Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo profissional domina redes sociais

O jornalismo profissional predominou entre os links compartilhados por usuários de redes sociais nas eleições de outubro.

É o que mostra levantamento feito pela Folha a partir de postagens com links no Facebook e no Twitter durante dez dias ao final do pleito brasileiro, quando as redes sociais registraram recordes de interações entre seus participantes.

Na amostra coletada pelo jornal, 61% dos compartilhamentos de links por usuários vieram de conteúdo publicado na mídia profissional –em jornais, portais, TVs, rádios, sites de notícias locais ou imprensa internacional.

Nos dois dias após a eleição, este índice sobe para mais de 70% dos links compartilhados.

“A gente pode dizer tranquilamente que, se não tem mídia, não tem mídia social”, afirma Luli Radfahrer, pesquisador da USP e colunista da Folha. Os debates nas redes, diz ele, surgem da cobertura profissional, como repercussão ou crítica. Ele observa, porém, que o papel da imprensa não se encerra mais ao publicar. “Não são mais donos do discurso; são quem inicia a conversa.”

Blogs sem produção jornalística profissional tiveram 4,2% dos compartilhamentos. Mais do que isso, quase um terço dos links compartilhados foi de textos ou imagens publicados originalmente em tuítes ou páginas do Facebook.

Nas eleições de 2014, houve uma profusão de sites de campanha feitos visando justamente ao compartilhamento nas redes sociais –como o “Muda Mais”, em apoio à petista Dilma Rousseff, e o site oficial do tucano Aécio Neves. Eles tiveram menos de 1% dos links publicados.

Ao longo da campanha, as candidaturas acusaram-se mutuamente de usar robôs (programas que publicam mensagens automaticamente, repetidas vezes) e militantes que usavam perfis múltiplos para inflar seu volume de interações nas redes.

Telefone sem fio

A proliferação de textos publicados originalmente em redes sociais diz respeito a outro fenômeno: a difusão do uso de dispositivos móveis, especialmente smartphones, para a leitura de informações.

Isso facilita tanto a rapidez da disseminação quanto o caráter informal do que se diz nas redes sociais.

“A velocidade de acesso é também a velocidade de circulação, e isso não é sempre positivo, como vimos com os boatos que circularam”, diz André Lemos, pesquisador de cibercultura na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

O verdadeiro telefone sem fio possibilitado por essas interações rápidas no celular fez crescerem boatos como o da suposta morte do doleiro Alberto Youssef. Um texto que correu pelo WhatsApp na madrugada do dia da eleição (26) dizia que o doleiro havia sido envenenado, numa “queima de arquivo”. Não foi.

Quando boatos se espalham, é também à imprensa profissional que se recorre para verificar a informação.

Quando recebeu o boato da morte de Youssef, às 11h05 da manhã do domingo de eleição, um leitor o enviou ao WhatsApp da Folha. O jornal já sabia que era mentira e preparava notícia. Ao ler a resposta de que o doleiro estava vivo, agradeceu: “Obrigado pela info. Muita fofoca na net”.

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Entenda como foi preparado o levantamento

Entre os dias 19 e 28 de outubro –uma semana antes e dois dias depois da eleição–, a Folha usou a ferramenta Wayin para coletar tuítes e postagens públicas do Facebook citando “Dilma”, “Aécio”, “eleição”, “eleições”, “debate”, “dilmabr”, “aecioneves” e “#debatenaglobo”.

Não foram os únicos termos usados nas redes, mas abrangem o que é claramente relacionado à eleição.

Separou-se o que tivesse links de conteúdo externo –cerca de quatro a cada dez das interações–, para análise direta das referências.

Estudar tudo o que foi dito seria impossível, dada a quantidade de variáveis envolvidas. Os estudos mais comuns no Brasil analisam interações em determinadas “hashtags”, marcações que permitem encontrar conteúdo relacionado a um assunto. Não analisam os links.

Excluídas as conversas sem links, restaram 46,3 mil tuítes originais e 27,3 mil postagens do Facebook. Nos tuítes, a ferramenta diz quantas vezes cada um foi replicado, multiplicando o alcance. Passa de um milhão de compartilhamentos.

Muitos dos links haviam sido encurtados para caber no compartilhamento. Foram abertos para serem analisados por origem. O resultado trouxe 6.815 domínios –só a Folha aparece com 27 diferentes–, classificados por origem e tipo.

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‘Redes facilitam a discussão e não a checagem’

Raquel Recuero, professora da Universidade Católica de Pelotas, pesquisa a dinâmica das interações nas redes sociais em questões polarizantes. Segundo ela, no espaço de diálogo das redes, cabe à imprensa filtrar informações.

Qual o papel do jornalismo nas redes sociais?

