Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Proposta de um observatório para o pluralismo das mídias

Em perspectiva de ação, compreendendo a livre expressão em nível de preceito jurídico com realidade social, a cidadania efetua-se como aspiração aos valores. Sem a liberdade de expressão restaria letra vazia, imposição de garantia formal, contradição. É essa vontade democrática que, em numeroso coletivo desde o dia 3 de outubro, vem se erguendo em face do quase monopólio sobre as mídias na Itália, concentradas em mãos da mesma personalidade que detém a posição de presidente do Conselho Italiano (http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2009/10/08/berlusconi+promete+ficar+no+poder+tensao+preocupa+analistas+8778912.html).

Faz-se oposição à transformação dos bens públicos como a informação e a cultura em mercadorias para o lucro, tendo em conta a incompatibilidade em exercer a mais alta posição política e ao mesmo tempo comandar a maior organização de mídias do país, a qual concentra, em diversas redes, vários grupos de televisão, jornais, editoras, agências de publicidade, companhias de seguros e bancos.

Tudo isso simultaneamente com as prerrogativas do poderoso influindo sobre as nomeações no setor público e na RAI (a conhecida TV pública italiana).

Tal situação ganhou ampla difusão no noticiário europeu com a mencionada manifestação do último dia 3/10, em Roma, na Piazza Del Popolo, projetando uma assembléia de mais ou menos 300.000 (trezentos mil) participantes.

Um direito fundamental e inalienável

O periódico francês eletrônico24 Heures (veja aqui o link: http://www.24heures.ch/node/119119 ) noticiou que as pessoas compareceram em apoio àFederazione Nazionale Stampa Italiana (FNSI) – reagrupa os sindicatos de jornalistas –, àConfederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL) – o mais importante sindicato italiano, com 5 milhões e meio de inscritos – e aoPartito Democratico, além das organizações de esquerda.

Situação prejudicial ao pluralismo dos meios de comunicação social, que já se encontrava em debate no Parlamento Europeu, ganhou nova amplitude com aquela enorme manifestação coletiva, suscitando a intervenção de euro-deputados socialmente muito representativos, como Patrick Le Hyaric, jornalista dirigente deL´Humanité, o mais antigo periódico social, fundado em 1904 pelo socialista e anti-belicista Jean Jaurés.

Député vitorioso nas eleições européias de junho 2009, com significativa representação popular e política na numerosa e exigente região da grande Paris (Île-de-France), Patrick Le Hyaric (têtede liste du Front de gauche) vem de apresentar em sua intervenção na sessão plenária de hoje [8/10] uma proveitosa proposta que enquadra a mencionada situação prejudicial na Itália em sua devida amplitude, como interessando à defesa da liberdade de expressão e de imprensa em nível europeu.

Evocando a sentença de que a liberdade da imprensa e da informação é um direito fundamental, inalienável porque constitutivo do desenvolvimento humano, o euro-deputado Patrick Le Hyaric argumenta com o artigo 10 (liberdade de expressão) da Convenção européia para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (veja aqui o link http://conventions.coe.int/Treaty/fr/Treaties/Html/005.htm) e com o artigo 11 (respeito à liberdade das mídias e seu pluralismo) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (veja aqui o link: http://www.europarl.europa.eu/comparl/libe/elsj/charter/default_fr.htm).

Patrulhamento berlusconiano

Ademais desse direito europeu, o euro-deputado por Île-de-France se instrui igualmente em seu pleito com as Recomendações da Assembléia parlamentar do Conselho da Europa e as da OSCE [Organization for Security and Co-operation in Europe] sobre a liberdade das mídias, ponderando em razão destas o bom fundamento para tomar em consideração que o presidente do Conselho Italiano, Estado fundador da Comunidade Européia, viola os princípios da liberdade e do pluralismo da imprensa em seu país de várias maneiras.

Em seu discurso (veja aqui o link: http://patricklehyaric.net/2009/10/08/liberte-de-la-presse-et-democratie-en-europe/), o euro-deputado e zeloso jornalista independente desmonta os vértices do patrulhamento berlusconiano, seguintes:

(a) pretende limitar as publicações de informações judiciárias; processa e ameaça os jornalistas críticos; processa os jornais italianos comoLa Repubblica,L´Unità, o diárioL´Avenire, os bispos italianos. Os jornais europeus eles também são ameaçados, como o magazineLe Nouvel Observateur em França.

(b) A imprensa escrita independente sofre um estreitamento financeiro de duas maneiras: pelo decreto dito Trémonti, de 6 de agosto de 2008, que reduz as ajudas públicas aos jornais independentes, e pelas reduções de orçamentos publicitários.

(c) Desde então, o patrulhamento berlusconiano passa a visar à corte Constitucional, os magistrados, a Federazione dos jornalistas independentes e até mesmo o próprio Parlamento, portanto desconsiderado.

Separação de poderes

Desta forma, reconhecendo uma causa em favor dos valores democráticos da União Européia, o euro-deputado Patrick Le Hyaric sustenta uma proposta pela criação do observatório europeu para o pluralismo das mídias e da imprensa na União Européia.

Este teria que zelar pelo respeito do princípio de separação dos poderes, entre poder político e mídias em toda a União; pelo estabelecimento de um umbral definidor da concentração máxima nas mídias; pelo respeito dos direitos de informar dos jornalistas e do direito de publicação para os editores independentes em face dos potentados do dinheiro. Finalmente, além de incrementar os vínculos aos parlamentos nacionais, aos editores e criadores, às associações de jornalistas, de leitores e telespectadores, tal observatório estaria em medida de preparar um projeto de diretiva sobre o pluralismo das mídias.

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Sociólogo, Rio de Janeiro, RJ