Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Histórias que não foram contadas

Por Elvira Lobato
Enviada a Cidade Ocidental

Por não existir imprensa ativa em Cidade Ocidental, a população é privada de informações relevantes sobre a gestão municipal, embora a prefeitura disponibilize em seu site os documentos dos processos licitatórios de compra de bens e serviços, os contratos e os convênios assinados pelos prefeitos e secretários, bem como a lista de pagamentos de salários de todos os funcionários. Os salários do prefeito e do secretariado foram incluídos na lista na gestão atual.

Mas ter a informação disponível na internet não significa necessariamente que a população tome conhecimento dela, afirma a promotora Marizza Maggioli. “A forma de pesquisa não é amigável e as pessoas se perdem no mar de informações e de números. O Ministério Público busca garimpar os dados, mas depende das denúncias que as pessoas lhe encaminham.”

O Observatório da Imprensa pesquisou alguns contratos no site da prefeitura e descobriu histórias de interesse jornalístico que não chegaram ao conhecimento da população.

Compra de quentinhas

Em 7 de janeiro de 2019, a prefeitura assinou contrato com a Nutriplus Marmitex para o fornecimento de 7.920 quentinhas — ao longo de um ano — aos servidores da Secretaria de Infraestrutura que trabalham nas ruas. Foi estabelecido o preço unitário da quentinha de R$ 12,00, o que corresponde a um valor total de R$ 95.040,00. A Nutriplus é uma microempresa local. O contrato especificou o cardápio mínimo exigido: arroz, feijão, salada, um tipo de carne, macarrão ou outro carboidrato.

Um dos principais restaurantes da cidade, o Flor do Cerrado, entrega na casa do freguês quentinhas de conteúdo similar — ou melhor, segundo o proprietário — a R$ 10,00 a unidade, sem taxa de entrega. Para grandes encomendas, o preço cai para R$ 8,00 a unidade, 33% menos do que o valor pago pelo município. Mas, ao saber que o preço de R$ 12,00 era para fornecimento à prefeitura, o dono do restaurante perdeu o interesse. Segundo ele, o setor público atrasa os pagamentos e a burocracia é tamanha que não compensa a remuneração adicional.

O secretário municipal de Infraestrutura, responsável pela licitação, afirmou que R$ 12,00 foi o menor preço oferecido à prefeitura, que fez a licitação do tipo restrito: por carta convite, em que só algumas empresas foram convidadas a apresentar propostas.

Transporte escolar

 

 

Duas empresas fazem o transporte de alunos da rede pública em Cidade Ocidental: Maximus e Transporte Veloso. De acordo com os documentos disponíveis no site da prefeitura, foram selecionadas em um processo licitatório em 2017, em que oito empresas se apresentaram, mas só as duas atenderam aos requisitos para credenciamento.

Ambas assinaram contratos em janeiro de 2018. Coincidentemente, tiveram o valor dos contratos majorados por aditivos em julho do ano passado e assinaram renovação, por mais doze meses, em janeiro deste ano, também por meio de aditivos. O contrato da Maximus é de R$ 4,818 milhões, e o da Veloso, de R$ 1,11 milhão. O transporte de alunos é custeado pelo Fundo Municipal de Educação, que recebe verbas dos governos federal e estadual.

Em outubro de 2018, a prefeitura fez uma licitação por carta-convite, no qual só empresas convidadas apresentam propostas de preços, para contratar dois ônibus para transporte de servidores públicos. De acordo com a documentação, três empresas foram convidadas a fazer propostas e o fizeram: Viação Brasília, Maximus e PR Transporte.

Nenhuma das três, porém, se apresentou para o credenciamento. A contratada foi a Transfederal, Transporte e Turismo, que pertence ao mesmo proprietário da Maximus: Wesley Sydnei Lima. O contrato foi fechado pelo valor de R$ 328,4 mil, por um ano.

Gastos com mídia

Outro assunto que mereceria cobertura jornalística foi a contratação da empresa OP Comunicações para veicular material institucional da prefeitura em jornais, rádios, televisão e internet. Para uma cidade que não dispõe de imprensa local, os gastos previstos com mídia são elevados: R$ 1,735 milhão em doze meses. O contrato foi assinado em junho de 2018.

O grande evento anual da cidade é a” Festa do Marmelo,” entre os dias 11 e 13 de janeiro. Em 2019, a prefeitura publicou anúncios para divulgar a festa em pequenos jornais de distribuição gratuita de municípios vizinhos que noticiaram o evento em manchetes de primeira página e reproduziram na íntegra os releases enviados pela prefeitura. Foi o caso de “O Noticiário”, do município de Luziânia, e de “ O Despertar”, de Valparaiso de Goiás.

Abuso eleitoral

A população de Cidade Ocidental tampouco tem notícias sobre o processo de investigação eleitoral que tramita no Fórum Municipal contra o prefeito Fábio Correa e seu vice, Luiz Gonzaga Viana Filho, por supostos abusos na reta final da campanha, em outubro de 2016. A investigação foi pedida pelo segundo colocado na eleição, Paulo Lima, do Democratas. No dia da eleição, ele chamou a polícia para registrar a distribuição de um jornal impresso gratuito — “Jornal Ocidental” — com o encarte de um folheto com uma pesquisa eleitoral que antecipava a vitória de Correa. O Observatório da Imprensa teve acesso aos autos, no cartório eleitoral. O processo está em fase de tomada de depoimento das testemunhas.

O “Jornal Ocidental” pertencia a Saulo Budin e parou de circular depois da eleição. Saulo assumiu o cargo de secretário de Infraestrutura do Município. Segundo ele, o jornal foi criado em 1991, por seu pai. Após a morte do pai, em 1997, o jornal parou de circular por onze anos. Voltou a circular em 2009, mas com periodicidade incerta.

Ele nega que o jornal fosse clandestino — como alegado na denúncia ao Ministério Público — e que tenha distribuído pesquisa eleitoral fora do prazo legal: “A pesquisa foi registrada e o prazo de publicação coincidiu com a eleição,” diz.

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Elvira Lobato é jornalista.