Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

WIKILEAKS
Luciana Coelho

Cerco a WikiLeaks leva a temor de censura

O documentarista Errol Morris tuitou nesta semana um lembrete tão controverso quanto precioso sobre o caso WikiLeaks.

Segundo ele, a divulgação dos Papéis do Pentágono, copiados em 1971 pelo analista militar Daniel Ellsberg para expor parte da sujeira americana no Vietnã, importou pouco pelo seu conteúdo.

O que mudaria o jogo dali para frente, diz, seria a reação do governo, que invadiu o consultório do psiquiatra dele para procurar provas que o desacreditassem.

Pode soar exagerado. Mas a questão para Morris, premiado por expor as prisões que os EUA mantinham no Iraque, e para outros ativistas e estudiosos ouvidos e lidos pela reportagem nesta semana, é tirar a lupa dos 250 mil telegramas diplomáticos vazados pelo WikiLeaks e colocá-la no ato em si e na reação contra ele.

‘O WikiLeaks apresentou a possibilidade de acesso a informações restritas como garantia de transparência e a efetivação do sistema de verificação, antes algo teórico’, escreveu à Folha a advogada e professora de direito Carolina Rossini, especialista em direito internacional e internet baseada na Califórnia.

‘Isso não é novo, mas foi incrivelmente potencializado pela internet, permitindo uma expansão da consciência de como política é feita. ‘ Na mão oposta do que tem acontecido no campo político, porém, nenhum dos especialistas consultados conseguiu se decidir por um veredicto ao WikiLeaks.

Tampouco a controversa figura de seu fundador, Julian Assange, é reverenciada ou criticada. Mas uma certeza há: ele dividiu a rede.

E isso, mais a reação do governo dos EUA aos vazamentos, tentando fechar o site e discutindo meios de indiciar o australiano, pode detonar uma mudança na forma como a informação flui.

ANTI-ANTI

‘Não estou preocupado se o WikiLeaks é bom ou ruim’, disse à Folha Ethan Zuckerman, fundador do Media Cloud e pesquisador no Centro Berkman para Internet e Sociedade, em Harvard.

‘Como diz um amigo, ‘eu não sei se eu sou pró WikiLeaks, eu sei que eu sou anti-anti-Wikileaks’, afirmou.

A reação do governo até agora só bordejou o oficial: pressão sobre sites de empresas como a Mastercard e a PayPal, que recolhiam doações para a ONG, e telefonemas para a Amazon deixar de hospedar o site.

O Departamento de Justiça estuda formas pelas quais pode acusar Assange e solicitar sua extradição (ele está detido em Londres, a pedido da Suécia, por suspeita de crimes sexuais).

O temor dos ativistas e especialistas é que uma ação contra ele abra um precedente que restrinja a circulação de informações na rede.

‘Acho que parte dessa reação são os governos do mundo admitindo que a internet está fora de seu controle e dizendo que farão tudo agora para colocá-la sob controle’, afirmou à Folha David Weinberger, um pesquisador associado ao Departamento de Estado, ressaltando que não fala pelo departamento.

O analista afirma que o caso do WikiLeaks pode servir como a justificativa que Washington já vinha buscando para uma legislação internacional comum e mais rígida.

Weinberger, que faz parte de um grupo sobre ‘e-diplomacia’, acha ainda que os esforços por maior transparência e circulação de informações serão revertidos.

Molly Sauter, uma pesquisadora do ativismo hacker no mesmo Centro Berkman, afirmou à Folha que a maior falha no caso é do próprio governo americano -uma opinião com eco forte.

‘A solução agora não é criminalizar a publicação de dados por jornais ou outros sites, a solução é consertar o problema de segurança no próprio sistema’, afirmou a pesquisadora.

‘Porque só o fato de isso ter acontecido mostra que eles estão patinando.’ Para Sauter, é preciso mudanças técnicas e de mentalidade.

 

Ato por soltura de Assange atrai 400 na Espanha

Cerca de 400 pessoas participaram ontem de manifestações pela libertação do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, em Madri e Barcelona. Assange está preso em Londres desde terça acusado de ter cometido crimes sexuais na Suécia. Na capital da Espanha, cerca de 200 manifestantes pediam sua soltura em meio a cartazes dizendo ‘Libertem Assange! WikiLeaks por liberdade e a verdade’. Outros 200 se reuniram em Barcelona.

SÃO PAULO

Em São Paulo, cerca de 30 pessoas protestaram diante do Consulado Geral Britânico. O ato foi organizado por blogs e redes. ‘O ato é para que as autoridades saibam que há pessoas aqui apoiando o Assange’, disse a estudante Kainara Ferreira, 18.

Colaborou DIOGO BERCITO, de São Paulo

 

‘Vazamentos são inevitáveis na era digital’

Ethan Zuckerman é um pioneiro da internet 2.0. Criador de projetos como o Global Voices e o Media Cloud, ambos com a meta de melhorar o fluxo de informação na rede, conhece Julian Assange desde 2008. Embora declare não querer julgar os propósitos do WikiLeaks por ora, Zuckerman se diz ‘chocado’ com a reação no governo americano, que, a seu ver, deixará a vida de gente como ele bem mais difícil.

Folha – O que se pode esperar do governo americano agora?

Ethan Zuckerman – A reação até agora foi de pânico, descuidada e muito perigosa. Para quem vê a internet como espaço público, é um lembrete de que ele é conduzido por empresas privadas.

A Primeira Emenda impede o Congresso de restringir a liberdade de expressão, mas as empresas podem fazê-lo ao recusar serviço a quem quiserem.

É perturbador que uma empresa como a Amazon, sob pressão, ceda e deixe de postar conteúdo delicado.

Já para o governo americano, a maior consequência é para a defesa do Departamento de Estado à liberdade de acesso pelo mundo. Que credibilidade vamos ter com a China ou o Vietnã?

Você reclamou que, com esse episódio, a vida de quem defende a livre informação na rede ficará mais difícil. O WikiLeaks ou a reação do governo é um empecilho?

Vou dissociar as duas coisas. O vazamento de segredos era inevitável, é algo da era digital. Vazar 250 mil documentos não exige mais uma multidão de máquinas xerox nem um caminhão.

O governo americano achou que a mudança trazida na comunicação pela internet não o afetaria?

É embaraçoso para o Departamento da Defesa. Pensaram que as consequências para um indivíduo que vazasse seriam tão graves que esqueceram que, quando você tem 3 milhões de pessoas com acesso, é mais fácil alguém quebrar a regra.

Você espera uma maior limitação da internet ou que os EUA busquem apoio externo para isso?

A reação aqui foi exagerada. O governo não tinha um meio legal para exigir que as pessoas fechassem a porta ao WikiLeaks, então pressionaram [as empresas].

