Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Onde é o lugar da razão

Nas edições de quarta-feira (15/5), os jornais registram a repercussão da decisão tomada na véspera pelo Conselho Nacional de Justiça, que aprovou por 14 votos a 1 a resolução que obriga os cartórios a consignarem casamentos de homossexuais. As reportagens sobre a obrigatoriedade do registro de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo são acompanhadas de exemplos de casais que ainda enfrentam a resistência de oficiais de cartório pelo Brasil afora, documentando um embate entre as forças que tentam fazer uma sociedade mais tolerante e as que procuram mantê-la presa a preconceitos.

No fim, espera-se que a vida social venha a adotar um ponto onde supostamente predomine a razão. Mas a razão pode não estar onde é procurada.

Em geral, os observadores e críticos da mídia costumam delimitar suas análises aos meios impressos e, quando muito, dão uma olhada nos programas jornalísticos da emissora de televisão de maior audiência. Mas a soma dos públicos que acompanha outras alternativas de informação e entretenimento pode revelar personagens muito diferentes daqueles que supostamente determinam a agenda pública.

A imprensa regional, quase sempre conectada a redes de rádio e TV, compõe uma força que define eleições, revela ou acoberta os jogos de poder provincianos que se relacionam com a grande política de Brasília. Os chamados jornais populares, quase sempre ligados a títulos nacionais ou regionais importantes, formam outro conjunto de meios que contribuem para formular a ideia que o brasileiro tem da sua própria realidade. No entanto, o bloco mais curioso é aquele formado pela chamada mídia religiosa, que tem especial predileção pela televisão mas também ocupa um grande espaço no rádio.

São centenas os pastores, profetas, missionários, bispos, apóstolos e padres que ocupam horários fragmentados, mas extensos, na mídia brasileira. Eles representam uma visão de mundo que, pela janela do misticismo e da fé, complementam a diversidade colorida da nacionalidade.

Para fazer a observação desse campo muito particular do complexo midiático brasileiro, é preciso definir um terreno concreto no ambiente da razão. No entanto, o olhar dos operadores dessa mídia não tem um compromisso sólido com a racionalidade, o que produz uma zona nebulosa para a interpretação de seus discursos e narrativas.

O diabo em pessoa

Os fatos submetidos a essa visão particular de mundo acabam influenciando a vida daquela parte da população que não comunga as mesmas crenças, e não se pode dizer que não são parte da realidade comum. Temos, então, um campo da comunicação não racional de onde brotam opiniões, votos, atividades produtivas e ação direta sobre as instituições, como se pode observar a cada disputa eleitoral, quando afloram debates sobre temas que envolvem conceitos subjetivos sobre direitos humanos e religião.

O terreno é favorável a desinteligências justamente porque aquilo que para uns não passa de misticismo, para outros é razão de viver.

Aplicando-se a lupa sobre esse cenário específico, pode-se fazer uma distinção entre alguns protagonistas mais destacados. Entre esses, pode-se identificar aqueles que se limitam à prédica religiosa, como o missionário Romildo Ribeiro Soares, os que se envolvem pessoalmente na política, como o líder da Assembleia de Deus no Rio, Silas Malafaia, e o bispo Edir Macedo, decano do chamado evangelho da prosperidade e controlador de seu próprio partido.

O apóstolo Valdomiro Santiago se destaca do conjunto por não fazer a menor questão de interferir na política, pelo menos até agora, e de se manter distante dos debates institucionais. Seu negócio é o setor de fenômenos, sempre produzidos com alta dose de teatralidade, em shows com a presença do diabo “em pessoa” e nenhuma preocupação com qualquer nível de verossimilhança.

No lado da igreja católica, que congrega a maioria dos brasileiros, pontificam os padres carismáticos que são também astros do show business. Em torno desses núcleos circulam as constelações de igrejas mais ou menos autônomas, mais ou menos interessadas na vida civil, com a característica comum de representarem a permanência de arcaísmos no mundo contemporâneo.

Paralelamente às práticas religiosas, o PSC, partido que tem como figura mais conhecida o deputado e pastor Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, anuncia que vai lançar candidato próprio à Presidência da República no ano que vem.

As forças do obscurantismo procuram se deslocar para o centro da cena política.