Saturday, 25 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1289

Para manter a língua viva

Vamos encontrar o termo ‘neologismo’ na segunda edição do Dicionário da Língua Portuguesa (Lisboa, 1813) do lexicógrafo Antônio de Moraes e Silva (1756-1825). Como não consta da primeira edição nem de dicionários anteriores, deduzimos que a palavra deva ter começado no fim do século 18, início do 19, significando: ‘O emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma língua ou não’.

Logo que aparecem objetos, conceitos ou fenômenos sociais novos, surgem também expressões para representá-los na linguagem. Assim se dá o nascimento dos neologismos. Muitas vezes são como meteoros, que se afirmam por um tempo e que cedo desaparecem junto com a moda que os criou; outros contudo permanecem até entrar no léxico nacional.

Será lançado em 22 de novembro o Vocabulário de Neologismos Italianos (Giovanni Adamo, pesquisador de lingüística, e Valeria Della Valle, docente de Lingüística na Università di Roma La Sapienza). Por telefone e por e-mail, falei com a co-autora, que me contou coisas interessantes que, devido à globalização e à vulgarização da informática, têm validade para todos os idiomas. Diz Valéria que durante três anos eles leram sistematicamente os jornais diários nacionais para recolher as novidades da língua, o que resultou em mais de dois mil verbetes ainda não registrados nos mais importantes vocabulários nos últimos 10 anos.

Alguns neologismos

‘Mas quem inventa os neologismo?’ – pergunto. A resposta é simples: ‘Os jornalistas, políticos, economistas (especialmente estes), cientistas, críticos, comentaristas e pessoas da cultura, do espetáculo e da moda. São os jornalistas que mais capturam palavras novas no nascimento e, escrevendo-as em seus artigos, fazem caixa de ressonância, tornando-as autorizáveis’.

Os neologismos nascem também da web e das ruas, invenções cheias de carga irônica e polêmica, como palavras de ordem de manifestantes. Dessas palavras é que emergem novas tendências. São sempre mais difundidos os vocábulos compostos por prefixos como ‘anti’, ‘contra’, ‘não’, um léxico que demonstra descontentamento com numerosas realidades. O aumento de palavras estrangeiras nos neologismos é positivo, pois desprovincializa a cultura. Muitos ‘puristas’ querem até impedir por lei o uso dos estrangeirismos, mas estes tornam a língua original mais viva e em constante movimento, fator que impede um idioma de transformar-se ‘língua morta’.

Seguem alguns neologismos que, pelos fatores acima citados, podem ser usados e entendidos na maioria dos idiomas:

** Aquabomber – surgido na Itália, injetam com uma seringa substâncias tóxicas nas garrafas de água mineral dos supermercados.

** Eixo do mal – coligação entre os que sustentam o terrorismo internacional. Expressão usada por George Bush (presidente dos Estados Unidos) em 2002, referindo-se particularmente a três países: Irã, Iraque e Coréia do Norte.

** Blogueiro – usuário da rede de blogs.

** Catotudo – aquele que representa as mais variadas tendências religiosas, que tenham em comum uma matriz católica.

** Ciberpolícia – a vigilância na rede telemática para individualizar piratas da informática e prevenir a difusão de vírus.

** Cocacolista – Quem bebe habitualmente Coca-Cola, por extensão quem se uniformiza com escolhas americanas.

** Empréstimo-ético – Concessão de somas em dinheiro a pessoas que não podem oferecer garantias de saldá-lo.

** Hetero-gay – atraído sexualmente por pessoas do mesmo ou do outro sexo.

** Eurábia – a Europa zangada e com raiva. Palavra criada pela não menos zangada e raivosa jornalista Oriana Fallaci.

** Guerra assimétrica – conflito com armas desiguais, no qual uma das partes é obrigada a defender-se de um inimigo não-identificado, ficando portanto em desvantagem.

** Homem fecho-ecler – aquele que assume a posição de mediador entre partes opostas, mantendo com ambas relações diplomáticas ou amigáveis.

** Jihadismo – O movimento integralista islâmico que propõe a guerra santa contra os infiéis e também ações terroristas.

** Não-ismo – hábito de assumir uma posição negativa e dizer sempre não.

** Pixelado – Se diz do rosto tornado irreconhecível em transmissões pelo aumento dos ‘pixel’, os quadradinhos que formam as imagens digitalizadas.

** Pornoluxo – tendência da moda que enfatiza o luxo e a ostentação provocante.

** Zapaterização – Adesão ao modelo político proposto pelo primeiro ministro espanhol José Luiz Rodrigues Zapatero.

A criação desse dicionário dá razão ao professor e acadêmico Evanildo Bechara (Recife 1928), quando afirma: ‘A língua é viva e palavras de pleno domínio têm que ser registradas’.

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Jornalista