Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A inovação, a lei e a competitividade

Schumpeter, não o economista, autor da teoria da “destruição criativa”, mas o colunista da The Economist, num artigo recente comenta o “número surpreendente de empresas inovadoras cujos modelos de negócios infringem a lei”. Lembra que não é um fenômeno novo. Nos Estados Unidos do século XIX, os “robber barons” (barões ladrões) já praticavam o método de empreender primeiro e buscar o perdão da lei depois, ao invés de obter as permissões primeiro.

Vivemos hoje uma situação semelhante. Não é meramente uma questão de descumprir normas adotadas para outro ambiente a fim de demonstrar sua inadequação aos novos tempos e tecnologias e levar governos, legislativos e órgãos reguladores a modernizar o escopo legal. Infringir a legislação, nesses casos, é, com frequência, altamente competitivo e rentável.

Infringir a legislação pode ser uma “vantagem competitiva” avassaladora, mais até do que a inegável utilidade de produtos ou serviços inovadores. Prover conteúdo jornalístico do exterior com recursos lá captados a custos menores, desrespeitando a exigência constitucional relativa ao controle de empresas jornalísticas é uma dessas vantagens. Declarar-se “empresa de tecnologia”, deixando de registrar seus funcionários como jornalistas, embora produzam conteúdo jornalístico também. Faturar em paraísos fiscais, evitando a pesada carga tributária brasileira é outra. Criar e manipular algoritmos que distorcem os resultados das buscas, favorecendo os próprios negócios digitais em prejuízo de concorrentes é mais um. Não menos grave que os anteriores é o puro e simples desconhecimento do direito autoral, utilizando conteúdo de terceiros, ainda que parcialmente, em agregadores e em motores de busca.

E sem a pretensão de esgotar a lista, capturar as informações dos usuários que utilizam a sua tecnologia para acessar conteúdos de terceiros sem autorizar ou sequer informar o interessado ou repassar ao fornecedor do conteúdo, como ocorre com a assinatura de uma publicação impressa, é mais do que uma questão de privacidade, mas um ativo valiosíssimo quando processado com as técnicas de “big data” e comercializados.

Direitos autorais

As infrações às normas legais e aos direitos de terceiros são praticadas, em maior ou menor grau, com mais intensidade numa ou noutra, pelo “número surpreendente de empresas inovadoras cujos modelos de negócios infringem a lei”, notadamente as principais empresas de internet. Nessas circunstâncias, falar de um “modelo de negócio disruptivo” envolve uma dose substancial de eufemismo, encobrindo um conjunto de práticas de concorrência desleal que prejudica gravemente a competitividade das empresas que não as empregam.

O problema, naturalmente, não é só brasileiro, embora sob alguns aspectos aqui seja mais grave. Mas o cenário começa a mudar em pontos importantes. No dia 15 de abril, após quase cinco anos de investigações, a Comissão Europeia da Concorrência acusou formalmente o Google de abuso de sua posição dominante no mercado de buscas online. Menos de um mês antes foi divulgado um relatório de técnicos da Comissão Federal de Comercio de Estados Unidos (FTC), revelando como o Google manipulou os resultados de busca para favorecer seus próprios serviços em detrimento dos rivais, mesmo que estes fossem mais relevantes para o público.

Não por acaso, na Europa, o Google abriu negociações com um grupo de jornais e, no Brasil, sua controlada Youtube anunciou que deseja um acordo com a Ubem, que representa compositores, sobre direitos autorais de canções usadas em vídeos. Foi assim com os “robber barons”.

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Carlos Muller é jornalista, editor do Jornal ANJ