E aí o WikiLeaks migrou para a Europa, onde a pressão é menos efetiva, pois se exige provas de que [o que o site faz] viola a lei.

O que parece agora é que os EUA vão tentar arrumar um meio de denunciar Assange e pedir sua extradição. Se conseguirem, isso nos dará pistas sobre como agirão no futuro em outros casos.

Isso abre um precedente delicado. Onde traçar o limite?

Pois é. Há gente no governo estudando como acusá-lo. Não sei se é uma boa ideia [para o governo], nem sei se as acusações vão colar, mas acho que vão insistir.

Que lição você gostaria que o governo tirasse?

A questão maior é como essa informação vazou, e não o fato de ela parar no WikiLeaks. A segunda lição é que uma vez que vazou, não há como recuperá-la. Qualquer tentativa só aumentará o interesse pelo material.

 

Juliana Rocha

Brasil blinda despachos, mas há brechas

Se tivesse um sistema como o do Brasil, os documentos secretos da diplomacia americana provavelmente não teriam sido roubados por um soldado de 22 anos e divulgados no site WikiLeaks.

Não quer dizer que telegramas brasileiros não possam vir a público, mas seu vazamento depende de funcionários do Itamaraty ou da Presidência da República.

Para blindar a correspondência oficial, os textos do Ministério das Relações Exteriores são classificados como ostensivo, reservado, confidencial ou secreto.

Na Abin (Agência Brasileira de Inteligência), há ainda os ‘ultrassecretos’. Quanto mais alto o cargo do diplomata ou do servidor público, mais sigilosas são as informações a que têm acesso.

Os telegramas são postados em um sistema interno do Itamaraty, como uma intranet. Os diplomatas precisam de uma senha (que fica gravada) para acessá-los. Se as informações vazarem, o ministério pode rastrear os funcionários que leram o documento.

Textos muito sensíveis também são criptografados.

O Itamaraty avalia que o sistema do governo brasileiro de troca de informações é muito seguro do ponto de vista tecnológico, mas admite que os funcionários com acesso a dados sensíveis poderiam divulgar o conteúdo.

O volume de telegramas brasileiros vem aumentando. Neste ano, até 9 de dezembro, foram trocadas 322 mil correspondências.

Em todo o ano de 2003, foram 198 mil. Esse é um efeito do aumento do número de embaixadas brasileiras pelo mundo e da maior participação do país em assuntos internacionais.

WIKILEAKS

Um diplomata ouvido pela Folha comentou que o episódio do WikiLeaks deverá provocar mudanças nos procedimentos dos EUA.

Como consequência do 11 de Setembro, o país adota mecanismos de controle muito fracos: para evitar novos ataques, as informações se tornaram mais acessíveis.

Embora a legislação brasileira que trata de documentos secretos esteja sofrendo mudanças no Congresso, as medidas de segurança não devem aumentar nas correspondências diplomáticas.

Por exemplo, diplomatas brasileiros não vão deixar de usar nomes de suas fontes nos comunicados.

A principal mudança na lei, já aprovada na Câmara, dispõe que dados mais sensíveis não poderão mais ser sigilosos para sempre, mas por no máximo 50 anos (25 anos renováveis por mais 25).

A divulgação de nomes de pessoas com quem as embaixadas americanas conversaram foi um constrangimento para Washington com o vazamento no WikiLeaks.

 

ACESSO À INFORMAÇÃO
Vincent Defourny

O direito à informação na ordem do dia

Na sua sessão inaugural, em 1946, a Assembleia Geral da ONU adotou a resolução nº 59 (I), que explicitou: ‘A liberdade de informação é um direito humano fundamental e alicerce de todas as liberdades às quais estão consagradas as Nações Unidas’.

Esta afirmação das nações que haviam acabado de passar por um dos períodos de maiores violações de direitos da história humana veio a pavimentar uma firme determinação das democracias no sentido de proteger, garantir e promover o direito à expressão e à informação. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19), dentre outros documentos internacionais que se seguiram, reafirmou, solidamente, essa agenda.

Celebrar o direito à informação na semana em que comemoramos o 62º aniversário da Declaração Universal é, portanto, retomar a relevância do direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias para o conjunto dos direitos expressos no documento.

O próprio preâmbulo do texto de 1948 salienta que a ‘compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso’-o que, é claro, não é possível sem a garantia do pleno direito à informação.

Hoje, mais de 80 nações definiram, por meio de legislação específica, as regras do jogo para a adequada garantia do direito à informação. A demanda por tal direito era (e é) uma forte ilustração da sua pertinência. Em poucos anos de funcionamento da lei de acesso, 500 mil tailandeses, por exemplo, fizeram uso desse direito.

Nos EUA, em 2000, 2 milhões de solicitações de acesso foram protocoladas. Na Índia, comunidades locais conseguiram demonstrar, pelo direito à informação, que os recursos destinados a elas estavam sendo continuamente desviados. O Brasil tem dado passos concretos para fortalecer os princípios do artigo 19 da Declaração Universal.

O recente aprofundamento do debate em torno de novo marco regulatório para as comunicações, com vistas a proteger o pluralismo, a diversidade e a independência da mídia; a firme decisão da Controladoria-Geral da União de construir as bases de uma robusta política de acesso a informações públicas; a aprovação, pela Câmara, de um projeto de Lei Geral de Acesso à Informação são alguns desses passos.

A exposição de motivos que apresentou o projeto dessa lei ao presidente da República, subscrita por nove ministros de Estado, não deixa dúvidas sobre o caminho que o Brasil pretende trilhar.

Dizem os ministros: ‘Cumpre notar que o tratamento do direito de acesso à informação como direito fundamental é um dos requisitos para que o Brasil aprofunde a democracia participativa, em que não haja obstáculos indevidos à difusão das informações públicas e à sua apropriação pelos cidadãos’.

Em palestra proferida no dia 1/ 4/2009, na abertura do Seminário sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, deixou clara sua preocupação com a ‘abismal’ assimetria informacional entre o Estado e os cidadãos. Para ela, a regulamentação do direito à informação era uma das formas de corrigir essa ‘dívida’. Entendemos da mesma forma.

Esperamos poder celebrar, em breve, a aprovação, pelo Congresso brasileiro, do projeto de lei que lá está em debate.

A Unesco, portanto, continua ofertando seus melhores esforços de cooperação internacional para a plena realização dos direitos humanos, a fim de rumarmos céleres para nos tornarmos verdadeiras sociedades do conhecimento.

VINCENT DEFOURNY, doutor em comunicação, é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil.

 

PESQUISA
Executivos leem notícia em sites de jornal

Seis em cada dez empresários e executivos que se informam pela internet costumam ler as notícias nos sites de jornais e de revistas.

Entre os que têm o hábito de ler jornais pela internet, a frequência é diária.

