenta que seu livro permanece atual, apesar das transformações sociais no país. Na realidade, com essa tese ele não defende apenas a obra, mas também o new journalism, que tem perdido adeptos gradativamente. Seu estilo já tem até concorrente, batizado de narrative writing, que, apesar do nome pomposo, aposta na mesma fórmula que o velho Talese transformou em lição nas escolas de comunicação e em dor de cabeça para todo e qualquer personagem escolhido como tema.
?Não uso a internet?
Gay Talese nunca concordou muito com a idéia de renovação em relação ao new journalism. Em entrevista concedida por e-mail ao JB, ele explica por que não considera uma revolução o estilo que consagrou, refuta o caráter polêmico de A mulher do próximo e elogia o trabalho dos jornais americanos após os atentados terroristas de 11 de setembro.
– Ainda há espaço para o new journalism na imprensa contemporânea?
– O new journalism não está morto nos dias de hoje, só mudou de nome. Narrative journalism [jornalismo narrativo]é o novo (e mais elegante) título. Mas, de qualquer forma, sempre achei que Tom Wolfe estava errado em usar a palavra new quando criou a designação do gênero em 1980. New journalism (ou narrative writing, que seja) quer dizer apenas escrever bem. É um texto literário que não é inventado, não é ficção, mas que é narrado como um conto, como uma seqüência de filme. É como um enredo dramático digno de ser levado aos palcos e não apenas um amontoado de fatos, fácil de ser digerido.
– Como o senhor vê o jornalismo americano hoje?
– É difícil avaliar. Depende da fonte de informação com a qual você lida. Não tenho dúvidas de que o New York Times é o melhor jornal americano hoje. Mas essa é uma visão preconceituosa. Costumo agir como alguém que se formou naquela instituição. Mesmo assim, a cobertura do NYT sobre a situação americana desde os atentados de 11 de setembro tem sido esplêndida e, tenho certeza, deve resultar em vitórias no prêmio Pulitzer deste ano em diversas categorias.
– De que forma o trabalho de pesquisa de A mulher do próximo se encaixa no contexto do new journalism?
– Creio que chateei muita gente com o livro, já que ele é mais cândido do que as pessoas esperavam. Mas é um trabalho bastante fiel. O que escrevi nele era verdade. Posso comprovar cada detalhe.
– Qual foi a última reportagem de qualidade que leu recentemente?
– Nenhuma. Li apenas alguns livros, fora do terreno da ficção, que merecem alguma atenção. Destacaria três que estão indicados ao prêmio Pulitzer deste ano: War in a time of peace, de David Halberstam [sobre a política internacional dos EUA após a Guerra Fria]; Carry me home, de Diane McWhorter [um estudo histórico sobre os negros no Alabama, da escravidão até hoje]; e The noonday demon, de Andrew Solomon [um estudo sobre a Depressão, seus sintomas e causas].
– O jornalismo on line possui uma estrutura sólida hoje em dia?
– Jornalismo on line? Não uso a internet. Penso que os fatos ainda são comunicados de uma forma muito descuidada através dela. Sei que ela é rápida, fácil, barata. Mas ainda não me chama atenção. Por isso, não confio em um jornalismo via web. Só dou crédito quando ele é fornecido por alguma fonte confiável, como o NYT ou o Washington Post, por exemplo.
– No livro The trust: the private and powerful family behind The New York Times, lançado no final dos anos 90, os jornalistas Susan E. Tifft e Alex S. Jones refutam dados enunciados pelo senhor no ensaio O reino e o poder. De que forma encarou o ataque?
– The trust pode até não ser uma ?biografia autorizada?, não posso afirmar isso. Mas, com certeza, foi feito com o auxílio dos Sulzberger, os proprietários do jornal. Mesmo que eu os respeite muito, não consigo confiar em livros sobre jornais importantes cujos autores receberam as bênçãos dos donos dos grandes veículos de comunicação.
Uma companheira clandestina chamada ?Playboy?
