Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ronaldinho Gaúcho e o irmão acreditaram que o Paraguai era terra de ninguém?

(Foto: AFP/Norberto Duarte)

Os roteiristas dos filmes de bangue-bangue de Hollywood foram responsáveis por criar, no imaginário popular, a noção de que o México era um esconderijo de foras-da-lei. A mesma ideia foi adotada pelos brasileiros em relação ao Paraguai. Um país onde o ilegal se infiltrou de tal maneira na máquina administrativa que o tornou uma terra de oportunidades para quem quisesse se envolver com tráfico de armas, drogas, cigarros piratas, munição, roubo de carros e lavagem de dinheiro. Esse tempo acabou. Hoje, todos os segmentos de crime estão loteados e têm como chefes bandidos locais e brasileiros. E aqueles que se aventuram em busca de uma oportunidade de negócios ilícitos acabam presos. Eles lotam as prisões paraguaias e das cidades brasileiras na fronteira. Muitos acreditaram no pensamento mágico de que bastaria atravessar para o outro lado, abastecer-se com drogas, armas, munição ou cigarros piratas e trazê-los para vender no Brasil. Desde 1983, de dois em dois anos, ando por essa região buscando histórias para contar e um bom lugar para encontrá-las é nas cadeias brasileiras e paraguaias. Em 1990, escrevi um livro chamado Brasiguaios: Homens sem pátria, sobre os agricultores do sul do Brasil que migraram para o Paraguai. Em 2003, fiz o livro País-bandido -Crime tipo exportação. Vamos aos fatos.

O ex-jogador Ronaldinho Gaúcho e seu irmão Assis foram presos por portar documentos paraguaios falsos: passaportes e carteiras de identidade – a história toda está disponível na internet. Foram levados para o Paraguai pela empresária Dalia López, que é investigada pelas autoridades locais por lavagem de dinheiro, entre outros crime. Ninguém opera no ramo de lavagem de dinheiro no Paraguai sem a bênção de Dario Messer, conhecido como o “doleiro dos doleiros”, que está preso no Brasil. Ele foi pego pela Operação Câmbio, Desligo, um braço da Lava Jato. A prisão foi decretada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal, do Rio de Janeiro (RJ). Messer ficou foragido catorze meses e foi preso em julho de 2019, em São Paulo. Até a prisão do “doleiros dos doleiros”, ninguém tinha ouvido falar de Dalia López no Paraguai. Ela começou a ter visibilidade há pouco mais de meio ano. No mês passado (fevereiro de 2020), a revista Caras da Argentina fez uma reportagem em que a coloca em lugar de destaque entre os empresários da América do Sul. Aqui, surge uma pergunta? Dalia estaria tentando ocupar o espaço deixado por Messer? E Ronaldinho Gaúcho e seu irmão foram pegos no fogo cruzado pela disputa do comando da lavagem de dinheiro no Paraguai?

Quem pode responder a essa pergunta é o ex-presidente (2013 a 2018) do Paraguai, o empresário Horácio Cartes. Dono de tabacaleiras – fábricas de cigarros pirateados -, Cartes fez uma fortuna contrabandeando cigarros para o Brasil, ramo no qual se firmou graças ao pai de Messer, Mordko (já falecido), que o financiou. Cartes é considerado foragido da Justiça Federal do Brasil por ter ajudado na fuga de Messer. No Paraguai, os ex-presidentes da República tornam-se senadores vitalícios. Isso significa que a Justiça brasileira nunca colocará as mãos nele. Circulam informações de que o ex-presidente vigia os interesses do seu amigo Messer. Aqui, é o seguinte. Há informação de que Ronaldinho Gaúcho e seu irmão mandaram fazer os passaportes e as carteiras de identidade no Paraguai. Qual era o objetivo deles? É uma das coisas que o procurador da Justiça do Paraguai Osmar Legal, responsável pelas investigações, quer que eles expliquem. Isso é uma coisa. Mas a maneira como foram pegos é outro assunto e tem cheiro de armadilha por dois motivos. Primeiro, porque não é necessário aos brasileiros apresentar passaporte para ingressar no Paraguai, basta a carteira de identidade. Segundo, porque eles sabiam que eram falsos. Estavam fazendo um teste? Não sabiam que, depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York, os americanos deram uma “prensa” no governo do Paraguai para controlar suas fronteiras e, desde então, eles têm um sistema informatizado?

Andei conversando com colegas repórteres paraguaios e fontes que tenho de longa data no serviço de inteligência da Polícia Nacional. Disseram-me que o procurador Osmar Legal faz parte de uma nova geração de servidores públicos que não tem compromissos com o “sistema”. O que eles chamam de “sistema”? De 1954 a 1989, o país foi governado pelo ditador general Alfredo Stroessner, que se exilou no Brasil e faleceu em 2005. Stroessner dividiu o país com seus comandantes militares; cada um deles tinha o comando de uma área do crime. Toda a história é contada no livro Dossier Paraguay – Los dueños de grandes fortunas, do Anibal Miranda (falecido). Conversei várias vezes com Miranda, que morava nos arredores de Assunção. Dedicou a vida a estudar a estrutura das quadrilhas no seu país. A estrutura criminosa deixada por Stroessner está lá e continua funcionando. Não por outro motivo que, quando o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, se estabeleceram na fronteira, a primeira coisa que fizeram foi chacinar o dono do território e depois formar alianças com as outras quadrilhas.

Por conta de todos esses fatos que relatei, o Paraguai não é mais terra de ninguém. Seja lá qual for o plano que Ronaldinho Gaúcho e seu irmão tinham referente a negócios em terras paraguaias, eles acabaram presos em um atoleiro. Tiveram sorte. Se isso tivesse acontecido em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada por uma avenida da brasileira Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul, o assunto seria resolvido de outra maneira, a da fronteira: a bala. É simples assim.

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter.