Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Elio Gaspari

‘Basta que Lula tire a gravata e o andar de cima o acusa de imitar o presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Fica combinado assim: Lula não pode brincar de Chávez, mas o tucanato também não pode brincar de Carmona.

Pedro Carmona é aquele empresário cheiroso que, em 2002, liderou o golpe que prendeu Chávez, dissolveu o Congresso e fechou o Supremo Tribunal. Teve dois dias de fama. Abandonado pelos militares, acabou preso e escafedeu-se para Miami.

Na última terça-feira, o grão-tucano Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Ciência e da Administração de FFHH, escreveu o seguinte:

‘Parece-me cada vez mais claro que Lula não tem mais condições de permanecer no Planalto e que o impeachment é inevitável’.

Direito dele achar isso. Bresser acredita que a ‘variável fundamental’ para que se deflagre o impedimento será ‘a posição da sociedade civil’.

Ele explica: ‘Nas democracias, embora o poder seja formalmente do povo, na prática, está com a sociedade civil, que dele se diferencia porque, no povo, cada cidadão tem um voto, na sociedade civil o peso de cada cidadão depende de seu conhecimento, de seu dinheiro e de sua capacidade de comunicação e organização’.’

Traduzindo:

Embora o andar de baixo vote, quem manda na prática é o de cima, porque a patuléia é ignorante, não tem dinheiro, nem conhece jornalistas. Caberá ao andar de cima decidir o impedimento de Lula.

Poucas vezes o golpismo nacional expressou-se com tamanha clareza social. Bresser dá à tal de sociedade civil a condição de árbitro do alcance do sufrágio universal.

Segundo o doutor Bresser, o defenestramento de Lula justifica-se porque ‘estamos ante a maior crise moral da história brasileira’. Estamos ‘ante’ ou estamos ‘na’? Tudo depende de onde o doutor se coloca.

Registre-se que ele está na praça desde os anos 70, sempre militando na causa democrática. Como os golpistas dos anos 50 e 60 estiveram na frente democrática dos 40, não há nada de novo debaixo do céu de anil deste grande Brasil.

Bresser fala de bruxas que existem. Há as malfeitorias do governo e do aparelho de Lula, com cuecas, contas do Duda, mensalões e mesadinhas. Há a corrupção da base parlamentar e os caixas dois de campanhas eleitorais passadas, presentes e futuras. Mas há mais.

O tucanato faz de conta que nunca ouviu falar no caixa da campanha mineira de seu presidente, doutor Eduardo Azeredo, em 1998. Segundo o seu tesoureiro, ela custou R$ 20 milhões, com R$ 11,5 milhões rolando pelo caixa dois, no qual Marcos Valério pingou R$ 9 milhões.

Há algo de escárnio na construção de Bresser. Aos fatos:

Em 1998, a agência SPMB de Marcos Valério deu R$ 50 mil para a campanha de FFHH à reeleição. Cadê? O mimo não consta da prestação de contas encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral pela tesouraria tucana.

O caixa dois da campanha presidencial do PSDB em 1998 foi de pelo menos R$ 10 milhões. Sabe-se disso há cinco anos, desde que os repórteres Andrea Michael e Wladimir Gramacho estouraram a contabilidade do PSDB. À época, o tesoureiro de FFHH informou que tivera em seu computador algumas planilhas com listas de doações, mas jogara-as fora. Não se lembrava do conteúdo.

A tesouraria tucana disse à Viúva que arrecadou R$ 77 milhões nas campanhas de 1994 e 1998, mas as planilhas indicavam a entrada de pelo menos R$ 94 milhões. Uma diferença de R$ 17 milhões. O tesoureiro tucano, dono do laptop, era Luiz Carlos Bresser-Pereira.

O comissariado petista usa as contas tucanas de 1998 como queijo na sua própria pizza. Coisa assim: você pára de falar no Eduardo Azeredo e eu desisto de chamar o filho do Lula para contar na CPI como conseguiu que a Telemar se associasse à sua empresa de informática. Os privatas pagaram R$ 2,5 milhões por 35% do negócio de Fábio Lula. Esse é o jogo do andar de cima.