É o que revela a pesquisa Credibilidade da Mídia Espontânea, realizada pela CDN Estudos & Pesquisa, entre 1º e 28 de outubro.

A Folha é o veículo de maior credibilidade do país quando o assunto é a busca de informações sobre negócios e mercados, aponta o levantamento. O jornal foi escolhido como o mais confiável por 23% dos 500 empresários e executivos de São Paulo e do Rio que foram entrevistados. Em pesquisa feita há dois anos, 16% haviam dado a mesma resposta.

Os profissionais que apontaram a Folha como o mais confiável nesse quesito são em sua maioria homens com idade entre 30 e 49 anos. Atuam em empresas de grande porte, principalmente nos setores de serviços e de comércio, sendo que 39% deles ocupam cargos de gerência.

Entre os entrevistados, 57% afirmaram que costumam tomar decisões de mercado tendo como base as notícias que leem nos jornais e nas revistas. Tradição, seriedade e integridade são citadas como principais fatores de credibilidade do jornal.

O levantamento permite identificar os fatores de credibilidade dos diferentes tipos de mídia espontânea em relação à mídia publicitária, a importância relativa de cada um e como públicos estratégicos explicam escolhas, hábitos e preferências quanto à informação confiável.

NA INTERNET

O UOL, do Grupo Folha, é considerado o site mais confiável quando o assunto é a busca de informações sobre negócios e mercados, com 20% das respostas de 500 executivos de São Paulo e do Rio. Em seguida estão Terra (15%) e G1 (9%).

A média mensal de visitantes únicos ao UOL foi de 28,78 milhões de pessoas no período de fevereiro a outubro deste ano, segundo dados da comScore, consultoria especializada em acompanhar os acessos a veículos on-line. Em segundo lugar no ranking dos mais acessados está o Globo.com, com 22,65 milhões.

Entre os dois principais fatores citados para a busca de informações pela internet (quando o assunto é negócios e mercado), os executivos apontaram a rapidez de acesso à notícia e o fato de a informação ser transmitida em tempo real.

O UOL também alcançou a liderança no quesito hábito de acesso, com 42% das respostas dadas de forma espontânea por executivos.

A Folha Online (que passou a se chamar Folha.com, após o processo de integração entre as Redações do jornal e da equipe on-line) aparece em sexto no ranking, com 6%. No total, 11 sites e portais foram citados.

‘O conteúdo gerado pelo jornal é lido em diversas plataformas. Os executivos ampliaram a forma de buscar informação, seja acessando o portal UOL, a Folha Online ou lendo o próprio jornal’, afirma a socióloga Cristina Panella, diretora-geral da CDN Estudos & Pesquisa.

 

TELEVISÃO
Keila Jimenez

Não basta rebolar, tem de ser linda e também pensar

Como é dura a vida da bailarina. Bom, na TV também é. Não basta saber dançar. Para fazer parte do balé de um programa da Globo, do SBT e da Record, é preciso ser linda e um ser pensante. Sim, por incrível que pareça, é um dos requisitos do ‘Domingão do Faustão’ (Globo).

‘Dançar se aprende, mas ficar linda é difícil’, diz Rafaella Viscardi, coreógrafa do ‘Programa do Gugu’ (Record), em que, das 12 meninas do grupo, só uma tem formação em dança.

Cabelo comprido também é quase obrigatório.

‘99,99% das meninas têm’, diz Sylvio Lemgruber, coreógrafo do ‘Domingão do Faustão’ há 13 anos. Já corpo bonito é imprescindível. ‘Ainda mais com a TV HD’, afirma Lemgruber.

A ‘caça’ às meninas perfeitas para a TV é feita em academias, festivais de dança, testes e agências de modelos. Além da busca dos coreógrafos e da produção dos programas, professores e as próprias candidatas contatam as emissoras.

Para escolher uma nova integrante para o grupo de 25 bailarinas do Faustão, Lemgruber avalia fotos, conhecimentos de dança, faz testes de vídeo e analisa o currículo universitário.

‘O Fausto volta e meia conversa com as meninas no ar. Se for oca, não tem nem como começar.’

No SBT, as 15 bailarinas do ‘Programa Silvio Santos’ têm formação em balé clássico. Contratadas da emissora, elas atendem a outros programas e recebem R$ 1.500 mensais para gravar em média cinco dias por semana.

Na Globo, por dois dias de ensaio e uma média de quatro horas de programa ao vivo aos domingos, uma bailarina do Faustão chega a receber R$ 5.000 mensais.

Nos ensaios de programas ao vivo, o foco é em grupos de coreografias básicas, que servem para vários estilos de música.

Tudo porque, ao vivo, é preciso dançar um pouquinho antes de a música começar para a câmera não focalizar as meninas paradas. E nunca se sabe qual música vai tocar. Uma das bailarinas, escolhida como líder, é quem arrisca a coreografia da vez.

A vida útil de uma dançarina de TV é variável. No programa do Faustão, em que a média de idade das garotas é de 22 anos, elas passam em média seis anos.

Já no SBT, no qual a média de idade é de 25 anos, as bailarinas ficam até oito anos no grupo. Os motivos de trocas são inúmeros. ‘Elas saem para ser assistentes de palco, atrizes, estudar, ter filhos. É incomum despedirmos alguém, a não ser que a menina vire um botijão’, conta Lemgruber.

SANTINHOS DO PAU OCO

Claudia Raia, a diretora de ‘Ti Ti Ti’ Maria de Médicis e Marcos Frota fazem graça nos intervalos de gravação externa da novela das 19h da Globo

Troféu A equipe paulista do canal Sportv conquistou quatro dos cinco prêmios da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo) na categoria TV fechada. Serão premiados o narrador Milton Leite, o comentarista Maurício Noriega, o repórter Carlos Cereto e a produção do Sportv. Milton Leite também levará o troféu de bronze na categoria narrador na TV aberta, pelo seu trabalho na Globo. O primeiro lugar na categoria ficou com Cleber Machado. A premiação será amanhã, no Esporte Clube Sírio, em São Paulo.

Holerite A Record não sabe onde encaixar todos os ex-fazendeiros. ‘A Fazenda’ termina no dia 21, mas todos os participantes, até os ainda confinados, estão pedindo emprego por lá. Monique Evans quer um quadro em um dos dominicais. Sergio Mallandro e Nany People também. Sergio Abreu quer fazer novela. Já a direção da Record está preocupada com o ‘Programa do Gugu’, que está quase 50% calçado em ‘A Fazenda’, explorando sempre o eliminado da semana. Sem o reality, abre-se um buraco de quase duas horas na atração.

com SAMIA MAZZUCCO

 

Laura Mattos

80 anos, 80 histórias

‘Havendo saúde, boa vontade, perseverança, qualquer ser humano consegue, se não 100% do que almeja, pelo menos 60%, 70%. Foi assim que surgiu o Silvio Santos e é assim que outros Silvio Santos poderão surgir.’