?Hefner identificava-se fortemente com os homens que compravam a revista. Sabia, pelas cartas que recebia e pelo crescimento espantoso da circulação da Playboy, que seus leitores e ele eram atraídos pelas mesmas coisas: às vezes, considerava-se um fornecedor de fantasias, um alcoviteiro entre seus leitores e as mulheres que adornavam suas páginas. Todos os meses, quando uma nova edição ficava pronta sob sua direção pessoal, podia imaginar os momentos de clímax dos solitários de todo o país que ficavam excitados com suas escolhas. Eram caixeiros-viajantes em quartos de hotel, soldados em bivaques, estudantes universitários em dormitórios, executivos em cujas maletas, nos aviões, a revista viajava como uma companheira clandestina. Eram homens casados insatisfeitos, de meios e inspirações moderados, entediados com a vida, sem inspiração no trabalho, que buscavam uma fuga temporária através da aventura sexual com mais mulheres do que tinham capacidade – ou tempo, dinheiro, poder, ou desejo genuíno – de conquistar.?
Trecho de A mulher do próximo, de Gay Talese"
CAMARADA KISSINGER
"A maior fábrica de mentiras", copyright O Globo, 23/03/02
"Oficiais do FBI andam dizendo que o núcleo vivo do terrorismo internacional não está em Bagdá ou em Cuba, mas dentro dos EUA, onde entrou de contrabando na bagagem da imigração irrestrita. Mas essa maciça importação de encrencas não começou do nada. Foi longamente preparada pela ?revolução cultural? que, desde os anos 60, impôs como doutrina oficial do governo e das elites americanas todo um repertório de crenças que, antes, até uma criança saberia reconhecer à primeira vista como amostras típicas do discurso stalinista.
Não há hoje uma só universidade americana que não subscreva como autêntico relato da história da guerra do Vietnã as mais torpes invencionices da propaganda vietcongue, ou que não aceite como descrição adequada da geopolítica mundial a idéia de que a mais agressiva potência imperialista que já existiu são os EUA – uma potência que, não obstante, jamais manteve sob ocupação um país estrangeiro, que, bem ao contrário, sempre ajudou seus inimigos derrotados a reerguer-se como nações independentes e que, no conjunto das guerras em que se envolveu ao longo de um século, matou menos gente do que a China matou só no Tibete ou a URSS no Afeganistão.
Não há uma só universidade americana que não ensine que o Ocidente cristão foi a mais escravagista das civilizações, quando na verdade foi a única civilização antiescravagista que já existiu e, confrontada com o recrutamento de trabalho escravo durante apenas umas décadas na URSS e na China comunista, a totalidade do escravismo ocidental de dois milênios se reduz um fenômeno de proporções bem modestas.
Não há uma só grande universidade americana que não ensine que o ?macarthismo? dos anos 50 foi uma cruel perseguição a inocentes, quando hoje se sabe, pelos Arquivos de Moscou, que praticamente todos os interrogados pelo Comitê McCarthy estavam realmente a serviço da espionagem soviética.
Nas artes e espetáculos, o panorama não é diferente. Filmes, peças de teatro, shows, exposições de pinturas e fotografias, uma boa parte com financiamento oficial, são um incessante bombardeio de propaganda esquerdista. O leitor pode avaliar o conjunto por uma amostragem simples: veja quantos filmes americanos produzidos desde os anos 60 passam num só dia nos vários canais de TV a cabo e anote quantos deles contêm mensagens de antiamericanismo explícito ou pelo menos implícito. São praticamente todos. E ainda há na nossa imprensa canalhas ou imbecis que exploram o estereótipo de Hollywood como ?usina de sonhos? (expressão do crítico comunista Bela Balász) voltada à glorificação do ?american way of life?. Hollywood tornou-se uma máquina de propaganda comunista e de arrecadação de fundos para o Comintern já desde a década de 30, numa operação engenhosa e sutil coordenada pessoalmente por Stálin, e até hoje não mudou em nada. As manifestações de ódio compacto da classe cinematográfica a Elia Kazan — um patriota que ousou falar contra o genocídio stalinista — já bastariam para ilustrar o que estou dizendo. Mas, se têm dúvidas, leiam ?Hollywood Party?, de Kenneth Billingsley, e pasmem diante da astúcia com que a ?intelligentzia? comunista soube tirar proveito do ?show business? e ainda denunciá-lo como instrumento do imperialismo ianque.