Para a patuléia, o melhor é que se fale de Eduardo Azeredo e que se conheça a história do filho de Lula. Ele pode ensinar a garotada a fazer novos empreendimentos.

Não é o estilo de Hugo Chávez que ameaça a República. Faz mais de um século que ela só é infelicitada pelas contas e pompas dos Pedro Carmona da vida.’



Mino Carta

‘O sorriso da aeromoça’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/08/05

‘E lá vem quem pergunte por que CartaCapital explora o defeito físico do banqueiro Daniel Dantas, aquela abnorme orelha direita acometida de elefantíase, característica da imagem que dele costumamos publicar. Ironia, pessoal, ironia. A apontar uma das especialidades do personagem, a escuta telefônica.

Seria como se, digamos, vestissem o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira com trajes de aeromoça. (O computador faz milagres.) Não passaria de lance irônico, para acentuar o fato inegável de que o professor exibe com freqüência um sorriso capaz de precipitar a inveja dessas prestativas ajudantes de vôo.

Apesar do sorriso, Bresser-Pereira sabe praticar o tom da invectiva. E na terça, 9 de agosto, assina na página 3 da Folha de S.Paulo texto veemente a invocar, sem mais delongas, o impeachment de Lula. O ex-ministro não é Joana D’Arc, ou Zinedine Zidane, para citar dois que ouvem a voz de Deus e executam Suas ordens. Bresser-Pereira ouve é a voz da sociedade civil. A qual, segundo entende, clama por justiça pronta e imediata.

Didático, o articulista ensina que a sociedade civil habita as redações ‘de uma mídia livre e atuante’, empenhada em divulgar a ‘corrupção generalizada em que se envolveu a cúpula do governo e do PT’. É uma visão bastante peculiar.

A mídia livre e atuante, além de estar financeiramente quebrada, é exatamente a mesma que apoiou o golpe de 1964 e o golpe dentro do golpe de 1968. E se entregou, sem maiores resistências e com raras exceções, à autocensura durante a ditadura. E lutou contra a campanha das Diretas Já. E promoveu Collor para impedir a vitória do Sapo Barbudo. E fez de Fernando Henrique Cardoso o demiurgo dos conservadores do Brasil com o mesmo intuito. E celebrou o engodo eleitoral de 1999 e a quebradeira que se seguiu.

Não foi capaz, porém, de evitar a ascensão de Lula em 2002. Na ocasião, a sociedade civil não se deixou manipular e pela primeira vez na história do País ganhou, de fato, o candidato da oposição. Bresser-Pereira sabe disso, ou pelo menos sabia. Não recusou, contudo, papéis importantes nos governos de José Sarney e FHC.

Mandava naquele o ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, recordista em distribuição de benesses sob a forma de concessões de tevês e rádios a parlamentares de todos os calibres. Liderava o ‘centrão’ Robertão Cardoso Alves, franciscano convicto na certeza de que é ‘dando que se recebe’.

Quanto ao governo fernandista, o segundo mandato foi comprado por um ‘propinão’ mais lauto que o ‘mensalão’ e o caixa 2 funcionou em pleitos diversos, conforme se apura nestes dias. Não é que Bresser-Pereira esteja isolado, a invocação do impeachment já partiu de outros cantos, até de jornalistas da mídia livre e atuante.

De todo modo, neste momento comparar Lula com Collor é impossível. A CPI da corrupção collorida, é bom lembrar, acabaria em pizza não fossem os documentos trazidos pelo motorista Eriberto. Faltavam provas, e ele as apresentou. Provas contra Lula, até agora, não há, de sorte que reclamar impedimento não somente significa desconhecimento de um fundamento do Direito, mas também configura a hipocrisia do adversário político açodado.’