O trecho faz parte de um artigo que Silvio Santos escreveu para a Folha em 1989, quando concorreu à Presidência da República.

Neste domingo, o empresário e apresentador comemora, em Orlando (EUA), seu aniversário de 80 anos. Mas logo retomará as gravações no SBT, justamente porque nenhum outro Silvio Santos surgiu para substitui-lo.

E não é só para jogar aviõezinhos para a plateia. Silvio segue sendo a base da imagem do SBT, além de centralizar as decisões da emissora e de suas outras 33 empresas.

Com a recente crise de seu banco, PanAmericano, ficou clara a diferença que sua presença ainda faz aos negócios.

Em razão de uma fraude, negociou pessoalmente um empréstimo de R$ 2,5 bilhões, deu todo o conglomerado, SBT inclusive, como garantia e saiu do episódio com imagem de herói. Teve de adiar a aposentadoria.

E em tempos de iPad, YouTube etc., a TV dos velhos tempos, a última feita por uma estrela da era do rádio, ganha sobrevida no Brasil.

 

Vanessa Barbara

Miolos! Miolos!

COM MUITA flechada no olho e crânios trucidados por picaretas, terminou nesta semana a primeira temporada da série americana ‘The Walking Dead’ (Fox, ter., às 22h, 16 anos). O roteiro é baseado nos quadrinhos de Robert Kirkman e versa sobre o apocalipse zumbi.

Havia grande expectativa em torno da atração, já que os seis primeiros episódios foram adaptados para a TV pelo cineasta Frank Darabont (‘Um Sonho de Liberdade’), que também dirigiu o piloto de 90 minutos de duração.

Além disso, no Brasil, a Fox se comprometeu a exibir os episódios inéditos com apenas dois dias de atraso, mas, talvez para compensar o excesso de zelo e respeito ao espectador, resolveu cortar 12 minutos do original.

A história fala de um grupo de pessoas que sobreviveu ao holocausto zumbi, quando o mundo foi infestado por esses seres putrefatos e sedentos de carne humana. Ao longo da trama, os protagonistas lidam com seus dramas pessoais e tentam resistir aos ataques dessa gente sem tronco ou nariz.

A série tem uma fotografia digna de cinema, massacres divertidos e cenas impressionantes: de cara, um policial de chapéu entra na cidade a cavalo, de forma quase apoteótica, não fosse pela horda de presuntos prestes a emboscá-lo.

Aqui e ali, há grandes achados, como o entregador de pizzas que é também um estrategista nato, a inesperada intervenção de uma avó e, por fim, o asilo que vira bunker da resistência.

Alguns diálogos e caracterizações fracas atrapalham, bem como as semelhanças com a série ‘Lost’.

Exemplos: as cenas de sobrevivência na selva, a trilha sonora pontuando expedições desesperadas e os vídeos caseiros de um homem misterioso dentro de uma instalação programada para explodir.

Em ‘The Walking Dead’, que até agora é mediana, falta uma coisa: amor zumbi.

Falta promover uma temporada só de mortos-vivos, centrada nos dilemas éticos da horda, no cotidiano do zumbi do posto de gasolina, nas trapalhadas da menina sem tronco.

Falta investir em números musicais com dançarinos defuntos ou em dramas de tribunal envolvendo vilões necrófilos.

Um ‘CSI’ de zumbis, um ‘Gilmore Girls’ com gente finada e um programa de culinária só para amantes de miolos. A conferir.

 

INTERNET
Malcolm Gladwell

A revolução não será tuitada

RESUMO

O ativismo em redes sociais como o Facebook e o Twitter deriva de vínculos fracos entre seus participantes, que não correm riscos reais como os militantes tradicionais, unidos por vínculos fortes, em ações hierarquizadas e de alto risco, tais como as organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos EUA dos anos 60.

tradução PAULO MIGLIACCI

ÀS QUATRO E MEIA da tarde da segunda-feira 1º/2/1960, quatro universitários se sentaram ao balcão da lanchonete de uma loja Woolworth’s no centro de Greensboro, na Carolina do Norte. Eram calouros na North Carolina A&T, faculdade para negros localizada a pouco mais de 1 km dali.

‘Um café, por favor’, disse um deles, Ezell Blair, à garçonete.

‘Não atendemos crioulos aqui’, ela respondeu.

O comprido balcão em L comportava 66 pessoas sentadas; numa das pontas, comia-se de pé. Os assentos eram para os brancos. A área onde se comia de pé era para os negros. Outra funcionária, uma negra encarregada da estufa, tentou convencê-los a sair: ‘Vocês estão sendo burros, seus ignorantes!’. Eles não se mexeram.

Por volta das cinco e meia as portas principais da loja foram fechadas. Os quatro continuaram lá. Por fim, saíram por uma porta lateral. Do lado de fora, formara-se uma pequena multidão, incluindo um fotógrafo do jornal ‘Record’, de Grensboro. ‘Volto amanhã, com o A&T College inteiro’, disse um dos universitários.

Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo somava 27 homens e quatro mulheres, em grande parte do mesmo alojamento dos quatro manifestantes originais. Os homens estavam de terno e gravata. Todos levaram material e ficaram no balcão, estudando. Na quarta, veio a adesão dos alunos do colégio ‘para crioulos’ de Greensboro, a Dudley High, e o número de manifestantes subiu a 80. Na quinta, já eram 300, incluindo três brancas, do campus local da Universidade da Carolina do Norte.

No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas calçadas em torno da loja. Adolescentes brancos assistiam, acenando com bandeiras da Confederação.1 Alguém soltou um rojão. Ao meio-dia, chegou o time de futebol americano da A&T. ‘Lá vêm os baderneiros’, berrou um dos estudantes brancos.

Na segunda seguinte, o protesto já havia chegado a Winston-Salem, a 40 km dali, e Durham, a 80 km. No dia seguinte, veio a adesão dos alunos do Fayetteville State Teachers College e do Johnson C. Smith College, em Charlotte, seguidos, na quarta, pelos alunos do St. Augustine’s College e da Universidade Shaw, em Raleigh. Na quinta e na sexta, o protesto atravessou as divisas do Estado e novas manifestações surgiram em Hampton e Portsmouth, na Virgínia; em Rock Hill, na Carolina do Sul; e em Chattanooga, no Tennessee. No final do mês, manifestações semelhantes estavam sendo realizadas em todo o sul dos Estados Unidos, chegando até o Texas, no oeste.

FEBRE ‘Perguntei a cada um dos estudantes que encontrei como tinha sido o primeiro dia de protesto em seu campus’, escreveu o cientista político Michael Waltzer ?em artigo na revista ‘Dissent’. ‘A resposta foi sempre a mesma: ‘Foi uma febre. Todo mundo queria participar’.’