Raquel Recuero – A imprensa sempre trouxe informação para que as pessoas discutam. A rede social facilita a conversa entre pessoas. Elas podem inventar, mentir, não têm o compromisso da imprensa. Apurar é função do jornalismo. A guerra pelo clique prejudica a credibilidade. Nas eleições, há quem intencionalmente queira “queimar” os jornais.

Por que os boatos se espalham tão rápido?

R.R. – As pessoas compartilham até o que não é verdade. Nunca se precisou tanto de filtros. As pessoas buscam a imprensa para confirmar. O problema é quando os jornais erram; a internet não esquece.

Há diferença entre os papéis do Twitter e do Facebook?

R.R. – O Twitter é mais público, mais informativo. No Facebook, as pessoas discutem entre si e compartilham notícias para apoiar opiniões. É menos “olha que importante” e mais “olha como eu estou certo”. A responsabilidade esperada do jornalismo fica muito maior. Repetida, a matéria acaba dando base a discussões inflamadas. Qualquer coisinha potencializa uma revolta.

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Nos EUA, polarização orienta escolha das fontes de informação

Um estudo publicado nos Estados Unidos em outubro pelo Pew Research Center ouviu eleitores democratas e republicanos para ver como a polarização norte-americana se manifesta na escolha das fontes de informação.

Segundo o estudo, quase metade dos eleitores conservadores confiavam apenas na Fox News, emissora que deu apoio ao governo de George W. Bush, e tinham mais chance de conversar apenas com iguais do que os de centro-esquerda. Já estes tinham uma pauta de leitura mais variada e preferiam seguir grupos ligados a temas específicos e personalidades políticas.

O único meio de comunicação respeitado por todos os grupos era o “Wall Street Journal”, especializado em economia e finanças.

De acordo com a Pew, eram grupos de 40% mais exaltados conservadores e 30% dos mais empedernidos liberais que davam o tom dos debates sobre política –na prática, reforçando a polarização.

Em contraste, apenas 12% dos eleitores moderados –um grupo muito maior– influenciavam o debate.

Não há estudo semelhante no Brasil, mas pesquisadores brasileiros, como Raquel Recuero, produziram gráficos das interações entre usuários do Twitter, mostrando a alta concentração de interações entre participantes de perfis políticos semelhantes.

Ou seja: os simpatizantes de uma candidatura pouco dialogam com eleitores do partido adversário.

Embora o levantamento da Folha não tenha classificado os postadores por perfil, os entrevistados dizem que a polarização se reflete no material compartilhado pelos eleitores. Notícias sobre pesquisas eram postadas com voracidade pelos dois lados.

A Folha ouviu duas das leitoras que mais compartilhavam informações no Twitter, de pontos de vista opostos em relação à eleição, para saber como compartilham notícias.

Valéria Gondim, 52, eleitora de Aécio no Ceará, é leitora voraz de sites de notícias e compartilha muito do que lê. “Tenho a impressão de que as pessoas muitas vezes usam as notícias para informar os outros, trazendo credibilidade para aquilo que estão dizendo, e muitas vezes reforçar sua opinião.”

Já a blogueira Helena Stephanowitz, eleitora de Dilma em São Paulo, prefere ler e recomendar blogs e textos opinativos. “Geralmente eu busco o outro lado da notícia, lendo a mídia alternativa. Compartilho links com base na credibilidade do jornalista que assina. Na Folha, Janio de Freitas e Ricardo Melo são meus preferidos.”

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‘Redes ampliam necessidade do jornalismo’

Rosental Calmon Alves, professor de jornalismo na Universidade do Texas (EUA), vê simbiose entre as redes sociais e a imprensa.

Qual o papel do jornalismo nas redes?

Rosental Calmon Alves – Estamos conectados o tempo todo. A comunidade avisa quando há notícia importante. Na cacofonia das redes, o jornalismo é importante instância verificadora e explicadora. Você vai ao jornal tentar entender o que acontece e volta à rede para continuar conversando.

Por que os boatos se espalham tão rápido?

R.C.A. – Somos quase ciborgues, conectados 24 h por dia pelo smartphone. Boatos se espalham rápido e as pessoas buscam a imprensa para saber o que é verdade. Por isso é importante que os meios tomem o pulso da grande conversa das redes e exerçam seu papel de verificar. O perigo é quando o jornalista retransmite boatos. Espero que, como as pessoas conversam mais, entendam o papel esclarecedor da imprensa.

Como lhe pareceu o tom do debate digital?

R.C.A. – Nas redes, as pessoas tendem a só ouvir quem pensa como elas. É perigoso. Se você só fala com seus iguais, acaba espalhando boatos que espera serem verdade. Surpreendeu-me a radicalização no Facebook. Não sei se foi pela dinâmica da rede ou pela situação política. Às vezes se acha que o mundo virtual é diferente do real, mas um reflete o outro.