Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O bancário e o monge

No gabinete de estudo de José de Ribamar Pedreira Carvalho, em sua residência, no bairro da Tijuca (Rio), ainda está uma fotografia de Dom Marcos Barbosa, com dedicatória deste último àquele que era seu verdadeiro amigo: José de Ribamar. É difícil para quem conheceu José de Ribamar e Dom Marcos Barbosa esquecer aquela foto na parede – e aquela expressiva dedicatória, manuscrita no retrato do monge, que exprime a gratidão daquele sacerdote-poeta a seu leal colaborador.


Quando o escritor gaúcho Álvaro Moreyra (1888-1964) faleceu, em 1964, Dom Marcos Barbosa ainda não ingressara na Academia Brasileira de Letras, instituição literária da qual Álvaro era membro de número, e que abrigaria, anos depois, Dom Marcos, esse grande poeta católico cujo nome civil era Lauro de Araújo Barbosa (1915-1997), o monge beneditino responsável por competentes traduções de livros de Paul Claudel, François Mauriac e outros clássicos, além de obras mais populares, muito conhecidas, como Marcelino pão e vinho, O menino do dedo verde e o campeão de vendas O pequeno príncipe.


Álvaro Moreyra, autor da obra clássica As amargas, não (1954) e de vários outros títulos de elevado teor poético-literário (era poética, a prosa de Alvinho, como era ele conhecido pelos amigos), foi devoto de São Francisco de Assis – apesar de ser um homem de esquerda – e seus escritos eram cheios de candura. Não era apenas a expressão de sentimentos puros que aproximava esses dois grandes escritores brasileiros, sendo um gaúcho e outro mineiro (Dom Marcos nasceu na cidade mineira de Cristina): um foi religioso/socialista e o outro, sacerdote católico.


Precursores da multimídia


Qual era, então, o outro elemento biográfico que, pode-se afirmar, aproxima esses dois grandes manitus das letras – e aqui será anotado, também dos meios de comunicação – brasileiras? Pode-se responder que era, ao contrário do que se poderia imaginar à primeira vista (tive o privilégio de conhecê-los pessoalmente), algo de absolutamente moderno.


Aproximava-os a enorme habilidade na expressão por um veículo de comunicação de massa do século 20, o rádio, uma vez que ambos foram radialistas, tendo o programa de Dom Marcos na Rádio Jornal do Brasil, Encontro Marcado, sido mandado ao ar entre 1959 e 1993. Informa o sítio na web da Academia Brasileira de Letras que Dom Marcos, após breve passagem pelas rádios Cruzeiro e Mayrink Veiga, passou a manter o citado programa, diariamente, sempre às 18h, na Rádio Jornal do Brasil, e depois, também, nas rádios Carioca AM e Catedral FM. Às quintas-feiras, colaborava Dom Marcos no Jornal do Brasil, para a alegria de seus muitos milhares de leitores, no meio impresso. Ambos eram, como se vê, jornalistas. E ambos eram tradutores. Além disso, Álvaro Moreyra era também teatrólogo. Multimidiáticos eram esses dois!


Levado por meu pai, o escritor amazonense Ulysses Bittencourt (1916-1993), à residência de Álvaro Moreyra, conheci-o quando eu ainda era pequeno (quando Alvinho faleceu, eu tinha apenas sete anos de idade); e foi por intermédio desse bancário do Banco do Brasil – de quem fui colega de Setor, o de Microfilmagem, no CESEC-Andaraí –, o citado Sr. José de Ribamar Pedreira Carvalho (1932-2006), que conheci pessoalmente Dom Marcos, no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Esses magníficos seres, Alvinho e Dom Marcos, não apenas transmitiam bondade, eles eram bondade!


Mas quem era José de Ribamar e como ajudava ele na rotina midiática de Dom Marcos?


Oração por Ribamar


José de Ribamar, maranhense, era aposentado do Banco do Brasil e oblato do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro: um oblato é um membro secular (civil) da comunidade de um mosteiro. Além de outras colaborações, o Sr. Ribamar gravava o citado programa de rádio, operando o aparelho gravador e levando a fita à emissora (alguns programas eram gravados no mesmo dia), captando a fala com precisão técnica e paciência beneditina, quando a regravação era necessária: Dom Marcos já estava idoso.


O programa de Dom Marcos em nada se diferenciava (no que se refere à qualidade literária e ao conteúdo ético dos pronunciamentos) daqueles programas-poemas do velho Álvaro Moreyra, viúvo da famosa Eugênia Moreyra (a agitadora cultural e política), marido de Syla (Cecília) Moreyra (sua segunda esposa, que era servidora pública e artista plástica), pai do falecido jornalista Sandro Moreyra e avô da jornalista Sandra Moreyra, repórter da TV Globo.


José de Ribamar faleceu em São Paulo (capital), de causas naturais – sofreu ele, infelizmente, um acidente vascular cerebral (AVC) –, no dia 18 de dezembro último, na cidade para onde tinha seguido com um grupo de religiosos (cursara ele Teologia no M.S.B. – RJ e proferia palestras a jovens católicos, não apenas no Rio de Janeiro). Dirigia-se o grupo a uma igreja, na capital paulista. Sentiu-se mal, foi prontamente medicado, todavia aos médicos não foi possível impedir a extinção da vida terrena daquele que foi um leal colaborador de Dom Marcos e um dedicado antigo funcionário do Banco do Brasil. A missa de corpo presente foi rezada no mosteiro carioca, e, no sábado, 23 de dezembro, ali rezaram por sua alma seus amigos e parentes, na missa de sétimo dia pelo seu falecimento.


Como homenagem ao ex-colega e grande amigo que se foi, e especialmente à sua família, transcrevo, o conhecido poema Oração da Família, de Dom Marcos Barbosa.




Bem debaixo, Senhor, da tua asa, / coloca a nossa casa.


Nossa mesa abençoa, e o leito, e o linho, / guarda o nosso caminho.


Brote, em torno, o jardim, frutos e flores, / em nossa boca, louvores.


Conserva pura a fonte de cristal, / longe o pecado e o mal.


Repele o incêndio, a peste, a inundação, / reine a paz e a união.


Bem haja na janela o azul do dia, / na parede, Maria.


Encontre a noite quieta a luz acesa, / quente sopa na mesa.


Batam à porta o pobre e o viajor, / e tu mesmo, Senhor.


Tranqüilo seja o sono sob a cruz / que a outro sol conduz’.

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Ex-funcionário do Banco do Brasil, é técnico do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do MinC/IPHAN-DF