Por fim, cerca de 70 mil estudantes aderiram. Milhares deles foram detidos, e outros tantos se radicalizavam. Esses acontecimentos do começo dos anos 60 se tornaram uma guerra dos direitos civis que engolfou o sul dos Estados Unidos até o final da década -e tudo aconteceu sem e-mail, mensagens de texto, Facebook ou Twitter.

Dizem que o mundo passa por uma revolução. As novas ferramentas de redes sociais reinventaram o ativismo social. Com Facebook, Twitter e que tais, a relação tradicional entre autoridade política e vontade popular foi invertida, o que facilita a colaboração mútua e a organização dos desprovidos de poder e dá voz às suas preocupações.

REVOLUÇÃO VIA TWITTER Quando 10 mil pessoas saíram às ruas na Moldova, no leste europeu, segundo trimestre de 2009, em protesto contra o governo comunista, a ação ganhou o nome de revolução via Twitter, por causa dos meios utilizados para arregimentar os manifestantes.

Meses depois, quando protestos estudantis abalaram Teerã, o Departamento de Estado americano tomou a providência inusual de solicitar ao Twitter que suspendesse uma pausa programada para manutenção do site, pois o governo não desejava que uma ferramenta tão vital estivesse inativa no auge das manifestações. ‘Sem o Twitter, o povo do Irã não se teria sentido capaz e confiante o bastante para sair em defesa da liberdade e da democracia’, escreveu o ex-assessor de segurança nacional Mark Pfeifle, clamando para que o Twitter ganhasse o Prêmio Nobel da Paz.

Se antes os ativistas eram definidos por suas causas, agora são definidos pelas ferramentas que empregam. Os guerreiros do Facebook entram na internet para pressionar por mudanças. ‘Vocês são a nossa grande esperança’, disse James Glassman, ex-alto funcionário do Departamento de Estado, a uma plateia de ciberativistas em recente conferência patrocinada por Facebook, AT&T (companhia telefônica), Howcast (site de vídeos), MTV e Google.

Sites como o Facebook, disse Glassman, ‘oferecem aos EUA uma considerável vantagem competitiva diante dos terroristas. Algum tempo atrás, eu disse que ‘a Al Qaeda está jantando a gente na internet’. Já não é mais assim. A Al Qaeda continua parada na Web 1.0. A internet agora é interatividade e conversação’.

CRÍTICA São alegações fortes e intrigantes. Que importa quem janta quem na internet? As pessoas que estão no Facebook são mesmo a nossa grande esperança? Quanto à chamada revolução via Twitter na Moldova, Evgeny Morozov, pesquisador na Universidade Stanford que vem sendo um dos mais persistentes críticos do evangelismo digital, aponta que a importância do Twitter é quase nula na Moldova, onde existem pouquíssimas contas desse serviço.

E o que aconteceu lá tampouco parece ter sido uma revolução, especialmente porque as manifestações -como sugeriu Anna Applebaum em artigo no ‘Washington Post’- na verdade podem ter sido uma encenação organizada pelo governo. (Num país paranoico com o revanchismo romeno, os manifestantes hastearam uma bandeira da Romênia na sede do Parlamento.)

Já no caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para comentar as manifestações viviam quase todas no Ocidente. ‘É hora de esclarecer o papel do Twitter nos acontecimentos do Irã’, escreveu Golnaz Esfandiari meses atrás, na revista ‘Foreign Policy’. ‘Em resumo: no Irã, não houve revolução via Twitter.’

O elenco de blogueiros proeminentes, como Andrew Sullivan, que defendeu o papel da rede social no Irã, acrescentou Esfandiari, não entendeu direito a situação. ‘Jornalistas ocidentais que não conseguiam -ou nem mesmo tentavam- se comunicar com gente no Irã simplesmente percorriam a lista de ‘tweets’ em inglês, contendo a tag #iranelection’, 2 escreveu ela. ‘Enquanto isso, ninguém parece ter se perguntado por que pessoas que supostamente tentavam coordenar os protestos no Irã não estariam se comunicando em farsi, mas em outro idioma’.

Parte dessa grandiloquência é previsível. Inovadores tendem ao solipsismo. Volta e meia se empenham em enquadrar em seus novos modelos os fatos e experiências mais díspares.

Como escreveu o historiador Robert Darnton, ‘as maravilhas da tecnologia de comunicação no presente produziram uma falsa consciência sobre o passado -e até mesmo a percepção de que a comunicação não tem história, ou nada teve de importante a considerar antes dos dias da televisão e da internet’.

ENTUSIASMO Mas há mais um fator em jogo nesse desproporcional entusiasmo em relação às redes sociais. Cinquenta anos depois de um dos mais extraordinários episódios de sublevação social na história dos EUA, parece que esquecemos o que é ativismo.

No começo dos anos 60, Greensboro era o tipo do lugar onde a insubordinação racial era rotineiramente reprimida com violência. Os quatro primeiros universitários a se sentar ao balcão reservado aos brancos estavam apavorados. ‘Se alguém tivesse chegado por trás de mim e gritado ‘bu’, acho que eu cairia no chão’, disse um deles mais tarde.

No primeiro dia, o gerente notificou o chefe de polícia, que imediatamente enviou dois policiais para a loja. No terceiro dia, um grupo de brutamontes brancos apareceu na lanchonete e se postou ameaçadoramente atrás dos manifestantes, proferindo epítetos como ‘crioulo de cabelo ruim’. Um líder local da Ku Klux Klan apareceu. No sábado, enquanto a tensão crescia, alguém telefonou e deu um alarme falso de bomba e a loja teve de ser evacuada.

Os perigos eram mais claros no Mississippi Freedom Summer Project de 1964, outra campanha pioneira do movimento pelos direitos civis. O Student Nonviolent Coordinating Committee recrutou centenas de voluntários não remunerados no norte dos EUA, quase todos brancos, para lecionar nas Freedom Schools, alistar eleitores negros e promover os direitos civis no sul profundo.

‘Ninguém pode ir sozinho a lugar nenhum, muito menos de carro e à noite’, eram as instruções dadas aos voluntários. Poucos dias depois de chegarem ao Mississippi, três deles -Michael Schwerner, James Chaney e Andrew Goodman- foram sequestrados e assassinados; até o final daquele verão, 37 igrejas negras seriam incendiadas e dezenas de casas usadas como abrigos foram atacadas com bombas; voluntários foram espancados, alvejados e perseguidos por picapes repletas de homens armados. Um quarto dos participantes do programa desistiram. Ativismo que desafia o status quo -e ataca problemas profundamente enraizados- não é para bundas-moles.