Painel do Leitor, FSP

‘A oposição’, copyright Folha de S. Paulo, 15/08/05

‘‘No artigo de ontem intitulado ‘O tucano quer o golpe do andar de cima’, Elio Gaspari analisa magnificamente o golpismo social tucano. Parabéns! Sinto-me de alma lavada.’ Terezinha F. de Godoy Cervantes (Campinas, SP)’



MAINARDI vs. NASSIF
Luís Nassif

‘O caso Mainardi’, copyright Folha de S. Paulo, 16/08/05

‘Em relação à coluna de Diogo Mainardi na ‘Veja’:

1) A Agência Dinheiro Vivo é minha e existe há 17 anos. Tem newsletter, site, um caderno de finanças pessoais com cerca de 100 mil exemplares, serviço em tempo real, programa de televisão, além de promover seminários sobre temas brasileiros e editar newsletters para terceiros.

2) Suas fontes de receita são assinaturas, publicidade e patrocínios. Todos os contratos são públicos, com menção ao patrocinador. Neste ano, a DV foi incluída pela DPZ no plano de mídia do BNDES, ao lado de dezenas de veículos de todos os tamanhos e de todas as partes do país -jornais, revistas, sites, rádio e TV, que têm como foco o cliente empresarial. Foi apenas um mês de patrocínio.

3) Nos últimos três anos, não escrevi uma coluna sequer sobre o anunciante do site, que, segundo Mainardi, teria merecido um panegírico de minha parte. É só conferir o arquivo da Folha que está disponível na internet.

4) Acusa-me de ter copiado um texto da internet, de Luiz Demarco -inimigo de Dantas e que o está processando, entre outras coisas, por apropriação de e-mails-, pelo fato de ter incorrido no mesmo erro de grafia do nome de um executivo da Portugal Telecom. Assim como jornalistas da Folha, da ‘Veja’, do ‘Globo’, da ‘Carta Capital’, recebo periodicamente e-mails de Demarco. Nessa coluna, em especial, utilizei informações enviadas por ele, mas por meio de um e-mail pessoal, não de uma lista. As informações foram checadas por mim em entrevista com o próprio executivo da Portugal Telecom, não foram rebatidas pelo Opportunity, e a coluna saiu na frente com elas. Se Mainardi tem o e-mail pessoal, seria interessante sua fonte revelar como o obteve.

5) Além de não ser verdade, também não tem lógica o argumento de que defendi o investimento da Telemar na empresa do filho de Lula e critiquei o Opportunity pelo fato de o BNDES ser sócio da Telemar, que é ‘adversária de Dantas’. O BNDES não participa do bloco de controle e não tem nenhuma ingerência nas decisões de investimento da Telemar. Pelo contrário, o Opportunity é sócio no capital e em muitos negócios da Telemar, alguns profundamente nebulosos.

6) Mainardi é um dos inúmeros personagens parajornalísticos que existem na mídia. Não são jornalistas, não se assumem como tal, seu papel é provocar e divertir. Em quase todas as publicações, há limites a serem obedecidos pelos showmen, de deixar clara a galhofa, de não enveredar pelo caminho da injúria e da difamação. Os riscos de ultrapassar esses limites não são apenas para as vítimas, mas para as próprias publicações. Daí a necessidade de filtros que impeçam as extrapolações.

7) Explico na prática. Há duas semanas chamei a atenção da CPI para o fato de que a maior parte do dinheiro das agências de Marcos Valério (e de Duda Mendonça) provinha de contratos de publicidade com empresas de Daniel Dantas. O banqueiro manifestou sua irritação, inclusive em cartas à Folha. Na mesma edição em que Mainardi me ataca e também procura vitimizar Dantas, há duas notas no ‘Radar’ que atacam os fundos de pensão pelos gastos com advogados (contratados para defendê-los de Daniel Dantas) e um encarte publicitário de seis páginas da Telemig Celular e da Amazônia Celular -que chama a atenção pelo fato de empresas de atuação regional gastarem pesadamente em uma publicação de circulação nacional, ambas serem controladas por Daniel Dantas e a veiculação ter sido exclusiva na ‘Veja’.