E a imprensa, então? Já na década de 30, o ?New York Times?, por meio de seu correspondente em Moscou, Walter Duranty, homem da KGB, ocultou premeditadamente a extinção de seis milhões de ucranianos pela ?arma da fome?, como a chamava Stálin. Desde então, a falsificação pró-comunista do noticiário cresceu em escala industrial. Leiam ?Bias?, de Bernard Goldberg, ?Beyond Elian Gonzalez?, de Carlos Wotzkow e Agustin Blazquez, e ?Cuba in revolution?, de Miguel A. Faria Jr., e verão que não há limites para a mendacidade comunista que se apossou da grande mídia nos EUA.
Ao irradiar-se sobre o Terceiro Mundo, a falsificação do noticiário americano chega a produzir efeitos de uma absurdidade grotesca. Recentemente, no Brasil, houve intensa mobilização de esquerdistas contra uma planejada homenagem ao sr. Henry Kissinger. Acusavam-no de conspiração em favor da ditadura de Augusto Pinochet e até de envolvimento no assassinato de um general chileno de oposição. Bem, pode até ser que Kissinger estivesse metido nessas coisas. Isso faria dele um criminoso, é claro. Mas não há provas concludentes de nada disso. Em compensação, é pública, notória e arquiprovada a cumplicidade ativa do ex-secretário de Estado no maior genocídio ocorrido no mundo desde o fim da II Guerra. Ao negociar a paz no Vietnã, sua preocupação essencial foi a de evitar que os vietcongues desmobilizados caíssem nas mãos do Vietnã do Sul. Para salvar os coitadinhos, ele ajeitou as coisas de modo que, bem ao contrário, o Vietnã do Sul caísse nas mãos dos vietcongues, que aí, como era obviamente de se esperar, empreenderam a completa liquidação dos adversários e ajudaram a estender a ditadura comunista ao vizinho Camboja. Resultado: três milhões de mortos – quinze vezes o total de vítimas da própria guerra.
A longa folha de serviços pró-comunistas de Henry Kissinger ultrapassa infinitamente qualquer ajudinha que ele possa ter dado, como vil gorjeta, a ditadores direitistas. É fato notório, por exemplo, que ele forçou seu governo a vender aos soviéticos a tecnologia que os habilitou a produzir seus primeiros mísseis de ogivas múltiplas, colocando em risco a segurança dos EUA. Terá ele feito algo de comparável em favor de Pinochet, dos presidentes militares brasileiros ou do seu próprio país?
Kissinger, de fato, é um criminoso. Um grande criminoso pró-comunista. Provavelmente o maior que já houve nos EUA. Mas, graças ao milagre da mentira midiática, os comunistas puderam desfrutar dos seus serviços no campo diplomático-militar e reciclá-lo depois como espantalho imperialista para assustar uma população de basbaques tupiniquins, com a prestimosa, solícita e unânime — desavergonhadamente unânime — ajuda da imprensa local.
Sim, porque a única diferença entre a farsa midiática nos EUA e no Brasil é que, lá, ainda há muitos jornalistas corajosos capazes de se opor à massa de seus colegas, ao passo que aqui até mesmo as vítimas diretas de agressão por parte da mídia são as primeiras a derramar-se em rapapés e salamaleques ante a autoridade suprema da classe jornalística, autoconstituída numa espécie de semente dos serviços de inteligência de um futuro Brasil socialista.
Mas, malgrado a valente resistência de um David Horowitz, de um Brent Bozell, de um Walter Williams, de Thomas Sowell, de um Bernard Goldberg e tantos outros, a mídia dominante dos EUA é hoje a maior força de propaganda antiamericana que já existiu.
O FBI, pois, nada descobriu de novo: após quatro décadas de exportação das idéias que legitimam toda violência antiamericana, por que os EUA não passariam a exportar essa violência mesma?"