COMPROMISSO O que leva uma pessoa a esse tipo de ativismo? Doug McAdam, sociólogo na Universidade Stanford, comparou os desertores do programa Freedom Summer com os que optaram por ficar, e descobriu que a diferença crucial, ao contrário do que se poderia esperar, não era o fervor ideológico. ‘Todos os inscritos -tanto os que ficaram quanto os que desistiram- estavam altamente comprometidos com a causa e eram partidários articulados das metas e valores do programa’, concluiu.

O fator decisivo foi o grau de conexão pessoal entre a pessoa e o movimento pelos direitos civis. Pedia-se a todos os voluntários que fornecessem uma lista de contatos pessoais -as pessoas que desejavam manter a par de suas atividades-, e assim a probabilidade de ter amigos que também estivessem indo ao Mississippi era bem mais alta entre os que ficaram do que entre os que abandonaram o programa. O ativismo de alto risco, concluiu McAdam, é um fenômeno de ‘vínculos fortes’.

O padrão se repete em boa parte de casos. Um estudo sobre as Brigate Rosse [Brigadas Vermelhas], grupo terrorista italiano dos anos 70, constatou que 70% de seus recrutas já tinham pelo menos um grande amigo na organização. O mesmo se aplica aos homens que aderiram aos Mujahideen do Afeganistão. Até mesmo manifestações revolucionárias que parecem espontâneas, como as que conduziram à queda do Muro de Berlim, na Alemanha Oriental, são, em seu âmago, fenômenos de vínculos fortes.

O movimento oposicionista da Alemanha Oriental consistia em centenas de grupos, cada qual formado por cerca de uma dúzia de membros. Cada grupo tinha contato limitado com os demais: na época, apenas 13% dos alemães orientais tinham telefone. Tudo o que sabiam era que, nas noites de segunda, diante da igreja de São Nicolau, no centro de Leipzig, as pessoas se reuniam para expressar sua ira contra o Estado. E o determinante primário daqueles que compareciam eram os ‘amigos críticos’ -quanto mais amigos críticos ao regime uma pessoa tivesse, maior a probabilidade de adesão ao protesto.

LIGAÇÕES Portanto, um fato crucial sobre os quatro calouros que foram à lanchonete segregada de Greensboro -David Richmond, Franklin McCain, Ezell Blair e Joseph McNeil- eram as ligações mútuas que mantinham. McNeil dividia o quarto com Blair no alojamento da A&T. No andar de cima, Richmond dividia o quarto com McCain; e Blair, Richmond e McCain foram alunos da Dudley High School.

Os quatro levavam cerveja às escondidas para o alojamento e conversavam noite afora, no quarto de Blair e McNeil. Tinham na memória o assassinato de Emmett Till, em 1955; o boicote aos ônibus de Montgomery, no Alabama, no mesmo ano; e o confronto em Little Rock, no Arkansas, em 1957.

Foi McNeil que apareceu com a ideia do protesto na Woolworth’s. Discutiram o assunto por quase um mês. Um dia, McNeil entrou no quarto e perguntou aos amigos se estavam prontos.

Houve uma pausa e McCain disse, de um jeito que só funciona entre amigos que passaram longas madrugadas conversando: ‘Vocês vão arregar ou vamos em frente?’. Ezell Blair tomou coragem para pedir aquele café, no dia seguinte, porque estava na companhia de seu colega de quarto e de dois grandes amigos desde o ensino médio.

VÍNCULOS FRACOS O ativismo associado às redes sociais nada tem em comum com isso. As plataformas dessas redes são construídas em torno de vínculos fracos. O Twitter é uma forma de seguir (ou ser seguido por) pessoas que talvez nunca tenha encontrado cara a cara. O Facebook é uma ferramenta para administrar o seu elenco de conhecidos, para manter contato com pessoas das quais de outra forma você teria poucas notícias. É por isso que se pode ter mil ‘amigos’ no Facebook, coisa impossível na vida real.

Sob muitos aspectos, isso é maravilhoso. Há força nos vínculos fracos, como observou o sociólogo Mark Granovetter. Nossos conhecidos -e não nossos amigos- são a nossa maior fonte de novas ideias e informações. A internet nos permite explorar a potência dessas formas de conexão distante com eficiência maravilhosa.

É sensacional para a difusão de inovações, para a colaboração interdisciplinar, para integrar compradores e vendedores e para as funções logísticas das conquistas amorosas. Mas vínculos fracos raramente conduzem a ativismo de alto risco.

VIRTUDES Em um livro chamado ‘The Dragonfly Effect – Quick, Effective, and Powerful Ways to Use Social Media to Drive Social Change’ [O Efeito Libélula – Maneiras Rápidas, Efetivas e Poderosas de Utilizar Redes Sociais para Promover Mudanças Sociais, ed. Jossey-Bass], o consultor de negócios Andy Smith e Jennifer Aaker, professora na escola de admininistração de empresas de Stanford, contam a história de Sameer Bhatia, jovem empresário do Vale do Silício que um dia descobriu estar sofrendo de leucemia mielálgica aguda. O caso serve como perfeita ilustração sobre as virtudes das redes sociais.

Bhatia precisava de um transplante de medula óssea, mas não encontrou doador entre seus parentes e amigos. As chances seriam maiores caso o doador tivesse sua etnia, e havia poucos doadores do sul da Ásia no banco de dados de medula óssea americano.

Por isso, o sócio de Bhatia enviou um e-mail no qual explicava o problema do amigo a mais de 400 de seus conhecidos, que por sua vez o encaminharam a seus contatos; páginas de Facebook e vídeos no YouTube foram criados para a campanha Help Sameer. Por fim, quase 25 mil novos doadores se inscreveram no banco de dados e Bhatia encontrou um compatível com ele.

Mas como a campanha conseguiu a adesão de tanta gente? Porque não pedia nada de mais aos participantes. É a única forma de conseguir que alguém que você não conhece de verdade faça alguma coisa em seu benefício. Dá para conseguir que milhares de pessoas se inscrevam como doadores porque fazê-lo é facílimo. Basta enviar uma amostra simples de material genético -no altamente improvável caso de que a medula óssea do doador seja compatível com alguém que precise- passar algumas horas no hospital.

Doar medula óssea não é trivial. Mas não envolve risco financeiro ou pessoal; não implica passar um verão inteiro sendo perseguido por picapes repletas de homens armados. Não requer confronto com normas e práticas sociais arraigadas. Na verdade, é o tipo do engajamento que só traz elogios e reconhecimento social.

DISTINÇÃO Os evangelistas das redes sociais não compreendem essa distinção; parecem acreditar que um amigo de Facebook e um amigo real são a mesma coisa, e que se inscrever em uma lista de doadores no Vale do Silício, hoje, é ativismo no mesmo sentido que pedir um café num restaurante segregado de Greensboro em 1960.