8) O que me impede de estabelecer uma correlação entre os três eventos e supor que estou sendo vítima de uma armação para tentar anular críticas que venho fazendo ao Opportunity? Apenas uma coisa: o de trabalhar dentro de princípios jornalísticos, cujo fim Mainardi decreta em sua última crônica. E esses princípios me indicam que o episódio em questão parece muito mais um caso de falta de gestão editorial da revista sobre seus colaboradores do que uma armação.

Site

O site da Dinheiro Vivo ficou fora do ar ontem devido à ação de hackers, em razão da coluna de Mainardi.’



Diogo Mainardi

‘Chega de ética, Nassif’, copyright Veja, 17/08/05

‘Sou um conspirador. Um conspirador da elite. Quero derrubar Lula. Só não quero ter muito trabalho. Quero derrubar Lula sem sair de casa. Quase deu certo na semana passada. Telefonei para o deputado José Janene. Ele reconheceu que José Dirceu comandou o esquema de compra de deputados por parte do governo. Foi a primeira vez que um dos envolvidos nas denúncias do mensalão acusou o Palácio do Planalto de distribuir dinheiro sujo a parlamentares. Janene pediu que eu publicasse a notícia em off, sem citá-lo. Não aceitei. Não sou padre, que ouve confissão calado. Dedurei Janene. O Jornal Nacional procurou-o na segunda-feira, para confirmar o conteúdo da entrevista. Janene preferiu não se manifestar. Como não gravei nossa conversa, o assunto morreu. O maior sucesso de minha atividade como conspirador falhou miseravelmente. Decidi começar a gravar meus telefonemas. Virei o Juruna da imprensa. Gravo tudo no aparelho de karaokê de meu filho. Quero derrubar Lula, mas só vale se for desse jeito: sem sair de casa e com o karaokê da Chicco. Derrubar Lula de qualquer outra maneira seria conferir-lhe um crédito exagerado.

O deputado Janene reprovou minha atitude. Disse que quebrei o código de ética do jornalismo. Outra autoridade em matéria de ética, que se sentiu no direito de me passar um pito, foi Luis Nassif, colunista de economia da Folha de S.Paulo. Ele escreveu: ‘Para combater a falta de escrúpulos do governo, agora, chega-se a atropelar até valores sagrados da imprensa, como o instituto do off the record. Em uma coluna, em revista de larga circulação, o autor se vangloria de ter passado a perna em um deputado, prometendo-lhe manter uma declaração em off e não cumprindo a promessa’. Isso foi publicado na última quinta-feira. Na quinta-feira da semana anterior, Nassif deu um perfeito exemplo de ética jornalística. Num artigo sobre Daniel Dantas, ele reproduziu palavra por palavra, sem citar o autor, uma mensagem enviada a diversos jornalistas por Luiz Roberto Demarco. Demarco não é o que se poderia definir como uma fonte isenta. Pelo contrário: ele está processando Dantas na Justiça, numa ação bilionária. Como se pode notar, Nassif é um jornalista ético, que sabe preservar suas fontes. Ele é tão cioso de sua responsabilidade que decidiu copiar até mesmo os erros de grafia da mensagem original de Demarco, como o nome do presidente da Portugal Telecom no Brasil, Shakhaf Wine, chamado por ambos de Shakaf Wine.

Além da coluna na Folha de S.Paulo, Nassif tem também um site de notícias, que foi financiado com empréstimos do BNDES. Um dos patrocinadores do site é o próprio BNDES, coincidentemente o maior acionista da Telemar, concorrente direta de Dantas. Não surpreende que um paladino da ética como Nassif tenha defendido a compra, por parte da Telemar, da produtora de fundo de quintal do filho de Lula, Fábio Luís. Outro importante patrocinador do site de Nassif é a Odebrecht, cujo fundador mereceu um panegírico apaixonado numa coluna recente. Nassif me deu uma lição de ética. Janene me deu uma lição de ética. Lula afirmou que não existe ninguém mais ético do que ele. Eu não aceito lição dessa gente. O Brasil tem off demais. Tudo o que se faz aqui é em off. Esta não é a hora do off. É a hora de abrir o jogo, de contar tudo, de falar a verdade.’