Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O elefante e os deficientes visuais

Quem imagina que existe objetividade no jornalismo também é candidato a andar com um ramo de arruda atrás da orelha e um punhado de sal grosso no bolso. Ou na bolsa. A objetividade é apenas uma suposição, parte da mística do negócio que ainda chamamos de imprensa e que, de certa forma, justifica moralmente seu valor simbólico. Na realidade, o noticiário e as análises que formam o conteúdo da mídia jornalística apenas consolidam a opinião preexistente.

Observe-se, por exemplo, a cobertura que os três principais jornais de circulação nacional dão, nas edições de segunda-feira (19/5), ao primeiro jogo oficial na nova arena do Corinthians, em São Paulo. Cada um deles faz uma avaliação do estádio, com afirmações tão divergentes que parece que os repórteres estiveram em lugares diferentes. O retrato da obra é composto por fragmentos, como na história em que um grupo de deficientes visuais é convidado a descrever um elefante.

O Estado de S.Paulo abre título sobre foto de página inteira em seu caderno de Esportes: “Itaquerão aprovado”. O texto na primeira página afirma que, “no primeiro grande teste do estádio antes do Mundial, o resultado geral foi satisfatório”. No interior do caderno esportivo, o título principal não deixa dúvidas ao afirmar que “Itaquerão passa no teste”, enquanto o texto interno considera que os serviços funcionaram de maneira satisfatória, o transporte público atendeu com eficiência a multidão que se deslocou para a Zona Leste da cidade e não houve problemas nas lanchonetes e nos banheiros.

O Globo destaca o efeito da forte chuva com granizos que caiu sobre a cidade de São Paulo, comentando que até os torcedores da área vip tiveram que buscar abrigo. Mas no geral, o jornal carioca elogia o sistema de transporte público, o acesso ao estádio, o trabalho de voluntários, o serviço de telefonia e o sistema privado de segurança. Seus repórteres concluíram que os torcedores que escolheram ir de metrô foram bem servidos, chegando ao local em cerca de vinte minutos, mesmo com a ocorrência da Virada Cultural na região central da cidade no mesmo dia.

Alhos com bugalhos

Já a Folha de S. Paulo viu outro acontecimento. O título do caderno de Esporte anuncia: “Chuva, falhas e derrota marcam a estreia do Corinthians em casa”. Logo abaixo, a linha que encabeça a reportagem principal destaca que “Itaquerão, estádio de abertura da Copa, tem vários problemas na inauguração”. Os repórteres viram problemas na sinalização dos portões, no funcionamento de telefonia e internet, a falta de acabamento em passarelas e a presença de operários realizando trabalhos de última hora pouco antes da partida.

Como se pode observar, a cobertura de cada um dos grandes diários reflete um pouco a posição que o jornal manifesta, de modo geral, com relação à Copa do Mundo no Brasil.

A Folha, de longe o veículo de comunicação menos entusiasmado com a Copa, é coincidentemente aquele que viu mais problemas na inauguração do estádio do Corinthians. Apesar dos gráficos e planilhas que costumam acompanhar seus textos, o jornal não consegue dissimular a má vontade com relação ao tema.

Que a objetividade jornalística é um mito, todo leitor medianamente atento sabe desde criancinha. O problema é quando se usa o pressuposto da objetividade para forçar uma interpretação distorcida.

Observe-se, por exemplo, a reportagem publicada no domingo (18/5) pelo jornal Agora, título popular do grupo Folha. Diz a manchete do diário: “Grana para estádios daria reajuste das aposentadorias”. O texto em questão compara os gastos específicos com a realização da Copa do Mundo e o valor que seria despendido para um aumento das aposentadorias do INSS acima da inflação.

Misturando os aportes do governo federal, dos governos estaduais e municipais e os investimentos da iniciativa privada, o jornal compara esse montante ao orçamento da Previdência Social. Os editores sabem que esses recursos não podem ser agregados, nem teoricamente, e que, sob o regime legal, é como se fossem moedas diferentes. Além disso, o investimento em obras para a Copa do Mundo acontece apenas uma vez, e o reajuste das aposentadorias faz parte de despesas correntes do Tesouro, repetidas ano a ano.

Misturar tudo com o investimento privado para criar confusão não é jornalismo: é ato de pirataria. Oe editores não desconhecem que uma reportagem que mistura alhos com bugalhos aumenta a desinformação e sabem que essa manchete é uma incitação a manifestações contra a Copa.

Qual seria o interesse objetivo do Grupo Folha?