‘As redes sociais são especialmente eficazes para reforçar a motivação’, escreveram Aaker e Smith. Mas não é verdade. As redes sociais são eficazes para ampliar a participação -mas reduzindo o nível de motivação que a participação exige.

A página da Save Darfur Coalition no Facebook tem 1.282.339 membros, cuja doação média é de nove centavos de dólar per capita. A segunda maior entidade de assistência a Darfur no Facebook tem 22.073 membros, e suas doações per capita são de 35 centavos de dólar. A Help Save Darfur tem 2.797 membros, que doaram, em média, 15 centavos de dólar.

Um porta-voz da Save Darfur Coalition disse à revista ‘Newsweek’ que ‘não avaliamos necessariamente o valor de alguém para o movimento com base nos montantes doados. Este é um mecanismo poderoso para promover o envolvimento de uma população crítica. Eles informam a comunidade, participam de eventos, fazem trabalho voluntário. Não é algo que se possa medir por números’.

Em outras palavras, o ativismo no Facebook dá certo não ao motivar pessoas para que façam sacrifícios reais, mas sim ao motivá-las a fazer o que alguém faz quando não está motivado o bastante para um sacrifício real. Estamos muito longe do balcão da lanchonete de Greensboro.

CAMPANHA MILITAR Os estudantes que participaram de protestos no sul dos EUA nos primeiros meses de 1960 descreveram o movimento como ‘uma febre’. Mas o movimento dos direitos civis tinha mais de campanha militar que de contágio.

No final dos anos 50, 16 protestos semelhantes haviam sido organizados em diversas cidades sulistas, 15 dos quais formalmente coordenados por organizações de direitos civis como a NAACP [sigla em inglês da Associação Nacional para o Progresso da População de Cor] e a CORE [sigla em inglês de Congresso da Igualdade Racial]. Possíveis locais para protestos foram mapeados. Traçaram-se planos. Ativistas do movimento promoveram sessões de treinamento e retiros com potenciais participantes.

Os quatro de Greensboro surgiram como produto desse trabalho de base: eram membros do Conselho da Juventude da NAACP. Tinham fortes ligações com o diretor da seção local da organização. Foram informados sobre a onda anterior de protestos em Durham, e participaram de uma série de reuniões do movimento em igrejas ativistas.

Quando os protestos se espalharam pelo sul a partir de Greensboro, a difusão não ocorreu de modo aleatório. Os protestos surgiram em cidades que já tinham células do movimento -núcleos de ativistas dedicados e treinados, prontos para converter a ‘febre’ em ação.

ALTO RISCO O movimento dos direitos civis era ativismo de alto risco. Era também, e isso é importante, ativismo estratégico: um desafio ao establishment, montado com precisão e disciplina. A NAACP era uma organização centralizada, com comando em Nova York, segundo procedimentos operacionais altamente formalizados.

Na Southern Christian Leadership Conference, Martin Luther King Jr. (1929-68) exercia inquestionável autoridade. A igreja negra tinha posição central no movimento e, como aponta Aldon Morris em seu ‘The Origins of the Civil Rights Movement’, esplêndido estudo publicado em 1984, mantinha uma divisão de tarefas cuidadosamente demarcadas, com diversos comitês permanentes e grupos disciplinados.

‘Cada grupo tinha uma missão definida e coordenava suas atividades por meio de estruturas de autoridade’, escreve Morris. ‘Os indivíduos eram responsáveis pelas tarefas que lhes eram designadas e conflitos importantes eram resolvidos pelo pastor, que em geral exercia a autoridade final sobre a congregação.’

HIERARQUIA Essa é a segunda distinção crucial entre o ativismo tradicional e sua variante on-line: as redes sociais não se prestam a esse tipo de organização hierárquica.

O Facebook e sites semelhantes são ferramentas para a construção de redes e, em termos de estrutura e caráter, são o oposto das hierarquias. Ao contrário das hierarquias, com suas regras e procedimentos, as redes não são controladas por uma autoridade central e única. As decisões são tomadas por consenso, e os vínculos que unem as pessoas ao grupo são frouxos.

Essa estrutura torna as redes imensamente flexíveis e adaptáveis a situações de baixo risco. A Wikipédia é um exemplo perfeito. Não há um editor instalado em Nova York que direcione e corrija cada verbete. O esforço de produção de cada entrada é auto-organizado. Caso todos os verbetes da Wikipédia sejam apagados amanhã, o conteúdo será rapidamente restaurado, porque é isso que acontece quando uma rede de milhares de pessoas dedica tempo a uma tarefa espontaneamente.

Há, no entanto, muitas coisas que redes não fazem direito. As montadoras de automóveis, sensatamente, usam uma estrutura de rede para organizar suas centenas de fornecedores, mas não para projetar os carros. Ninguém acreditaria que a articulação de uma filosofia coerente de design funcionasse melhor na forma de um sistema organizacional disperso e sem líderes.

Carecendo de uma estrutura centralizada de liderança e de linhas de autoridade claras, as redes encontram dificuldades reais para chegar a consensos e estabelecer metas. Não conseguem pensar de modo estratégico; são cronicamente propensas a conflitos e erros. Como fazer escolhas difíceis sobre táticas, estratégias ou orientação filosófica quando todo mundo tem o mesmo poder?

PROBLEMAS A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) surgiu como rede, e, em ensaio recentemente publicado no periódico ‘International Security’, os especialistas em relações internacionais Mette Eilstrup-Sangiovanni e Calvert Jones argumentam que esse é o motivo para que a organização tenha encontrado tantos problemas ao crescer: ‘Traços estruturais característicos das redes -ausência de autoridade central, autonomia irrestrita de grupos rivais e incapacidade de arbitrar disputas por meio de mecanismos formais- tornaram a OLP excessivamente vulnerável à manipulação externa e às disputas internas’.

‘Na Alemanha dos anos 70’, os dois prosseguem, ‘os terroristas de esquerda, muito mais unidos e bem-sucedidos, tendiam a se organizar hierarquicamente, com gestão profissional e clara divisão de tarefas. Estavam geograficamente concentrados nas universidades, onde podiam estabelecer liderança central, confiança e camaradagem por meio de reuniões regulares, cara a cara’.

Era raro que entregassem seus companheiros de armas nos interrogatórios da polícia. Já seus equivalentes na direita se organizavam como redes descentralizadas e não mantinham disciplina semelhante. Era comum que esses grupos fossem infiltrados, e que seus membros, quando detidos pela polícia, entregassem facilmente seus companheiros. De forma semelhante, a Al Qaeda era mais perigosa quando mantinha uma hierarquia unificada. Agora que se dissipou em rede, vem se mostrando bem menos eficaz.

