Tuesday, 05 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Paula Cesarino Costa

Há grande concordância jurídica de que a liberdade de expressão inclui o direito à sátira. As leis asseguram assim uma sociedade mais democrática -e mais divertida. Tem sido recorrentes, entretanto, episódios em que o direito à sátira é questionado, como se não fosse decorrência do direito à liberdade de expressão.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal surpreendeu ao determinar que a Polícia Federal investigue os responsáveis por alegorias plásticas que satirizam o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao caracterizá-los como “petralhas”, portando broches do PT. Com atitudes e decisões interpretadas por determinados grupos como a favor de petistas, Lewandowski e Janot tornaram-se alvos.

O surpreendente procedimento do presidente do STF, de inegável atentado à liberdade de expressão, baliza os tempos tumultuados que vivemos. O cenário polarizado dos últimos anos é combustível para críticas ferrenhas, de um lado, e autoritarismo, de outro. Nesse contexto os limites são sutis. Quase sempre elogiadas, charge de Angeli foi chamada de “tendenciosa” por leitores.

Charge de Angeli (29.jun) foi considerada tendenciosa e agressiva pelos leitores

Charge de Angeli (29.jun) foi considerada tendenciosa e agressiva pelos leitores

No jornal, as charges e tiras são pontos de inflexão da crítica jornalística por meio da sátira. São uma das marcas da Folha, reflexo do pluralismo que busca adotar. Um jornal sem quadrinhos, diriam os franceses, é como uma refeição sem queijo. A qualidade das charges e dos quadrinhos publicados compõem a história do jornal.

Foram nas páginas da Folha, em 1951, que Maurício de Souza lançou o cachorrinho Bidu, na primeira tira nacional publicada pelo jornal.

Também ali nasceram, ou se popularizaram, personagens nada politicamente corretos como o Geraldão, de Glauco, a Rê Bordosa, do Angeli, e Los Três Amigos (dos dois em conjunto com Laerte). Marcaram gerações e levaram ao jornal temas improváveis, com abordagem transgressoras.

Nesta semana, muitos leitores reagiram indignados com o fim da publicação das tiras de Hagar e Garfield, sem qualquer aviso prévio. Hagar, personagem de Dik Browne, estava nas páginas da Folha desde sua criação em 1973 -um mandarinato de 43 anos. Já o gato de Jim Davis estreou em janeiro de 1983. “Demitiram o Garfield e o Hagar!”, registrou um leitor, lamentando que eles iriam se juntar à legião de desempregados do Brasil de hoje.

Mensagens sobre as tiras publicadas na Ilustrada chegam semanalmente ao jornal. Recentemente, as críticas têm se concentrado na temática “pornográfica” de algumas tiras, no que poderia ser chamado de “sexomania”.

O leitor Radoico Guimarães amplia as críticas: “A página de quadrinhos da Ilustrada às vezes criava polêmica com alguns autores mais ousados, como Glauco, Laerte e outros, mas que mantinham o objetivo de divertir o leitor. Ultimamente, porém, essa função tem sido deixada de lado, substituída por tirinhas amarguradas e engajadas politicamente, além de terem péssimo desenho, primário e mal feito.”

“Acho que vocês estão pegando pesado nos quadrinhos”, escreveu o leitor João Pinheiro. O filho dele o questionou sobre as tiras de Adão Iturrusgarai e a Thaïs Gualberto, reproduzidas nessa página.

“O que realmente me preocupa é a pornografia da política brasileira”, disse Adão. Thaïs Gualberto, que estreou na Folha há pouco mais de dois meses, acha que sua personagem foi selecionada por seu lado despudorado. Admite que não mostra suas tiras para a filha de 8 anos.

“Acho que a sexualidade exposta nas tiras da Olga são educacionais, porque levam em consideração o prazer com responsabilidade e respeito. São coisas que estão em falta na sociedade, principalmente com a educação transviada que a pornografia oferece aos jovens.”

O editor-executivo Sérgio Dávila afirma que política do jornal é a de valorizar o quadrinista brasileiro e publicar o melhor do quadrinho internacional, em um movimento constante de renovação. Nesse sentido, experimentam-se nomes novos. Alguns dão certo e outros não. Diz que são quadrinhos adultos, voltados para um leitor maduro.

É tema sobre o qual jamais haverá consenso. Envolve visões de mundo, convicções pessoais. O jornal deve manter a política de dar espaço a novos traços, de ousar na temática, mas precisa evitar grosserias e algumas estratégias apelativas. Não acho que hoje seja um bom momento da seção de quadrinhos. Nem do ponto de vista de traço, nem do humor ou do conteúdo.

Porta de entrada do leitor jovem, tiras e charges são um patrimônio da Folha que precisa ser mantido, na busca por novos talentos brasileiros e estrangeiros.