Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Almanaque Brasil

(Foto: Marcos Corrêa/PR)

Você sabia?

Que o comercial do 7 de setembro, onde o Secretário de Cultura Mário Frias nem precisou apelar para Goebbels ou cantar Prá Frente Brasil para ridicularizar “Um Povo Heroico”, é apenas o primeiro da série?

Que os brasileiros riram tanto do ufanismo barato e do brado retumbante desta campanha criada para exaltar “heróis verdadeiros” (contra o comunismo), que Frias periga ser contratado para um programa de humor fazendo malhação?

Que agora você só pode acompanhar as “rachadinhas” do Zero Um pelas redes internacionais porque a Globo já foi censurada, CNN e Band serão as próximas, e a Record nunca ouviu falar do assunto?

Que não adianta censurar emissoras para refrescar Flávio Bolsonaro, os Zeros cometem falhas em cascata e Carluxo já é investigado pelos R$ 7 milhões gastos com funcionários fantasmas e o cofre particular no Banco do Brasil?

Que a Casa de Rui Barbosa vai emparedar seus arquivos, debates, seminários e produção intelectual com trânsito internacional, entre outros ativos culturais, sociais e educativos, num Museu, e assim não destoar de um país que mumifica a Cultura e imbeciliza a Educação?

Que o Ministério da Economia bloqueou pelo menos R$ 50 milhões do orçamento da Funarte, Biblioteca Nacional, Fundação Palmares, Instituto Brasileiro de Museus e a Casa de Rui, órgãos que disseminam comunismo?

Que a Cinemateca Brasileira, guardiã da memória e grande patrimônio cinematográfico, não tem verba para conservar seu acervo de nitrato de celulose, altamente inflamável, que periga desaparecer num incêndio como o do Museu Nacional?

Que a Cinemateca, instalada em São Paulo no magnífico matadouro de tijolinhos aparentes, que pode recontar em imagens, cartazes e documentos a história do país, periga ser transferida para Brasília?

Que se Ferreira Gullar fosse vivo iria reformular sua frase “a arte existe porque a vida não basta” para “a vida existe porque a arte no Brasil já não basta”?

Que quem gosta de livros terá de viajar para Argentina, Colombia, Bolivia, Uruguai, Reino Unido ou Noruega para comprá-los sem tributos, porque aqui terá de pagar 12% que vão chegar a 20% no preço de capa?

Que Guimarães Rosa repetiria “saber, eu não sei, mas desconfio de muita coisa” ao destrinchar a reforma administrativa que permitirá ao presidente extinguir órgãos sem precisar da autorização do Congresso?

Que serão Fundações, autarquias Ministérios, a serem removidos, não só movidos como foi a Cultura enfiada no Ministério do Turismo e a demarcação das terras indígenas quase entregue aos ruralistas?

Que mesmo sem esse superpoder, Bolsonaro já esvaziou o Coaf, interviu na Polícia Federal, desprestigiou o Inpe, tirou a Funai do Ministério da Justiça e criou um órgão e dossiês para espionar desafetos?

Que na redução das bondades do auxílio emergencial para R$ 300,00, a metade dos R$ 600,00 iniciais, o governo incluiu entre as restrições “não pode receber quem já morreu”?

Que agora a Lava-Jato nas mãos do procurador Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro sem lista tríplice, decide quem vai e quem não vai ser julgado, e você já pode começar a orar para cair do lado certo?

Que só neste ano a Amazônia apresentou 44 mil focos de incêndio que Mourão chama de “ruído” e Bolsonaro só quer “matar esse câncer”, referindo-se às ONGs que vigiam a corrupção, defendem a democracia e a mata em pé?

Que graças a esse “câncer” e aos indígenas protetores do meio ambiente são apenas 1.173 as espécies de fauna ameaçadas de extinção, entre elas o lobo-guará, que ilustra a nova nota de R$ 200,00?

Que a nota de R$200,00 cai como luva nas “rachadinhas” da família Bolsonaro, habituada a movimentar dinheiro vivo, como fez Márcio Gerbatim, o assessor de Carluxo que retirou em espécie seus salários somando R$ 90 mil?

Que deve haver uma guerra oculta no Brasil travada pelos 6.157 militares do governo porque o Ministério da Defesa vai receber R$ 1,47 bilhão para compra de caças, aviões, submarinos, e mais R$110,7 bilhões para gastar em 2021?

Que o Coronavírus já levou 125 mil brasileiros e infectou mais de 4 milhões, mas o capitão continua a andar sem máscara, junto com seguidores como Mário Frias, e a pregar a liberação geral para quem quiser tomar, ou não, a vacina?

Que o general Eduardo Pazuello nomeou o veterinário Laurício Cruz para o programa de imunização do Ministério da Saúde, responsável pelo programa nacional de vacinas, substituindo Marcelo Wada, um servidor de carreira?

Que agora o médico que atender ao pedido de aborto legal de mulheres estupradas terá de submeter o caso à Polícia, além de ser obrigado a constranger a vítima exibindo a imagem do feto?

Que o governador detido do Rio, Wilson Witzel, deu um tiro na cabecinha ao afirmar que o Rio não é para amador nem profissional, mas para alguém sobrenatural, só errou por não colocar o Brasil inteiro aí?

Que a imprensa “canalha” e “ativista de esquerda” está unida, alerta no Brasil e no exterior contra os delirantes do governo, a ideologia da morte, a barbárie bolsonariana, e que os antifascistas já ultrapassam os 70%?

Que a ambição de Bolsonaro para se reeleger varreu dinheiro da Cultura e Educação para o Pró-Brasil (votos), e quadruplicou a verba de publicidade oficial em 2021, R$ 495,5 milhões reservados para comunicação institucional?

Que Trump vive seus últimos dias, os clones Viktor Orbán na Hungria, Andrzej Duda na Polônia e Rodrigo Duterte nas Filipinas não durarão para sempre, e que o vasto mundo democrático não gosta de Bolsonaro?

Que não adianta Bolsonaro clamar como o prefeito miliciano carioca, Marcelo Crivella, “porque eu sei que meu redentor vive, e que no fim se levantará a meu favor” ou reclamar com Deus sem apresentar um projeto claro de Brasil?

Que, por falar em Deus, os brasileiros sairão do Inferno de Dante onde existe a inscrição “deixai toda esperança, vós que entrais” porque a Divina Comédia termina no Paraíso, raiando o êxtase com a visão, enfim, do céu?

Que se formos nesse ritmo de retrocesso no tempo e no espaço logo batemos na Idade Média mas, enquanto a campanha de Mário Frias brada os heróis do passado, ainda há tempo para reclamarmos nosso presente e o futuro de volta?

Que se você é jovem e não ouviu o conselho de Nelson Rodrigues (“envelheça!”) pode desconhecer a coqueluche dos Almanaques Capivarol ou Biotônico Fontoura mas reconhece, no Inferno há um ano e oito meses, que merecemos esse respiro?

***

Norma Couri é jornalista.