MUDANÇA SISTÊMICA As desvantagens das redes pouco importam quando não estão interessadas em mudança sistêmica -caso desejem apenas assustar, humilhar ou fazer barulho-, ou quando não precisam pensar estrategicamente. Mas, se o objetivo é combater um sistema poderoso e organizado, é preciso uma hierarquia. O boicote ao serviço de ônibus em Montgomery exigiu a participação de dezenas de milhares de pessoas que dependiam do transporte público para ir ao trabalho e voltar todo dia. E durou um ano.

A fim de persuadir as pessoas a se manterem fiés à causa, os organizadores encarregaram cada igreja negra local de manter o moral alto e montaram um sistema alternativo de transporte solidário que contava com 48 telefonistas e 42 pontos de parada. Até mesmo o Conselho de Cidadãos Brancos, King afirmou mais tarde, reconheceu que o sistema de transporte solidário funcionava com ‘precisão militar’.

Quando King foi a Birmingham, no Alabama, para o confronto decisivo com o comissário de polícia da cidade, Eugene ‘Bull’ Connor, contava com orçamento de US$ 1 milhão e uma equipe de 100 funcionários em período integral, já instalados na cidade e divididos em células operacionais. A ação foi dividida em fases, que se intensificavam gradualmente e eram mapeadas com antecedência. O apoio foi mantido por meio de sucessivas assembleias, num rodízio entre as igrejas da cidade.

LEGITIMIDADE MORAL Boicotes, protestos e confrontos não violentos -armas preferenciais do movimento pelos direitos civis- são estratégias de alto risco. Deixam pouca margem para conflito e erro. No momento em que um único manifestante abandona o roteiro e reage a uma provocação, a legitimidade moral de todo o protesto fica comprometida. Os entusiastas das redes sociais sem dúvida gostariam que acreditássemos que a tarefa de King em Birmingham seria imensamente facilitada se ele pudesse usar o Facebook para se comunicar com seus seguidores e se contentasse em enviar tweets de uma cela.

Mas as redes são confusas -pense no padrão incessante de correção e revisão, emendas e debates, que caracteriza a Wikipédia. Caso Martin Luther King tivesse tentado um ‘wiki-boicote’ em Montgomery, teria sido esmagado pela estrutura do poder branco. E que uso teria uma ferramenta de comunicação digital numa cidade na qual 98% da comunidade negra podia ser contatada na igreja, todo domingo? Em Birmingham, King precisava de disciplina e estratégia, o tipo de coisas que as redes sociais não são capazes de fornecer.

PODER DE ORGANIZAÇÃO A bíblia do movimento das redes sociais é ‘Here Comes Everybody’, de Clay Shirky, professor na Universidade de Nova York. Ele procura demonstrar o poder de organização da internet e começa pela história de Evan, que trabalhava em Wall Street, e de sua amiga Ivanna, que esqueceu seu smart-phone, um caro Sidekick, no banco de um táxi nova-iorquino.

A companhia telefônica transferiu os dados do celular perdido de Ivanna a um novo aparelho e assim a proprietária e Evan descobriram que o Sidekick estava em posse de uma adolescente do Queens, que vinha usando o aparelho para tirar fotos de si mesma e de suas amigas.

Quando Evan lhe enviou um e-mail pedindo que devolvesse o celular, Sasha respondeu que ele era um ‘bundão branco’ que não merecia tê-lo de volta. Irritado, ele montou uma página na web com uma foto de Sasha e uma descrição do ocorrido. Encaminhou o link aos amigos, que o repassaram a outros amigos. Alguém localizou a página do namorado de Sasha no MySpace e um link para ela foi criado no site.

Alguém descobriu o endereço dela na web e gravou um vídeo mostrando a casa quando passou de carro por lá; Evan postou o vídeo no site. A história ganhou destaque no Digg, um site agregador de notícias. Evan passou a receber dez e-mails por minuto. Criou um fórum on-line para que seus leitores contassem suas histórias, mas as visitas eram tantas que o servidor vivia caindo.

Evan e Ivanna procuraram a polícia, mas o boletim de ocorrência definia o celular como ‘perdido’, e não ‘roubado’, o que significava que, na prática, o caso estava encerrado.

‘Àquela altura, milhões de leitores estavam acompanhando’, escreve Shirky, ‘e dezenas de veículos da mídia convencional haviam mencionado a história’. Cedendo à pressão, a polícia de Nova York reclassificou o celular como ‘roubado’. Sasha foi detida e a amiga de Evan conseguiu o Sidekick de volta.

O argumento de Shirky é o de que esse é o tipo de coisa que jamais poderia ter acontecido na era anterior à internet -e ele tem razão. Evan não teria conseguido localizar Sasha.

A história do Sidekick jamais teria sido divulgada. Um exército de pessoas não se teria formado para participar da batalha. A polícia não teria cedido à pressão de uma pessoa só, por algo tão trivial quanto um celular perdido. O caso, na opinião de Shirky, ilustra ‘a facilidade e rapidez com que um grupo pode ser mobilizado para o tipo certo de causa’ na era da internet.

PERIGO Na opinião de Shirky, esse modelo de ativismo é superior. Mas, na verdade, não passa de uma forma de organização que favorece as conexões de vínculo fraco que nos dão acesso a informações, em detrimento das conexões de vínculo forte que nos ajudam a perseverar diante do perigo.

Transfere nossas energias das entidades que promovem atividades estratégicas e disciplinadas para aquelas que promovem flexibilidade e adaptabilidade. Torna mais fácil aos ativistas se expressarem e, mais difícil, que essa expressão tenha algum impacto.

Os instrumentos de redes sociais estão aptos a tornar a ordem social existente mais eficiente. Não são inimigos naturais do status quo. Se, na sua opinião, o mundo só precisa de um ligeiro polimento, isso não deve lhe causar preocupação. Mas se você acredita que ainda existem lanchonetes por serem integradas ao mundo, essa tendência deveria incomodá-lo.

Grandiloquente, Shirky encerra a história do Sidekick perdido perguntando: ‘O que virá a seguir?’ -e, sem dúvida, imagina futuras ondas de manifestantes digitais.

Mas ele mesmo já respondeu à pergunta. O que virá é a mesma coisa, repetidamente. Um mundo feito de redes e vínculos fracos é bom para coisas como ajudar gente de Wall Street a recuperar celulares das mãos de garotas adolescentes. Viva la revolución.

Nota do tradutor

1. Estados do sul dos EUA que se uniram contra os do norte do país durante a Guerra de Secessão (1861-65).

2. No serviço de microblogs Twitter, as ‘tags’ são termos precedidos do símbolo #, utilizados para reunir todas as mensagens sobre um mesmo assunto, como #ilustrissima.

Cinquenta anos depois de um dos mais extraordinários episódios de sublevação social na história dos EUA, parece que esquecemos o que é ativismo

Ativismo que desafia o status quo -e ataca problemas profundamente enraizados- não é para bundas-moles

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